24 de dezembro de 2011

CARTA DE UM MILICO PARA O PAPAI NOEL

A coisa tá feia, Papai Noel! A pindaíba só não é maior do que a indiferença dos comandantes.

Ricardo Montedo
Oi, Papai Noel, muito trabalho? Nesta época, só pode, né? Afinal, há muito tempo o Aniversariante foi esquecido e o senhor virou o astro do Natal. Sim, sei que o senhor também não gosta disso, afinal, ter que voar de trenó por um gigantesco país tropical vestindo esse capotão não deve ser nada fácil.
Mas deixa pra lá, Papai Noel, meu assunto é outro. Como o senhor sabe, sou militar, mas não daqueles cheios de estrelas, galões, medalhas e adicionais no soldo, mas dos outros – a grande maioria – que fazem seu duro trabalho pelos quartéis do Brasil.
Em qualquer cafundó em que o senhor chegar, Papai Noel, encontrará um milico. Servindo, cuidando, vigiando, protegendo a nossa Pátria Amada, Brasil!
Ultimamente, viramos agentes de saúde, guardas de trânsito, policiais militares, garis, até cemitérios já limpamos, Papai Noel!
Tá, vou parar de encher o saco (ops!) do senhor e ir direto ao assunto.
É o seguinte: Papai Noel, os milicos aqui do andar debaixo não aguentam mais! Está cada dia mais difícil dedicarmo-nos “inteiramente ao serviço da Pátria”, como todos juramos. A coisa tá feia, Papai Noel! A pindaíba só não é maior do que a indiferença dos comandantes.
O senhor tinha que vê-los brindando com a Dilma, felizes como se a tropa que eles comandam brindasse com eles. Vendo aquele banquete pomposo, lembrei que o barbudo – não! Não o senhor, o Amorim! – proibiu comemorações de Natal nos quartéis. Será que nossos chefes lembraram-se disso naquele momento?
Duvido, Papai Noel! Há muito tempo que nós, aqui do andar debaixo, percebemos que o pessoal da cobertura não está preocupado conosco.
Eles falam em comprar submarinos nucleares, Papai Noel, enquanto a tropa come salsichas!
Eles sonham com caças caríssimos, enquanto seus taifeiros, cozinheiros e motoristas se esfalfam fazendo ‘bicos’ para aumentar os ganhos!
Eles falam em reaparelhamento, enquanto o comandante da guarda que os recebe tem o mesmo carrinho há dez anos!
Eles falam em blindados novos, Papai Noel, enquanto seus comandados, cada vez mais, têm que deixar a “dedicação exclusiva” de lado para dar uma vida digna aos seus filhos.
Não dá mais, Papai Noel! Ninguém mais aguenta!
Por isso, Bom Velhinho, eu lhe peço de presente novos Comandantes.
...
Epa! Não tão depressa, Papai Noel! Nada de ir tirando do saco dois ou três desses fabricados em série, estilo ‘made in Coréia do Norte’. Não, senhor!
Eu quero C-O-M-A-N-D-A-N-T-E-S! Assim, com maiúsculas. Que respeitem sua tropa, que saibam que por trás da farda que seus soldados vestem, existem homens e mulheres, existem cidadãos. Que merecem respeito e devem ser tratados com dignidade. Quero Comandantes que nos olhem nos olhos e dos quais possa me orgulhar, Papai Noel!
Papai Noel, sei que estou pedindo muito, mas o senhor é minha última esperança. Te vira, Velhinho! E não venha me dizer que está preocupado. Essa fala, desde que visto farda, é dos nossos chefes.
Agora, vou dormir e sonhar com meu presente. Neste Natal, não se esqueça de mim, Papai Noel!