9 de fevereiro de 2018

General Santos Cruz: "Não se faz segurança pública com Forças Armadas."

A polícia paga pela deterioração de todas as áreas
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General Santos Cruz (Givaldo Barbosa - O Globo)
André Vargas
O general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz, 65 anos, deixou a farda, mas não a batalha. Secretário Nacional de Segurança Pública desde abril do ano passado, ele tem a missão de criar estratégias para combater o crime e integrar as ações de todas as forças de segurança do País de modo a deter a criminalidade desenfreada. Mesmo diante desse desafio, ele acredita que com inteligência, investimento, treinamento e mudanças nas leis será possível reduzir a violência que mata mais de 60 mil pessoas por ano, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Designado comandante das tropas da ONU na República Democrática do Congo, o general Cruz já enfrentou e venceu rebeldes em um cenário hostil. Para ele, porém, nem mesmo todo o planejamento e recursos do mundo trarão segurança aos brasileiros se não houver “liderança política para erguer essa bandeira”, como ele afirma na entrevista a seguir.

Qual a razão da letalidade fora de controle no Brasil?
É uma deterioração social. O crime vulgarizou a violência. É algo que vem de longo tempo e que piorou com as organizações criminosas. As disputas de facções por controle do comércio de drogas e outras atividades nos leva ao nível da barbárie. Tudo isso é resultado da ausência e do atraso do poder do Estado em se adaptar a essa nova situação.

A criação de uma força nacional de intervenção permanente no Rio de Janeiro traria vantagens no combate ao crime e à entrada de armas ilegais na cidade?
Não acho que solução seja essa. Temos é que estruturar os órgãos existentes. Temos que aperfeiçoar, treinar, equipar e prover de tecnologia [as polícias], assim como acertar a legislação. É preciso uma cruzada das instituições, com Judiciário e ministérios públicos. Essas instituições também precisam tomar medidas abertas contra o crime. Junto com tudo isso é preciso lideranças em nível político que ergam essa bandeira.

O senhor defende que os estados adotem políticas segurança de acordo com suas realidades locais. No que diferem os problemas, por exemplo, de São Paulo e do Rio? Ou do Amazonas e do Rio Grande do Norte?
Cada estado tem suas particularidades, seja pelo tipo de crime ou pela capacidade das polícias. O investimento em São Paulo é grande e muitos índices estão caindo. No Amazonas, que é um estado fronteiriço, o transporte fluvial e o controle de fronteiras e espaço aéreo exige outras soluções. O importante é que junto exista uma política de coordenação nacional e que todos os órgãos estejam integrados.

"O ex-governador Sérgio Cabral está preso
 por que havia corrupção e crime organizado
em nível governamental para pegar dinheiro
de dentro das instituições públicas."

São Paulo conseguiu reduzir os índices de homicídios. Pernambuco também, entre 2006 e 2013, mas depois os assassinatos voltaram com força. O que ocorreu?
É uma situação alarmante não só em Pernambuco, mas no Nordeste todo. Esses estados não estavam preparados para a expansão do crime organizado, que migrou para lá a fim de explorar as fragilidades existentes por meio de alianças com facções locais. O Nordeste precisa passar por esta fase de adaptação, o que exige uma política nacional. Hoje os estados não conseguem sozinhos fazer todo o financiamento da segurança pública.

O senhor afirma que os estados não aplicam parte dos recursos que recebem. Como evitar esse erro?
Algumas vezes existe retardo na aplicação de recursos. Acredito que isso se deve a diferentes razões. Algumas vezes troca-se o governo ou o secretário, outras vezes, falta conhecimento técnico para aplicar o recurso. Alguns projetos estão parados. Na área penitenciária, entre 2016 e 2017, cerca de R$ 1,2 bilhão ficaram sem uso.

Onde os recursos devem ser investidos? Construir mais presídios não é uma medida ineficaz, já que as facções dominam as prisões?
Se os presídios estivessem funcionando bem, até concordaria com essa ideia. Mas não estamos em uma situação aceitável. Precisamos de um sistema penitenciário que funcione dentro dos padrões aceitos pela dignidade humana. Nesse momento temos grandes deficiências, começando pelas delegacias e casas de detenção, onde temos pouca coisa funcionando bem.

Uma política de segurança pública deve combinar inteligência, tecnologia, treinamento e equipamentos. O que é mais urgente no Brasil atual?
Alguns pontos são fundamentais. Em primeiro lugar é preciso atuar ao mesmo tempo em prevenção e repressão. Outro item é integração, não só em caráter financeiro. Integração significa participação de União, estados e municípios, coordenação, pois os limites do crime hoje são interestaduais e internacionais, além de inteligência e tecnologia. Hoje a integração da base de dados criminais é fundamental para identificação. Senão, o criminoso cruza uma divisa e o outro estado não tem acesso [aos dados]. A tecnologia também passa pelo banco de perfis genéticos, o que facilitaria em muito a identificação criminal. A palavra integração é fundamental. Hoje, dezesseis estados estão colocando seus dados no Sinesp, que é o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. Com isso, será possível descobrir se um indivíduo pego numa blitz é procurado pela polícia de outro estado. O mesmo precisa ser feito com uma arma apreendida. Às vezes, ela foi usada em outros crimes. Tudo isso precisa ser centralizado. Nosso nível ainda é muito deficiente. Tem que melhorar.

O aumento da população carcerária não serve apenas para alimentar as facções criminosas?
O problema não é prender muito ou não. O problema é prender quem precisa ser preso. E que o criminoso de fato cumpra a pena. Temos um problema sério de execução penal, com condenados que integram o crime organizado ficando pouco tempo na cadeia. Há o caso da pessoa [Suzane Richthoffen] que matou os pais e foi liberada no Dia dos Pais. Pode ser legal, mas agride a sociedade pela sensação de impunidade que gera.

A corrupção em presídios e nas polícias não seria o maior obstáculo? Alguns dos grandes líderes das facções seguem presos e comandando seus negócios.
É o problema da execução penal. O sistema carcerário deveria funcionar. A corrupção não afeta só as prisões. Ela atinge a sociedade em geral, como um câncer. Um ex-governador está preso [Sérgio Cabral]. Qual a razão da prisão? Havia corrupção e crime organizado em nível governamental para pegar dinheiro de dentro das instituições públicas. A penalização precisa começar por cima. O Brasil precisa de exemplos.

Em Natal, a presença da Força Nacional durante a greve das polícias não afetou a média de homicídios do período anterior. O que houve?
A Força Nacional tem em torno de 2,1 mil homens. Desse efetivo, temos 600 homens no Rio de Janeiro e 500 no Pará. Enviamos entre 170 e 200 homens para Natal. Com esse efetivo, só reforçamos alguns pontos críticos e de grandes concentrações naquela capital, como zonas comerciais e rodoviária. Foi uma situação de emergência.

Existe alguma forma de minimizar a morte de PMs?
Os números são inaceitáveis para qualquer sociedade civilizada. O policial representa a legislação que estrutura a sociedade. O policial [fora de serviço], quando identificado, é morto. Para resolver, só com autoridades e instituições fortes. A legislação precisa ser alterada, o judiciário precisa se envolver na execução e na aplicação das leis. A polícia paga o preço de uma deterioração de todas as demais áreas.

Controlar a entrada de armas e drogas pelas fronteiras é uma missão impossível? O que é necessário para amenizar o problema?
Não. Estamos fazendo muita coisa. Em junho, quando começamos a implementar algumas medidas no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo fizemos ações ao longo de nossas fronteiras terrestres, por onde passam grande parte das drogas e armas. Também atuamos nos eixos que vêm dos estados do Sul e do Mato Grosso do Sul, chegando ao Rio por quatro grandes rodovias federais. É possível vigiar as fronteiras sim. Para tanto é preciso integração. Fizemos levantamentos em dezesseis pontos. A Polícia Rodoviária Federal, junto com a PF, Força Nacional e as polícias estaduais, tem a Operação Égide, que apoia as ações no Rio. Desde 10 de julho foram detidas 11,2 mil pessoas, 4 toneladas de cocaína e crack foram apreendidas, junto com 775 armas de fogo e 126 mil cartuchos de munição, além da recuperação de 2,5 mil veículos roubados. Mesmo assim, há necessidade de fechar mais as nossas fronteiras.

O que falta para essas ações serem mais eficientes?
Precisamos melhorar a tecnologia básica. Mais estrutura física, veículos, embarcações, treinamento, armamentos, munições. Também é preciso alguma estrutura mais avançada, como a parte de instrumentos óticos, scanners e integração da base de dados. Por exemplo: tivemos um mesmo veículo passando sete vezes pela fronteira só no percurso de vinda, sem fazer o de volta. Com tecnologia conseguimos capturar o sujeito, que fazia um grande transporte de armamentos e munições. Ele entrava no país com o carro e voltava por um caminho diferente usando outra placa. Para detectar esse movimento foi preciso investir em um sistema de vigilância, pois são milhares de veículos todos os dias nas fronteiras. Felizmente nós temos isso e estamos obtendo bons resultados.

As Forças Armadas devem invadir áreas controladas pela criminalidade e enfrentá-la?
Não se faz segurança pública com Forças Armadas. Só em caráter emergencial ou excepcional. Elas estão completamente aptas a fazer esse trabalho quando o confronto é de alta intensidade. Essa é a minha experiência internacional. Porém, a geografia do Rio de Janeiro e a maneira descuidada, quase irresponsável, como deixaram a cidade, sem planejamento urbano em algumas comunidades, aumenta em muito as chances de danos paralelos sobre uma população inocente, que sofre privações de toda ordem, principalmente na mão de bandidos. Isso tem que ser levado em consideração. Um confronto sempre será vencido pelas Forças Armadas. Não há grupo criminoso que vá impedir. O problema é proteger a população.
ISTO É/montedo.com

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