27 de junho de 2017

Militares e segurança pública

O emprego das Forças Armadas para atuar na segurança pública deveria se dar somente em situações críticas, nas quais a polícia se revela incapaz

O comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, disse em audiência no Senado, na quinta-feira passada, que o uso das Forças Armadas em ações de segurança pública é “desgastante, perigoso e inócuo”. O alerta foi dado em meio à preocupante frequência com que os governos federal e estaduais têm solicitado o emprego dos militares como policiais.
A legislação vigente estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem somente se dará “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, segundo se lê no artigo 15 da Lei Complementar n.º 97 (1999). Esses instrumentos são todos os órgãos policiais responsáveis pela segurança pública, estabelecidos pelo artigo 144 da Constituição. Cabe ao presidente da República ou ao governador de Estado, conforme o caso, reconhecer formalmente tais instrumentos como “indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional” para que se justifique o acionamento dos militares para esse trabalho. 
O uso do Exército para enfrentar traficantes e pacificar favelascontraria a vocação das Forças Armadas, cujos soldados são treinadospara a guerra, e não para a prevenção do crime e a repressão ao narcotráfico.
Ou seja, o emprego das Forças Armadas para atuar na segurança pública deveria se dar somente em situações críticas, nas quais a polícia se revela incapaz de fazer seu trabalho, expondo a sociedade a risco. No entanto, o que mais se observa há alguns anos é a banalização dessa convocação. Caminha para se tornar um perigoso consenso, por exemplo, a ideia de que somente os militares são capazes de impor a ordem e desbaratar o crime em lugares dominados por traficantes.
A esse respeito, o general Villas Bôas citou a participação do Exército na patrulha da Favela da Maré, no Rio de Janeiro. “Um dia me dei conta. Os nossos soldados atentos, preocupados – são vielas –, armados. E passando crianças, senhoras, eu pensei: estamos aqui apontando arma para a população brasileira.”
A ação na Favela da Maré está longe de ser isolada. O Exército, de tempos em tempos, é chamado a intervir nas favelas do Rio, como se essa presença fosse a única demonstração de força capaz de inibir o crime organizado. O general Villas Bôas foi muito duro a respeito dessa ilusão: “Nós somos uma sociedade doente. E lá ficamos (na Favela da Maré) 14 meses. Do dia em que saímos, uma semana depois tudo havia voltado ao que era antes. Então, temos que realmente repensar esse modelo de emprego (das Forças Armadas)”.

“Nós não gostamos desse tipo de emprego, não gostamos”
General Villas Bôas, Comandante do Exército

O uso do Exército para enfrentar traficantes e pacificar favelas contraria a vocação das Forças Armadas, cujos soldados são treinados para a guerra, e não para a prevenção do crime e a repressão ao narcotráfico. Há casos em que a previsão constitucional é respeitada, como em fevereiro passado, quando os militares foram acionados para fazer a segurança pública no Espírito Santo em meio à greve da Polícia Militar. No entanto, diante da incapacidade financeira e estrutural dos Estados para cumprir plenamente seus deveres, há governadores que solicitam a presença do Exército em situações bem mais corriqueiras. O governo do Rio, por exemplo, pediu ajuda às Forças Armadas para conter protestos e para ajudar a fazer o policiamento no carnaval. Em maio, os militares foram chamados para fazer varreduras em presídios rebelados em cinco Estados.
Na audiência no Senado, o general Villas Bôas deu números que comprovam essa banalização: “Nos últimos 30 anos, nós fomos empregados 115 vezes. O único Estado onde não houve emprego até hoje parece-me que foi São Paulo”.
O general Villas Bôas deixou claro que o Exército está pronto para atuar além de sua tarefa de proteger a soberania nacional contra ameaças externas. Ele disse que os militares acumularam “enorme expertise”, por exemplo, na segurança de grandes eventos internacionais, depois das bem-sucedidas operações na Copa do Mundo e na Olimpíada. Mas o general tem toda a razão ao manifestar publicamente seu desconforto com a transformação das Forças Armadas em força policial: “Nós não gostamos desse tipo de emprego, não gostamos”.
O Estado de S.Paulo/montedo.com

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