2 de junho de 2015

'Nostalgia da ditadura': moradores de favelas repudiam visão de coronel sobre 'estado de sítio' na Maré

Coronel Fernando Montenegro defendeu tese em relação ao complexo de favelas em entrevista ao DIA
Montenegro, que comandou força-tarefa da pacificação no Alemão, diz que Exército deveria ter a mesma liberdade de atuação que o tráfico (Foto:  Banco de imagens)
JULIANA DAL PIVA
Rio - As declarações do coronel da reserva do Exército Fernando Montenegro foram recebidas com tristeza e perplexidade por moradores dos Complexos do Alemão e da Maré. Montenegro foi comandante em 2010 de uma das duas forças-tarefa da pacificação do Complexo do Alemão e defendeu ontem em entrevista ao DIA que fosse instalada uma espécie de estado de sítio na Maré.
“Como vai garantir o direito do cidadão à liberdade? Onde fica o ser humano vivendo numa favela sitiada?”, questionou Lúcia Cabral, moradora do Alemão e coordenadora do Centro de Referência dos Direitos Humanos do Complexo. Ela diz que ficou em choque ao ler a defesa das ações armadas feita pelo militar. “Achei assustador. O poder público vive dizendo que tem que garantir o direito de ir e vir, mas qual é o direito da favela? Não somos cidadãos?”, critica Lúcia.
O diretor e fundador da Redes da Maré, Edson Diniz, também disse ter ficado preocupado com o olhar do militar sobre o trabalho na comunidade. “É a visão de um exército combativo e uma população inimiga. Na Maré tem trabalhadores que movimentam a economia e a cultura da cidade. Não são um exército inimigo que pode ter suas casas invadidas”, observa Diniz.
Ele ressalta que um dos principais problemas na comunidade é a falta de protocolo no relacionamento com os moradores. “Depende do comando. Quando era preciso fazer alguma reclamação de violações, uns iam apurar. Com outros era difícil até de fazer o registro”, conta Diniz.
Coronel Montenegro: Declaração polêmica
Foto:  arquivo pessoal
O deputado Marcelo Freixo (Psol) acredita que a opinião do coronel demonstra o despreparo do Exército para a atuação na segurança pública. “Ao menos, ele é honesto. É uma opinião que tem que ser debatida, mesmo discordando bastante. Isso só afirma o quanto o Exército não pode exercer o papel de polícia. Não é a sua função constitucional. Eles olham para qualquer conflito para eliminar o inimigo. Isso já custou muito caro nos 21 anos de ditadura”, afirma.

ONGs veem 'nostalgia da ditadura'
Para Atila Roque, diretor da ONG Anistia Internacional, o coronel expressa uma certa “nostalgia da ditadura”. “O que a gente precisa é de um choque de direitos e de cidadania. Enquanto as pessoas não desfrutam isso, ninguém pode se dizer plenamente cidadão. A fala dele vai contra isso. É assustador ouvir de um alto oficial de Forças Armadas que a liberdade necessária para atuar teria que ser ‘pelo menos similar à de um bandido’. É se colocar no mesmo patamar do crime”, aponta Roque.
A diretora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, conta que a organização chegou a documentar denúncias de abuso ocorridas na época da ocupação do Exército no Alemão. “Verificamos muitas violações que estão expressas na fala dele, como a entrada nas casas de forma ilegal. E mais: pessoas baleadas, espancamentos, pessoas mantidas em cárcere privado”, conta Sandra. Procurada, a Secretaria de Segurança não quis se manifestar.
O Dia/montedo.com

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