18 de maio de 2010

GENERAL SANTA ROSA ABRE FOGO CONTRA PROJETO TOTALITÁRIO DO PT

General diz que governo Lula quer implantar "ditadura totalitária"

santarosa17052010aMaynard Marques Santa Rosa,  pivô de polêmica  recente, defende que ditadura de 1964 foi autoritária, mas não totalitária, e deixou imprensa “amplamente livre”
LUCAS FERRAZ
ELIANE CANTAHÊDE (*)
Responsável até fevereiro deste ano pelo Departamento de Pessoal do Exército, o general Maynard Marques Santa Rosa, 65, disse à Folha que está em andamento um processo para transformar o Brasil num “ditadura totalitária comunista” e que o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos é parte desta estratégia.
Ele afirma que “com certeza” há exagero quando se fala em tortura na ditadura militar (1964-85). “Vocês conhecem algum ex-torturado cubano? Ou russo? Não existe, porque não se deixava sair [da prisão] Então, foi a bondade, entre aspas, dos torturadores que permitiu que saíssem [no Brasil].”
O general foi duro em relação à pré-candidata Dilma Rousseff ao dizer que a Comissão da Verdade, criada pelo PNDH, só seria correta “se você perguntasse a Dilma quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou...” Quanto á eleição, diz não estar animado: “Na Dilma, não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra”.
Santa Rosa foi exonerado após a Folha ter publicado e-mail em que ele classificou a Comissão da Verdade de “comissão da calúnia integrada por fanáticos”. Ficou encostado no Comandado da Força até passar para a reserva, em 31 de março. Segundo diz, “95% do Exército” pensa como ele.  A diferença é que Santa Rosa é um dos raros casos de militar que diz o que pensa em público.
FOLHA – Qual é a sua opinião sobre o governo Lula?
MAYNARD MARQUES SANTA ROSA – Acho o presidente uma pessoa simpática, tem empatia com o público e sensibilidade em detectar os anseios da massa. O que é diferente da linha governamental que ele segue. Está rodeado de pessoas impregnadas de preconceito e ideologia. O governo tem várias caras. Ideologicamente, é intolerante, autoritário. Para ser mais preciso, tem anseio totalitário.
O Lula?
O governo. O presidente, não. Não sei se ele é usado ou se ele usa esse grupo para promover seus interesses.
O que caracteriza o autoritarismo do governo?
A intolerância com opiniões contrárias.  Quem examinar o Programa Nacional de Direitos Humanos vai interpretar o que digo. Aquilo é um tratado ideológico de extrema intolerância, onde se pretende regular uma sociedade inteira. Adota o tal princípio da transversalidade. Na medida em que se têm intenções que transcendem Legislativo e Judiciário, são pretensões  que transcendem até os preceitos da Constituição, portanto, totalitários.
Em que parte o 3º PNDH transcende Legislativo e Judiciário?
Quando propõe a institucionalização de mecanismos ilegais. Ingerir no processo judicial de reintegração de posse transcende a lei e na estimulação da degradação dos costumes à revelia da tradição cristã que temos, ao estimular a homoafetividade.
Totalitarismo não é o contrário, exigir que todos tenham o mesmo comportamento?
Querer consertar isso de outra penada mais totalitária é que é o erro. Temos de deixar fluir a natureza, inclusive nas relações sociais.
Os dois planos elaborados no governo FHC já não continham basicamente os mesmos pontos.
O primeiro plano não choca ninguém. Embora tenha bandeiras polêmicas, obedece ao princípio da naturalidade, não faz a sociedade civil engolir pontos que não lhe pertencem, diferentemente do de agora, fabricado de fora.
De fora? De Onde?
Se você pesquisar a similitude entre a Constituição venezuelana, e também a equatoriana e a boliviana, que são clones adaptados aos seus países, vai verificar qual é a origem. Isso tudo é uma composição organizada, uma conspiração internacional.
Durante seus 49 anos no Exército, o Sr. Conheceu muitos gays nas Forças Armadas?
Não, existe uma rejeição inata da estrutura militar contra isso. O problema é que existe uma articulação, no sentido de transformar a sociedade, colocar uma nova cultura goela abaixo na classe média, e isso é apenas uma fase preliminar para depois se implementar o que se quiser.
E o que se quer?
Uma ditadura totalitária.
Comunista?
Exatamente. Primeiro, transformar os costumes da sociedade, para, por último, implementar o sistema totalitário. Falar isso no século 21 é quase uma aberração.
Após 21 anos de ditadura, a democracia não é irreversível?
Não acho. O povo não reage, está numa situação letárgica. Nosso povo não tem opinião, e quem tem se cala. Estamos anestesiados.
No seu e-mail contra o plano não havia nada disso.
O nosso foco era a defesa da instituição militar.
Nosso? De quem?
Meu. O foco militar era porque, se se conseguisse abrir a Comissão da verdade, o resto seria facilmente alastrado. Houve uma reação institucional à qual até o próprio ministro [Nelson Jobim] aderiu, reconhecendo que iria causar uma desarmonia grande. Então, ele contrapôs aquele protesto que levou o presidente a flexibilizar a redação do plano.
Que nota o sr. Dá para o ministro Nelson Jobim?
Para o momento, é o melhor que se tem. É preparado, foi ministro do STF, da Justiça, tem relacionamentos de alto nível e é inteligente. O Ministério da Defesa é uma necessidade, faz parte da modernidade do Estado.
Como o sr. define o regime de 1964?
Um regime emergencial, um mal que livrou o país de um mal maior.
E a tortura?
Nunca foi institucionalizada, é um subproduto do conflito. A tortura começou com os chamados subversivos. Inúmeros foram justiçados e torturados por eles próprios, porque queriam mudar de opinião. A tortura nunca foi oficial.
O sr. critica que o plano está transportando para o país um regime autoritário, mas não foi justamente o de 1964?
Foi autoritário, mas não totalitário.
Qual é a diferença?
A imprensa, por exemplo, foi amplamente livre.
Como?
Só teve censura no momento de pico, a partir do AI-5 [1968]. Se não houvesse um enrijecimento político naquela oportunidade, poderia perder o controle. Considero isso tudo um mal, mas um mal menor e necessário.
O sr. aceita um militar torturando uma pessoa indefesa, um jovem, uma mulher, desarmados?
Nenhum militar torturou ninguém. Se houve, foi no Dops [Departamento de Ordem Política e Social, oficialmente vinculado á polícia].
Não é covardia matar pessoas e torturar rapazes e moças, algumas grávidas, depois de presas?
Sinceramente, não sei de nenhum caso. O que existe é produto de imaginação.
O Sr. tem dúvida? A própria ex-ministra Dilma Roussef foi presa e torturada.
Ela diz que foi torturada, mas... Só no Brasil, a pessoa que sobrevive, e está com boa saúde, alega tortura para ganhar os benefícios, sejam políticos ou de pensão.
É mentira que houve tortura?
Com certeza absoluta. Vocês conhecem algum ex-torturado cubano? Ou russo? Ou chinês? Não existe, porque não se deixava sair [da prisão]. Então foi a bondade, entre aspas, dos torturadores que permitiram que saíssem [no Brasil]. Institucionalmente, legalmente, não houve [tortura]. Não posso afirmar que, fora do controle, não tenha havido.
Não é justo, portanto, ter uma Comissão da Verdade para apurar se houve ou não houve?
Seria justo se os dois lados dissessem a verdade. Se você perguntar a Dilma Rousseff quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou...
Até onde se sabe, ela não matou ninguém.
É o que ela alega. Sabe-se que tem vítima.
Qual é a sua opinião sobre o José serra? Ele foi presidente da UNE, exilado no Chile...
É um administrador competente, um gestor público excelente, tanto que, se voltar para São Paulo, se reelege. Mas eu estou me atendo ao produto do trabalho dele.
E a Marina Silva?
Tem uma visão da Amazônia igual à da Fundação Ford, igual à dos americanos. É uma visão de internacionalista.
O sr. vota em quem?
Na Dilma não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra.
PERFIL

Democracia com limite até em casa
Com uma pulseira da Nasa no braço esquerdo, “para equilibrar o sistema simpático e para-simpático e ficar zen”, o general Maynard Marques Santa Rosa convive com uma curiosa liberdade religiosa na sua família: ele é espírita, a mulher, católica, e o filho, evangélico.
“Temos uma democracia religiosa”, brinca ele, mas deixando claro que democracia tem limites também em casa.
“Em quem sua mulher vai votar?”, perguntou a Folha.
“Em quem eu mandar”, respondeu, rápido.
Ele se declara apaixonado por “política e estratégia” e um leitor voraz. Considera Graciliano Ramos e Machado de Assis muito pessimistas. Prefere José de Alencar.
Durante o almoço na quarta-feira, em Brasília, ele foi cáustico crítico das ONGs, “que recebem mais dinheiro do governo do que o Exército”, e contra a adesão brasileira ao Protocolo Adicional do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).
Criticou ainda o excesso de proteção da Amazônia e o zoneamento ecológico para proteger índios, quilombolas “e outras minorias”. Mas atacou especialmente a união civil homossexual.
Alagoano, Santa Rosa passou para a reserva aos 65 anos. Era integrante do Alto Comando do Exército, que inclui apenas os 14 oficiais de quatro estrelas (os generais-de-Exército, último grau da hierarquia) da ativa. Encerrou a carreia encostado no gabinete do comandante Enzo Martins Péri.
Segundo Santa Rosa, o que diz representa o pensamento médio de “95% dos militares do Exército”. Não há pesquisas para comprovar.
(*) São repórteres do jornal Folha de S. Paulo