17 de maio de 2011

A TOGA E A FARDA: O STF E O REGIME MILITAR

Estudo da FD esclarece relações entre STF e o regime militar

Durante os cinco primeiros anos do regime militar, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu inúmeros habeas corpus a presos políticos. “Ao mesmo tempo nunca questionou a constitucionalidade dos Atos Institucionais (AI) e as outras normas jurídicas promulgadas pelo governo militar, quando poderia ter feito”, ressalta o advogado Otávio Lucas Solano Valério. Ele á autor da dissertação de mestrado A toga e a farda: o Supremo Tribunal Federal e o regime militar (1964-1969), defendida na Faculdade de Direito da USP, que analisa as teses jurídicas utilizadas pelos ministros do STF para a concessão ou não do habeas corpus.
“A literatura sobre este tema apresenta visões bem distintas do STF diante do regime militar. Para os pesquisadores da área de Ciência Política, o Judiciário, em especial a Justiça Militar, sempre foi um braço de apoio ao regime. Para os juristas, a visão é totalmente distinta: o STF sempre manteve uma postura contrária à ditadura pois concedeu inúmeros habeas corpus aos presos políticos. Nenhuma das duas visões era baseada em pesquisa empírica [análise de dados relevantes cuja fonte é o próprio STF]. Ambas foram parcialmente desmentidas nesta pesquisa”, explica o pesquisador. Valério também analisou as teses jurídicas relacionadas a outros casos judiciais envolvendo questões políticas, publicações jurídicas da época; além de textos de jornais e revistas.

Jurisprudência do STF
Após a promulgação do AI-1, que suspendeu os direitos políticos de todos os cidadãos, muitas pessoas contrárias ao regime foram presas. A partir de julho de 1964 começaram a ser julgados no STF os pedidos de habeas corpus. “Nesta fase inicial, embora com posições divergentes de alguns ministros, o Supremo não concedeu as ordens de habeas corpus pois entendeu que, como as prisões haviam sido ordenadas por autoridades militares, apenas o Superior Tribunal Militar era competente para julgar tais processos”, explica.
Porém, a partir de outubro de 1964, os ministros passaram a conceder o habeas corpus aos presos políticos. “Tanto a lei processual penal como a lei processual civil limitavam a 60 dias o prazo de prisão sem julgamento. Como em muitos casos este período já tinha sido ultrapassado, os ministros entenderam que havia ilegalidade na permanência destas pessoas na prisão e começaram a conceder habeas corpus”, explica o pesquisador. Os presos eram soltos, e o processo continuava correndo, mas pela Justiça Militar.
Já em março de 1965, os ministros entenderam que a Justiça Militar era incompetente para julgar os habeas corpus pedidos pelos presos políticos. Valério cita que, segundo um entendimento antigo do STF, anterior ao golpe, a Justiça Militar somente era competente para julgar civis em caso de guerra externa, o que não estava ocorrendo. Dessa forma, o Supremo não apenas passou a conceder os habeas corpus como retirou da alçada da Justiça Militar o julgamento dos presos políticos.

Pressões da Linha Dura
Valério conta que desde os primeiros dias do golpe já havia uma forte pressão para a cassação de alguns ministros do STF: aqueles indicados pelos presidentes Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964). De acordo com o pesquisador, a maioria dos 11 ministros da época eram favoráveis ao regime militar, mesmo tendo sido escolhidos pelos presidentes anteriores. Apesar de apoiarem o novo regime, eram obrigados a votar de acordo com a legislação em vigor, que ainda não havia sido modificada pelos militares.
Diante da pressão da linha dura, o presidente Castelo Branco (1964-1967) interveio no STF e, por meio do AI-2, de 27 de outubro de 1965, aumentou o número de ministros de 11 para 16 e determinou que os crimes políticos deveriam ser julgados apenas pela Justiça Militar. “Em vez de nomear magistrados, o presidente escolheu políticos bacharéis em direito ligados a União Democrática Nacional (UDN) [partido governista], na intenção de ter a maioria nas votações”, conta. Mas a estratégia não surtiu efeitos, já que os novos integrantes do Supremo acompanharam o voto dos outros ministros: embora a competência fosse da Justiça Militar, havia flagrante ilegalidade na prisão por mais de 60 dias sem julgamento, dispositivo legal que não foi alterado pelo AI-2.

AI-5
Em 1968, com a promulgação do AI-5, ficou proibida a concessão de habeas corpus aos presos políticos, além da mudança radical da jurisprudência do STF: nenhum pedido de soltura feito por presos políticos foi concedido pelo Supremo até o final do ano de 1969 (marco final da pesquisa). “Com o AI-5, houve pela primeira vez a intervenção direta na composição do Supremo: três ministros, nomeados nos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, tiveram seus direitos cassados; o ministro-presidente renunciou em solidariedade e outro se aposentou”, conta Valério.
“Após a saída desses cinco membros, o governo não nomeou novos magistrados para os cargos. O Supremo voltou a ser composto por apenas 11 membros, uma vez que, entre aposentadorias, cassações e renúncias, apenas um dos ministros que estavam no STF, em abril de 1964, ainda fazia parte do tribunal no início do ano judiciário de 1969”, explica.
Segundo o pesquisador, a pesquisa revelou ainda que os atritos entre o Supremo e o Executivo militar não envolveu decisões judiciais emanadas pelo tribunal contra o interesse dos militares em outras esferas, como área tributária, funcionalismo público ou legislação relacionada às reformas econômicas. O estudo foi apresentado na FD em 2010 sob a orientação do professor José Reinaldo de Lima Lopes.
AGÊNCIA USP, via O Repórter