14 de novembro de 2016

História: Os canhões não falaram

O atual estágio de alienação quase completa dos militares em relação a política contrasta com um processo histórico que vem de longa data, muito antes do tenentismo e dos 18 do Forte. Ele remonta ao Século XIX, aos primórdios do Império.
O embate político-ideológico que desaguou no movimento de 1964 teve vários momentos de tensão aguda, sempre com a participação dos fardados. Narrado pelo jornalista Carlos Chagas, o episódio do Movimento do 11 de Novembro ocorreu em uma quadra histórica muito importante, entre o suicídio de Vargas e a posse de Juscelino Kubitschek. Alçado ao centro da cena política desde então, o Marechal Henrique Teixeira Lott seria derrotado por Jânio Quadros na disputa pela Presidência do Brasil, cinco anos depois.

OS CANHÕES NÃO FALARAM
Carlos Chagas
Sexta-feira, 11 de novembro de 1955, o Rio não dormiu. Ou dormiu pouco, porque de madrugada a cidade já estava acordada. Em todos os quartéis e repartições do Exército havia movimentação inusitada. Tanques e canhões ocupavam as principais avenidas e praças. Soldados equipados guardavam repartições federais e, de forma um tanto estranha, cercavam estabelecimentos da Marinha e da Aeronáutica.
No ministério da Guerra, as luzes estavam acesas, em especial nos andares dos gabinetes do ministro e do comandante do I Exército. Aparelhos de telegrafia e telefones não paravam de tilintar, transmitindo ordens e recebendo adesões das unidades espalhadas pelo país inteiro.
O Exército erguia-se em solidariedade ao ministro Henrique Teixeira Lott, demitido na véspera mas horas depois outra vez instalado em seu gabinete pela totalidade dos demais generais e altos oficiais. Levantava-se o país armado para evitar o golpe engendrado pelo presidente interino da República, Carlos Luz, apoiado pela Marinha e a Aeronáutica, empenhados em não dar posse ao presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Em nome da legalidade e para assegurar o regime democrático e a Constituição, o general Lott aceitara chefiar a rebelião. Um golpe para evitar outro golpe, ironicamente batizado de Movimento de Retorno aos Quadros Constitucionais Vigentes. A agressão à semântica tinha sido o único erro do Exército, porque como retornar ao que não era mais vigente?

Saiba mais sobre o 11 de Novembro
 Enquanto o sol nascia, o presidente derrotado e mais uns poucos ministros e conspiradores conseguiram embarcar no cruzador “Tamandaré”, rompendo a linha de defesa das fortalezas do Exército, na entrada da baía da Guanabara. Diz a crônica que general Lott mandara bombardear e afundar o navio rebelado. Como estávamos no Brasil, as fortalezas atiravam, o estrondo era grande, mas nenhuma bala acertou. Brasileiros matando brasileiros? De jeito nenhum.
O navio seguiu para o Sul, mas precisou voltar, pois nenhuma adesão foi conquistada. O Exército dominava o litoral e o interior. O Congresso encontrou outro presidente interino, no caso Nereu Ramos. Juscelino Kubitschek tomou posse, dias depois, mantendo o general Henrique Lott como ministro da Guerra. Estava salva a Legalidade, pelo menos até 1964. Ainda hoje ressoam os estampidos dos poderosos canhões das fortalezas. Merecem medalhas os bravos artilheiros que, de propósito, erraram o “Tamandaré”. Da mesma forma os marinheiros que não responderam ao fogo amigo. Felizmente, os canhões não falaram. 
DIÁRIO do PODER/montedo.com


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