19 de abril de 2012

CHQAO: uma análise crítica

Nota do editor:
O anonimato do autor não invalida esta excelente e pertinente análise.

Após anos dedicados ao Exército Brasileiro, e diante das últimas diretrizes concretizadas pela Força através da Portaria Nº 104-EME, de 29 de agosto de 2011, a qual normatiza o Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais, resolvi romper o silêncio e fazer uma reflexão acerca do rumo da carreira dos Subtenentes e Sargentos na atualidade.
Primeiramente, evoco aqui meu direito de cidadão contido na Carta Magna em seu artigo 5º, a saber: o direito de liberdade de expressão, que é o direito de manifestar livremente opiniões, ideias e pensamentos. É um conceito basilar nas democracias modernas nas quais a censura não tem respaldo moral.
Tendo por base minha pesquisa realizada no site do Departamento Geral de Pessoal, constatei que o número de subtenentes das diversas QM que constam do almanaque 2011, é da ordem de 8.646. Isso me fez retornar aos idos dos anos 80, quando da implementação de uma nova estruturação nacional de defesa de nossas fronteiras, chamado de Projeto Calha Norte.
“O Projeto Calha Norte é um programa de desenvolvimento e defesa da Região Norte do Brasil idealizado em 1985 durante o governo Sarney, já previa a ocupação militar de uma faixa do território nacional situada ao Norte da Calha do Rio Solimões e do Rio Amazonas, subordinado ao Ministério da Defesa do Brasil, sendo implementado pelas Forças Armadas.”[1]
Áquela época, para fazer frente a nova demanda, o Exército começou a formar mais Quadros, e a formação dos sargentos se espalhou por diversas Unidades do território nacional a partir de 1986. Depois de 1990, as vagas dos Cursos de Formação de Sargentos alcançou a marca aproximada de 2000 alunos por ano. Já naquela época o prognóstico seria que este quadro resultaria num sério problema quando os novos sargentos alcançassem a graduação de subtenente. Pazmem, a profecia se concretizou e o CHQAO tem como alvo principal as turmas a partir do ano de formação de 1990.
Após esta breve contextualização histórica, passemos ao que nos interessa. A Portaria citada acima, traz no seu bojo a seguinte diretriz: 
Art. 1° Normatizar o Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais (CHQAO), que tem o objetivo de habilitar os subtenentes para ocupar cargos e desempenhar funções previstas para o Quadro Auxiliar de Oficiais (QAO), inerentes ao assessoramento nas áreas de pessoal, de finanças e de logística nas organizações militares (OM)
Chama nossa atenção o objetivo principal, qual seja “habilitar os subtenentes para ocupar cargos e  desempenhar funções previstas para o Quadro Auxiliar de Oficiais (QAO), inerentes ao assessoramento nas
áreas de pessoal, de finanças e de logística nas organizações militares (OM).” Com relação a este item, novamente buscamos no site do DGP algumas informações relevantes. Numa análise dos cadastros de cursos superiores de ST/SGT, dando ênfase somente a formações nos níveis de Bacharel em Direito, Administração e Contabilidade, verificamos os seguintes números:
CURSOS CADASTRADOS
3º Sgt
2º Sgt
1º Sgt
ST
TOTAL
DIREITO
20
196
249
426
891
ADMINISTRAÇÃO
67
170
302
536
1075
CONTABILIDADE
36
91
162
234
523
SOMA
123
457
713
1196
2489
Fonte : site do DGP
Nosso levantamento focou estas três áreas, pois são as mais empregadas nas diversas OM do Exército, não obstante ao fato de que constam ainda o registros de diversas formações como: Sociologia, História,  Medicina, Fisioterapia, Odontologia, Marketing, Geografia, Engenharia, Farmácia etc, cujos militares formados sempre estão tendo seus conhecimentos aproveitados cotidianamente. Outro fato a ser destacado são os registros e cadastros nos diversos níveis acadêmicos. Não raro encontramos St/Sgt com titulação de Especialistas, mestres e até doutores, não contabilizados aqui por fugirem ao nosso objetivo.
Diante destes números, que não expressam a realidade absoluta, pois vários militares não cadastram seus cursos por falta de incentivo, como entender que o objetivo do CHQAO seja capacitar os Sub Ten nas áreas de controle de “pessoal, de finanças e de logística”, sendo que é fato sabido e notório que nas OM/OMS/Diretorias etc os St/Sgt têm seus capitais intelectuais aproveitados pela Instituição nas suas diversas Seções, como S/1, Secretarias, Assessorias Jurídicas, Tesourarias, SALC etc. Cabe por dever de justiça ressaltar que esta capacitação individual foi conseguida fora dos horários de expediêntes, com recursos próprios e em detrimento das relações familiares e sem o incentivo da Força.
Como entender que o Exército, que busca rotineiramente implantar um sistema de modernização tanto nas áreas operacional quanto administrativa, mantem ainda uma postura conservadora de não reconhecer, ainda que faça uso, os cursos superiores declarados pelos Sub Ten e Sgt, cursos estes reconhecidos pelo MEC e valorizados nas demais instancias da esfera pública, como por exemplo a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Receita Federal, a Advocacia Geral da União etc.
Ao contrário, o Exército desdenha destes cursos ao determinar que realizemos um curso que irá proporcionar aquele seleto grupo que for aprovado, a “titulação” de Curso Superior de Tecnologia em Gestão e Logística. [2]
As turmas chamadas a prestar o processo seletivo para 2012, conforme a Portaria Nº 105-EME, de 29 de agosto de 2011, são as de 1990, 1991, 1992 e 1993, para concorrem a pouco mais de 700 vagas para ingresso no curso em 2013. Levando-se em consideração que após as turmas de 90, a formação dava-se a um número de aproximadamente 2000/ano, e já considerando um percentual alto de uns 1000 licenciamentos neste período, creio que teremos ressalvadas as devidas proporções, aproximadamente 10 candidatos/vagas, concorrência significativa se levarmos em conta que nem todos os companheiros estão em dia com seus estudos, por diversos motivos como, por exemplo, falta de incentivo durante a trajetória profissional; por servirem em localidades onde não havia possibilidade de estudo; por dificuldades financeiras e problemas de toda ordem. Esta concorrência seria no mínimo desleal, haja vista colocar em igualdade de condições profissionais que tiveram oport unidades e perspectivas diferentes ante as especificidades das diversas QMS.
Como a portaria afirma que as promoções a partir de 2017 já terão como requisito a conclusão do  CHQAO, e que a mesma não faz referência a quantas vezes aqueles que forem reprovados e/ou não classificados dentro do número de vagas estipulados poderão ou não realizar novos concursos, e como a cada novo concurso serão agregadas novas turmas - o que aumenta a concorrência - ficam as perguntas? O que será daqueles que não forem aprovados no concurso de admissão?
Porque um assunto tão complexo e importante como este é tratado de forma fria, através de uma portaria, e porque não nos dão nenhuma posição com relação a estas mudanças? Cadê a consideração com os
profissionais que são a base da Instituição, outrora chamados de “Elo fundamental entre o Comando e a tropa”?
A guisa de conclusão vejo o CHQAO como uma forma covarde utilizada para resolver um problema estrutural criado na década de 90. Numa visão tão pessimista quanto realista, acho que o CHQAO é uma primeira etapa de um processo de extinção do QAO. Podemos chamá-lo de PDC, ou seja: Plano de Demissão Compulsória, pois visa a estimular aqueles que não vencerem as novas barreiras impostas para as promoções a partir de 2017, a uma única opção, qual seja: a reserva.
Se não podemos participar dos processos decisórios acerca dos rumos inerentes ao futuro de nossa profissão, podemos, ao menos, suscitar um debate e demonstrar que não estamos alheios aos acontecimentos:
“Isto tudo acontecendo e eu aqui na praça, dando milho aos pombos”.
(Música de Zé Geraldo – Dando Milho Aos Pombos)
(Texto apócrifo, por motivos óbvios)

[1] Fonte: Projeto Calha Norte. Wikipédia, acesso em 28 Out 2011.
[2] A Portaria não deixa claro se o curso vai ser regulamentado/autorizado/reconhecido pelo MEC; caso contrário não terá validade fora da caserna.
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