13 de fevereiro de 2010

HAITI: NÃO HÁ MAIS VIOLÊNCIA DO QUE ANTES DO TERREMOTO, DIZ CAPITÃO

"Você consegue — e esta é a marca do soldado brasileiro aqui — com segundos de conversa, por mais diferenças que existam entre idioma e cultura, tirar deles um sorriso"

O capitão-de-corveta Carlos Weizel de Fontoura Barreto Junior, "cria de Tupanciretã, e por força do trabalho dos pais nascido em São Paulo", chegou ao Haiti um dia antes do terremoto que devastou o país caribenho, em 12 de janeiro. Ele observa que, apesar de a situação em Porto Príncipe ter melhorado, restou a tristeza nas feições dos haitianos. Após o expediente, ele dedilha uma milonga ao violão e não dispensa um mate amargo  no Campo Charlie, localizado na capital haitiana. Em entrevista por e-mail, Weizel relata um pouco de sua rotina e compartilha suas impressões de como está o país:

Zero Hora — Como está o Haiti agora, passado um mês do terremoto?
Carlos Weizel de Fontoura Barreto Junior — A situação está boa, desde que consigas entender o ponto de vista de quem está aqui. A dor das perdas ainda está no semblante das pessoas, entretanto, a sucessão de tragédias naturais ou sociais pelas quais elas passaram nos últimos anos lhes dá uma resistência que muitas vezes escapa à nossa compreensão.

ZH — Quais são suas impressões sobre o povo haitiano após o abalo sísmico?
Weizel — Eu vejo um povo tentando buscar seu caminho em uma terra de dificuldades. Esta busca, por um caminho, que antes já era difícil, agora chega ao limite do impensável mas a vida está seguindo. Que o digam os filhos de haitianas que chegaram feridas grávidas e deram a luz na Base. Você consegue — e esta é a marca do soldado brasileiro aqui — com segundos de conversa, por mais diferenças que existam entre idioma e cultura, tirar deles um sorriso e quando a barreira do idioma é vencida, eles têm orgulho de falar sobre o país deles, do seu nome, do apelido (que eles dão um valor enorme).

ZH — A população parece esperançosa?
Weizel — Vou responder a pergunta com uma história. Esta é a minha segunda vez em missão no Haiti — a primeira foi em 2007 — e naquela ocasião, eu trouxe sementes de árvores, que plantei na base. Um haitiano que na época era responsável pela limpeza dos banheiros ficava me olhando e me pediu algumas. Quando retornei, a primeira coisa que ele me disse quando nos reencontramos foi que ele agora não limpava mais banheiros e sim era intérprete do batalhão e que suas árvores estavam do mesmo tamanho das minhas. Conforme aprendemos nessas coxilhas, ninguém planta árvore se não pretende firmar tapera.

ZH — Qual foi a cena que mais lhe chocou no Haiti?
Weizel —
Sem dúvida, na hora que começaram a chegar os feridos na nossa base, sobretudo as crianças feridas, algumas das quais imediatamente tiveram membros amputados.

ZH — Há muita violência?
Weizel — Não mais do que existia antes do terremoto. A motivação, entretanto, mudou para os aspectos relacionados à sobrevivência. O ambiente seguro estável foi alcançado antes e estamos mantendo-o agora. O que antes fazíamos para que o país pudesse buscar seu próprio desenvolvimento hoje é para garantir que a população receba a ajuda humanitária que aporta aqui. A segurança está em um grau extremamente aceitável, comprovado pela liberdade de movimento de todos os atores internacionais que circulam livremente pelas ruas, desenvolvendo seus trabalhos, sem a necessidade de qualquer envolvimento direto das tropas da ONU com a suas atividades. Isto nos primórdios da missão seria impensável.

ZH — Ainda há relatos de saques?
Weizel — Podem ocorrer alguns esporádicos, decorrentes da inexperiência de alguns organismos em como proceder a determinados tipos de ajuda como distribuição de comida, por exemplo. Mas neste caso, ante a aproximação das nossas tropas, sem necessidade de violência, a maioria dessas ocorrências é rapidamente contornada.

ZH — Como tem sido o trabalho aí?
Weizel — Intenso, seria a definição mais estrita. Imagino que terei uma noção melhor de tudo quando sair daqui. Agora seja pela missão em andamento, seja pela falta de tempo, não paro para racionalizar o que aconteceu.

ZH — Quais são suas atividades diárias?
Weizel — Como oficial da Marinha do Brasil, integrante do Batalhão Brasileiro no Haiti (Brabat), sou um dos adjuntos da Seção de Logística e minhas atividades estão relacionadas a manter a logística das Nações Unidas em relação ao batalhão. Todos os dias eu visito diversos escritórios da Base Logística da ONU e entrego solicitações, negocio fornecimentos e sou cobrado para fazer melhorias em procedimentos. Terminado o que seria um expediente, em condições normais do Haiti na presente situação, "cevo um amargo" (tomo um mate), estudo para um exame interno da Marinha que devo prestar quando voltar ao Brasil. Trouxe um violão e um manual para tentar dedilhar uma milonga, faço um treinamento físico e contamos muitas histórias no que chamamos de "papo de fogueira".