1 de março de 2012

No Haiti pela 3ª vez, major brasileiro exalta experiência 'sem igual'

JOÃO FELLET

Ao desembarcar no Haiti pela primeira vez em 2009, o major brasileiro Custódio Apolônio Santos da Silva, então com 34 anos, se impressionou com a escuridão nas ruas da capital Porto Príncipe. "O clima era bem tenso. À noite, não havia nem comércio nas áreas mais pobres", ele lembra.
Comandante de uma tropa de 140 fuzileiros da Minustah (Missão da ONU para a Estabilização do Haiti), Santos tinha como missão conduzir operações de combate ao crime, principalmente o tráfico de drogas. A experiência foi tão rica que, em três anos, ele a repetiria outras duas vezes.
Assim como todos os cerca de 20 mil brasileiros que passaram pelo Haiti, segundo estimativa do comando militar da Minustah, Santos atuou no país caribenho por vontade própria.
Por trás de sua decisão, ele conta que estava o desafio profissional de vivenciar situações que, como militar, dificilmente experimentaria no Brasil. Também lhe atraía a possibilidade de participar de uma missão multilateral da ONU, integrada por mais de 50 países.
Já os benefícios financeiros que a experiência lhe proporcionaria não tiveram qualquer influência, diz ele. Ao servir no Haiti, um militar brasileiro pode até dobrar seus rendimentos, pagos em dólares.
Tampouco pesou a perspectiva de ter sua carreira impulsionada, embora Santos reconheça que atuar no Haiti confira prestígio a militares brasileiros. Desde 2010, quando soldados egressos do país caribenho participaram de operação em favelas cariocas, governantes têm exaltado os ganhos obtidos pelos militares na missão internacional.

Suporte às eleições
Durante a primeira estadia de Santos no Haiti, os haitianos se preparavam para ir às urnas para renovar o Senado. Temia-se que a votação desencadeasse graves conflitos sociais, dada a histórica associação entre violência e política no país caribenho. Com seus homens, Santos deu suporte à realização da eleição, marcada por grande abstenção e por alguns distúrbios, mas considerada bem-sucedida pela ONU.
Nos intervalos da missão, geralmente uma vez a cada mês, voltava ao Brasil para visitar a mulher e os dois filhos, então com 11 e 9 anos. No resto dos dias, recorria à internet para matar as saudades da família.
Missão cumprida, o major voltou ao Brasil e foi alocado num posto em Pernambuco. Até que, seis meses depois, Santos viu na televisão que o Haiti acabara de sofrer um violento terremoto.
Nos dias seguintes, em meio às notícias de que centenas de milhares de pessoas tinham sido mortas e de que Porto Príncipe fora arrasada pelo tremor, ele soube que o Exército estava recrutando emergencialmente um novo contingente para enviar ao país. "Precisavam de gente com experiência, e eu me candidatei".
Desta vez, o choque ao desembarcar em Porto Príncipe e topar com uma cidade em ruínas foi ainda maior. "Foi bem impactante, era um cenário de destruição total".
Outra vez no comando de uma companhia de fuzileiros, teve o foco de sua atuação alterado: em vez de apreender drogas, sua principal atribuição era coordenar a retirada de escombros e a entrega de ajuda humanitária às vítimas do terremoto. A execução da última tarefa foi facilitada, diz ele, pela experiência que tivera no Exército com a distribuição de água e alimentos no Nordeste.

Planejamento de operações
A missão durou seis meses, dois a menos que a anterior. Então Santos regressou ao Brasil, onde permaneceu por um ano, quando teve nova chance de voltar ao Haiti, agora para atuar em posição mais elevada, no planejamento das operações brasileiras. Está no país desde agosto de 2011 e deve regressar em março.
Questionado se não teme ter destino semelhante ao do personagem principal do filme Guerra ao Terror (um militar americano que, após servir num esquadrão antibombas no Iraque, não consegue se readaptar à vida familiar e retorna para a guerra, como se viciado pelo front), Santos afirma que as missões não podem ser comparadas, uma vez que no Haiti jamais enfrentou situações de combate. Hoje, aliás, conta que dificilmente participa de atividades nas ruas.
No planejamento da operação brasileira, ele diz aplicar os conhecimentos obtidos nas duas operações anteriores. As missões prévias também lhe renderam valiosos ensinamentos linguísticos: além de se tornar fluente em francês, Santos aprendeu crioulo, a língua mais falada no Haiti.
Ao fazer um balanço das três missões, diz que lhe proporcionaram "uma experiência sem igual". Com seu retorno próximo, agora pretende passar mais tempo com a família, que há dois anos ganhou outro integrante, com o nascimento de seu terceiro filho. Ainda assim, não descarta voltar para uma quarta missão. "Mais para frente, avaliaremos", diz, entre risos.
BBC Brasil/montedo.com