11 de setembro de 2014

RJ:Pezão quer manter Exército na Maré até dezembro.

Governo do Rio adia novamente saída do Exército da Maré
Para especialistas, ocupação mostra despreparo na execução do projeto
Complexo da Maré foi ocupado no dia 5 de abril
Complexo da Maré foi ocupado no dia 5 de abril
Gisele Motta *
O governador Luiz Fernando Pezão enviou um ofício ao governo federal solicitando que as Forças Armadas que ocupam o Complexo da Maré continuem no local até dezembro, pelo menos. A região foi ocupada no dia 5 de abril e a saída do Exército vem sendo adiada sistematicamente. Para especialistas, isso mostra duas coisas: primeiro, que não existe efetivo no Estado para manter a ocupação realizada pela União e, segundo, que a ocupação foi feita às pressas, sem o planejamento necessário para a real implantação de um policiamento comunitário.
Segundo Paulo Baía, sociólogo da UFRJ, é bem improvável que o governo federal não conceda essa maior permanência do Exército na Maré, como já fez anteriormente. A notícia indica o óbvio: “o Rio não tem efetivo suficiente na polícia para manter a ocupação, para a consolidação dessa UPP ainda não concretizada”, comenta ele. Para Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, a ocupação da Maré foi feita às pressas e agora enfrenta esse problema que mostra a falta de planejamento do Governo do Estado.
A socióloga diz que a Maré sempre foi vista como uma área estratégica, o que não garantiu que sua ocupação fosse feita de forma planejada. A área, próxima ao principal aeroporto do Rio de Janeiro, o Galeão, é ainda cortada por duas grandes vias, as Linhas Amarela e Vermelha. “Há muitos anos que ali deveria ter um policiamento comunitário, é muito surpreendente que no final desses seis anos de implantação de UPP, a ocupação dessa favela especificamente tenha sido feita correndo, a toque de caixa, como se fosse numa emergência para fazer aquilo que estava no planejamento desde o começo”, diz ela. Para a socióloga, essa ocupação mostra a falta de planejamento, por mais que o relacionamento entre o Exército e a população não seja dos piores.
A Polícia Militar informou que há previsão de formatura de pelo menos duas turmas até o final de dezembro no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap). No entanto, os locais onde esses futuros policiais serão empregados ainda não estão definidos
Para Paulo Baía, “no ponto de vista simbólico, as forças militares da União são mais ‘fortes’ para os moradores, mas na prática funcionam de forma parecida”. Silvia Ramos concorda. Ela ainda ressalta que a experiência do Exército na Maré, em comparação com comunidades ocupadas pela Polícia Militar, tem até um balanço positivo.
“A Maré tem uma característica muito especifica: conta com muitas associações, ONGs e grupos comunitários. O que podemos ver é que o Exército tem conseguido, apesar de não ter como proposta fazer um policiamento comunitário, diálogo. Pelo menos com as lideranças. Agora, na hora de tirar o Exército e colocar o policiamento de proximidade da PM, eles podem aprimorar esses sistema de diálogo”, reflete a professora. Ainda assim, ela diz que a formação do policial no Rio, hoje, ainda não preza o lado comunitário do oficial, voltando-o para o lado “guerreiro”.

O projeto UPP: porque não deu certo em todos os lugares
Para ela, o projeto das UPPs deu “mais certo” em algumas comunidades do que em outras, por diversos motivos não tão bem estudados. “Eu vejo que temos vários tipos de UPP. Em algumas favelas se pode dizer sim que predomina um policiamento de caráter comunitário, onde o tráfico armado diminuiu substancialmente e existe,mesmo que não completa, uma incorporação do policial”, comenta, citando as comunidades da Zona Sul, tirando a Rocinha. Todas de Santa Teresa e da Tijuca, tirando o Fallet, o Fogueteiro e o Coroa. Nesse policiamento diferenciado onde predomina a lógica comunitária, não há grupos ilegais armados mandando no território, não há tiroteios constantes, por exemplo.
Em outras favelas, o conflito armado se mantém, assim como a legitimidade do tráfico, como é o exemplo de favelas da Penha e do Alemão. Para a socióloga, muitos fatores podem estar envolvidos, como o tamanho das comunidades (quanto menor o número de pessoas e maior o senso de união, mais fácil a ocupação). Mas também outros aspectos como a associação do tráfico a grupos familiares, ou o próprio comando da PM e suas estratégias.
Para ela, a questão da ocupação não é dizer que os problemas – o tráfico e as armas – não existam, mas tomar de volta os territórios para os cidadãos. ”O tráfico de drogas existe na cidade inteira, não só nas favelas. A questão é retirar as armas, evitar que o traficante, além de vender drogas, seja o dono do território e aterrorize as pessoas”, comenta ela.

“Os policiais tem que entender que só vão conseguir mudanças pela legitimidade, não pela força”
Para Silvia, um dos pontos mais importantes quando se fala de UPP é frisar seu intuito de policiamento comunitário. Para isso, os policiais tem que ter uma abordagem diferente, que não vem sendo aplicada.
“Para que as UPPS deem certo, temos que apostar obsessivamente no diálogo. Não existe opção possível de manter policiais rondando as ruas de uma comunidade 24h por dia sem diálogo e alguns comandantes não entenderam isso. Eles acham que conseguirão ocupar um território pela força. Ou eles ganham pela legitimidade, ou não ganham", dita.
“A polícia age de um jeito que não tem como os moradores ficarem a favor da policia, nem na vida política e social nem vida privada. Eles agem de forma tão hostil, trata o morador tão mal que eles acabam ficando com raiva daquele policial. O sentimento do dia a dia deixa de ser respeito para ser raiva."
Silvia ainda diz que se surpreende por não existir nenhum programa de integração de jovens e policiais. Ela cita um exemplo que aconteceu em Minas Gerais, o ‘Juventude e Polícia’, que colocava em diálogos policiais e jovens. “Esse tipo de programa é muito necessário para diminuir esse preconceito entre jovens e policiais. De um para o outro reciprocamente. Permite que policiais e jovens se conheçam em outras situações que não só na abordagem policial, onde tem um momento tenso. Onde o jovem se sente intimidado e até humilhado."
*Do programa de Estágio do JB
Jornal do Brasil/montedo.com

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