18 de novembro de 2012

O DESCONHECIDO ANDREAZZA

Carlos Chagas
(Prefácio do jornalista Carlos Chagas para o livro sobre o ministro Mário David Andreazza, elaborado e editado pela família.)

Foto
Mário Andreazza
Sem ser engenheiro, por haver optado pela Escola Militar das Agulhas Negras, mesmo depois de aprovado no vestibular para a Faculdade de Engenharia do Rio de Janeiro, Mário David Andreazza inscreve-se na relação dos maiores realizadores de obras públicas que o Brasil já teve, em toda a nossa História.
Importa pouco, neste prefácio, falar da ação do ministro dos Transportes e, depois, do ministro do Interior, nos anos em que o país mais se desenvolveu materialmente. Nos capítulos seguintes, o leitor encontrará provas e evidências das centenas de realizações responsáveis pela nossa inclusão no rol das nações que romperam o desenvolvimento atormentado da primeira metade do século XX para chegar à afirmação real de nossas potencialidades.
Da multiplicação da malha rodoviária que chegou ao asfaltamento da Belém-Brasília à implantação da Transamazônica, da Cuiabá-Santarém aos milhares de quilômetros retirados das pranchetas para o solo fértil do Sul e do Sudeste, essas foram apenas uma parcela do espírito criador do ministro. Reúnem-se à ponte Rio-Niterói e à recuperação das ferrovias desmanteladas nos anos anteriores à sua gestão. Completam a mutação verificada nos portos e a solidificação da indústria naval, com a batalha naqueles idos vencida contra a exploração do transporte marítimo pelos abomináveis navios de terceira bandeira, que estrangulavam nossa economia. As hidrovias romperam território a dentro através de um sadio nacionalismo gerado nos tempos em que, como instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, depois da Escola Superior de Guerra, comprovou na prática a teoria do apoio do Brasil nas próprias forças, antes que o deletério neoliberalismo nos envolvesse, como ainda hoje acontece.
Andreazza era nacionalista de verdade, sem necessidade de ser radical, mas é hora de nos afastarmos de um reconhecimento óbvio de sua capacidade administrativa e gerencial para mergulhamos no ser humano, razão destas linhas.
Ao contrário das primeiras impressões determinadas por seu otimismo e sua capacidade de gestor de obras, é preciso abrir espaço para alguém atormentado. Sua imagem de realizador conviveu, no íntimo, com a desconfiança permanente de chegar a bom termo em cada uma de suas iniciativas. Transmitia aos auxiliares aquela caraterística dos grandes comandantes, mas, na intimidade, duvidava. Junto aos amigos mais chegados, buscava apoio, na véspera, para os passos a ser dados no dia seguinte. Apesar da certeza de estar no caminho correto, sofria diante das incompreensões previstas frente às barreiras que romperia com consciência.
Nenhum documento exprime com mais densidade esse sofrimento permanente, assim como sua determinação inflexível de seguir adiante, do que a carta reservada enviada ao secretário-geral do ministério dos Transportes, logo depois de empossados os dois. Desconhece-se, até hoje, a reação do fidelíssimo coronel Rodrigo Ajace, diante de parágrafos como:
“(...) Administração é sobretudo coragem. Coragem de arriscar calculadamente e ficar indiferente aos medíocres enfurecidos que não perdoam o sucesso de ninguém. Até de ladrão seremos chamados.”
E depois:
“Sofreremos muitas restrições, em particular de nossos colegas, e mais ainda dos generais que verão sempre em nós os meninos que há pouco se perfilavam e faziam continência. Poderão se transformar nos nossos maiores adversários. (...) Para começar, temos que passar por malucos. (...) Engolir sapos e trabalhar. Terminaremos nos impondo. Temos capacidade e imaginação. Lutaremos contra a vaidade. Sei que é difícil, mas venceremos a tentação, pois a vaidade gera ódio e sentimentos mesquinhos.”
Tudo isso foi escrito como preâmbulo para anunciar as primeiras metas: “a duplicação da via Dutra, os estudos de viabilização da ponte Rio-Niterói, a navegação em decadência, a vergonha da Rede Ferroviária, o sistema portuário em decadência, o déficit cada vez maior na questão dos fretes marítimos, a desmoralização do DNER”...
“(...) Administração é sobretudo coragem. Coragem de arriscar calculadamente e ficar indiferente aos medíocres enfurecidos que não perdoam o sucesso de ninguém. Até de ladrão seremos chamados.”
Havia um universo a construir mas o perfil começava a ser desenhado a partir das dificuldades a enfrentar. E elas surgiram nas primeiras semanas de sua atuação. Companheiros de farda, em especial generais, mas montes de coronéis, seus colegas, viram-se tomados por aquele sentimento por ele detectado anteriormente, da inveja. Porque alguém como eles, ou até, hierarquicamente inferior, ousava investir contra imutáveis moinhos de vento, sem prestar atenção a estrelas e continências?

Juntaram-se os contrários, desde os primeiros meses. Os adversários do governo Costa e Silva, sem coragem para atingir o velho marechal, fizeram de Andreazza o alvo imediato. Exatamente como ele previra na carta ao coronel Ajace. Carlos Lacerda abriu a fila, sugerindo, mas sem afirmar, que aquele conjunto de iniciativas anunciadas por Andreazza encobria a corrupção. No fundo, elas contrariavam interesses internos e externos, estes das multinacionais, às quais muita gente do governo Castello Branco servia.
Se é verdade que o MDB do dr. Ulysses negou-se a integrar a corrente de desmoralização do ministério dos Transportes, no reverso da medalha partiram de civis e militares ressentidos com os rumos do movimento de 1964 os primeiros petardos contra o próprio movimento que integraram. Veio desses ultrapassados, entre eles os generais Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel, sem perder de vista o ex-ministro Roberto Campos, então no ostracismo, a catarata de meias suposições e incompletas ilações destinadas, menos do que atingir Costa e Silva e Andreazza, a interromper o fluxo de uma política nacionalista e contrária aos interesses externos que a retomada do desenvolvimento brasileiro obstruiria. Com a óbvia colaboração da parte mais forte da mídia, que até hoje o invencível Hélio Fernandes chama de “amiga e amestrada”.
Mesmo assim, com o apoio de Costa e Silva, resultados começaram a aparecer. Como a amargura encoberta de Andreazza tornava-se visível apenas para seus amigos mais chegados. Houve um momento em que a aliança entre ressentidos e interesseiros chegou a limites extremos, em veladas acusações até sobre a honestidade do ministro. Ninguém assumia mas muitos se aproveitavam para denegri-lo, a ponto dele ter procurado o então chefe do SNI, general Garrastazu Médici, pedindo-lhe para indicar um oficial de informações capaz de ocupar a chefia de seu gabinete. O indicado foi o coronel Rocha Maia, de toda confiança, que nunca mais deixou Andreazza, aval de sua honestidade junto à comunidade de informações. (continua amanhã)
Cláudio Humberto/montedo.com

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