16 de novembro de 2011

HAITI: COMO VIVEM OS MILITARES BRASILEIROS

"A paz queremos com fervor"

Fred Carvalho - Enviado especial
O suco de uva é norte-americano; a geleia de morango veio da Bélgica; os iogurtes da Alemanha; a água é haitiana e foi purificada pela ONU; os bolinhos de milho, os biscoitos e a Coca-Cola também são do Haiti. Não consegui identificar a procedência das maçãs e das peras. Tudo isso estava no frigobar do contêiner onde fiquei hospedado aqui em Porto Príncipe. Para completar a mistura de países, no banheiro há papel higiênico de El Salvador, sabonete líquido chinês e toalha paquistanesa. A Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) procura acomodar da melhor forma possível os mais de 8.500 militares de 15 países que a integram. O maior contingente é brasileiro, com exatos 2.165 homens e mulheres designados para passar, em média, seis meses no Haiti.
Fred Carvalho
Brasileiros comandam a força de paz criada pela Organização das Nações Unidas para por ordem no Haiti, país marcado por tragédias, corrupção e disputas políticas

Boulevard 15 Oct - Camp Charlie, Porto Príncipe. É nesse endereço que ficam os quatro batalhões que integram a Base Militar Brasileira no Haiti: Companhia de Engenharia de Força de Paz - Haiti (BRAENGCOY), Batalhão de Infantaria do Brasil 1 e 2 (BRABATT 1 E BRABATT 2), e o Batalhão de Fuzileiros do Brasil (BRAMAR). Durante uma semana, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE ficou hospedada na Casa Azul-turquesa, uma espécie de hotel de trânsito instalado no BRAENGCOY, formado por seis contêineres.
Cada contêiner, além da mistura de produtos de vários países relatada no começo do texto, possui dois beliches, banheiro, aparelho de TV, ar-condicionado, uma cadeira e uma pequena mesa. Não é muito espaçoso, mas nem de longe é capaz de provoca uma crise claustrofóbica.
Come-se muito e bem na base. O café-da-manhã é servido das 6h às 7h. O almoço, entre 12h e 13h. O jantar sai às 18h e acaba às 19h. O cardápio é variado e escolhido para agradar o paladar brasileiro. "A ONU disponibiliza uma lista grande com vários produtos que ela pode fornecer. Cada batalhão preenche as opções que deseja e esse mantimento é entregue, ficando acondicionado aqui. Depois fica a cargo da equipe do rancho organizar o cardápio", explicou a tenente Sofia Salles, oficial de Comunicação Social da BRAENGCOY.
Cada militar de cada batalhão tem suas missões específicas, que devem ser cumpridas no horário. Caso contrário, a falta é anotada. Dependendo da falta ou em uma possível reincidência, o militar é punido com o desligamento da missão e volta para o Brasil. Para matar a saudade da família, há dois caminhos: ou via telefone, que acaba saindo caro, ou via internet, que é gratuito. Outra possibilidade é o aproveitar o "leave" ou o "rest", as folgas estabelecidas por rodízio. Em seis meses, cada um tem direito a um mês de folga. Os leaves são mais prolongados, tendo em média duas semanas. Os rests duram de 5 a 6 dias, em média. O descanso é obrigatório. O militar, caso queira, pode ficar na base, mas não pode deixá-la. "Isso é para nos forçar a espairecer um pouco, esquecer das cenas que vemos por aqui", explicou o major Marcus Lopes, subcomandante da BRAENGCOY.
Fred Carvalho
Missão no Haiti é um grande aprendizado para os militares

Os que não querem aproveitar o leave ou o rest para rever a família, na maioria das vezes, vão para Miami, que fica perto e a passagem de avião é barata. Outros preferem países caribenhos ou até mesmo a Europa. Poucos, talvez para economizar dinheiro, ficam na base.
Aos sábados, é montada uma feirinha de artesanato de uma associação de haitianos na base brasileira. Bebida alcoólica só é permitida entre o sábado à noite e o meio dia de domingo.
Nos domingos, os que não estão de serviço têm a opção de jogar futebol na quadra ou ir à academia existentes na base. Alguns também podem ir à praia, mas como não há praias públicas em Porto príncipe, é preciso desembolsar 20 dólares. Outros aproveitam a folga para arrumar os contêineres ou lavar roupa nas máquinas disponibilizadas.
Participar da missão é financeiramente interessante aos militares. Além do salário normal pago pela sua respectiva Força Armada, eles têm direito a um outro, pago pela ONU, que se equivale ao primeiro. Esse salário benefício da ONU é pago em dólar e obedece a uma escala internacional definida por patentes.
Boa comida, boa acomodação, boa remuneração. Mas nada disso chega perto da missão de ajudar uma nação irmã a se reorganizar e voltar a crescer. E mais importante ainda, como diz um trecho da canção do Exército brasileiro que se aplica ao povo haitiano neste momento: "A paz queremos com fervor".