7 de fevereiro de 2010

EM DEFESA DO SERVIÇO CIVIL

Revista Época
RUTH DE AQUINO


Se existe algo que deveria morrer de velho no Brasil é o serviço militar obrigatório. Para que fingir que continua a ser necessário forçar rapazes acima de 18 anos a se alistar no Exército? Em vez do serviço militar, rapazes – e moças – deveriam dedicar um ano de sua vida para servir à comunidade. Os filhos da classe média e da elite aprenderiam mais sobre o Brasil real se entrassem no mundo das crianças que nascem com pouco ou quase nada. Se fossem convocados a ensinar português, matemática, inglês, música ou informática.
Pela lei atual, até o brasileiro que mora fora do país é obrigado a se alistar. Claro que há mil jeitinhos para evitar os 12 meses no quartel. Só se alista hoje quem deseja seguir carreira nas Forças Armadas ou quem precisa ganhar um salário mínimo mensal como recruta. Os universitários costumam conseguir dispensa. Muitos se formam sem ter a menor ideia de como se equilibra na linha da pobreza a massa de brasileiros.
“É impressionante como a sociedade brasileira não oferece oportunidades de convivência entre cidadãos de diferentes camadas socioeconômicas”, diz o economista André Urani. A praia é uma ilusão. As pessoas se esbarram apenas. No transporte, há um apartheid social entre os obrigados a usar transporte público e os que dirigem seu próprio carro.
Poucos jovens carentes chegam às concorridas universidades públicas e gratuitas – e as particulares são proibitivamente caras. Urani foi professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) durante 16 anos. A cada ano ele perguntava de onde vinham seus alunos: “Só tive dois que haviam estudado em colégio público municipal, embora a rede municipal do Rio tenha mais de 800 mil alunos”.
Em vez do serviço militar, por que não levar os jovens
a prestar ajuda às comunidades que precisam?
Nas grandes cidades, a cultura dos condomínios cria uma juventude que se apega a privilégios e costuma sentir medo ou desprezo por pobres. Jovens de classe média alta só trabalham como garçons, garçonetes, babás e au pairs (empregadas) quando vão para o exterior fazer intercâmbio. Pais mandam os pimpolhos para os Estados Unidos, Europa, Austrália. Vão estudar idiomas e, muitas vezes, lavar pratos. Faz parte do aprendizado de vida e do amadurecimento. No Brasil, jamais fariam isso – não só por vergonha de servir a seus iguais. A mesada tropical é polpuda e o que se ganha aqui nesse tipo de serviço é muito menos do que lá fora. No Brasil, eles têm domésticas que recolhem suas roupas espalhadas no chão.
O serviço civil obrigatório seria uma oportunidade de integração, educação, disciplina. Não existe no Brasil nenhuma estratégia que promova um entendimento real entre as classes. Não se treinam o ouvido nem a compaixão, o desprendimento ou a generosidade. Jovens deveriam consagrar um tempo para o bem público. Por lei. Para criar bases e valores, perceber outros olhares. Um estudante de Direito poderia, no primeiro ano da faculdade, dedicar seis horas diárias de trabalho a um balcão de atendimento de pequenas causas em favela. Um estudante de contabilidade montaria pequenos negócios para famílias carentes e empreendedoras. Um estudante de letras incentivaria adolescentes a ler. Outro ensinaria a mexer em computador, a tocar piano ou a falar inglês. São tantos dons aprendidos, financiados pelos pais. Por que não retribuir à sociedade durante um ano?
O presidente Lula chegou a propor, em setembro de 2008, o serviço social obrigatório para homens dispensados do serviço militar e para todas as mulheres brasileiras. Eles prestariam à sociedade serviços relacionados a sua formação técnica, profissional ou acadêmica. Foi engavetado.
Minha sensação é que se desperdiça o potencial de um exército de jovens inteligentes e criativos. Poderiam ajudar a construir uma sociedade mais justa e menos desigual. Há os que sonham em sair do Brasil sem sequer chegar a entender o país em que nasceram. Nem aprendem a dar bom-dia ou a agradecer por um serviço prestado.
Deveríamos acabar com a obrigatoriedade do serviço militar, que já tem um século de vida. É um anacronismo num país sem guerra. O que o Brasil necessita é educar direito seus filhos.