27 de setembro de 2012

Etíope que lutou com EUA lembra capítulo da Guerra da Coreia

Esta é a história pouco conhecida de um oficial etíope condecorado pelos Estados Unidos por sua imensa bravura. Ela se passou há 60 anos, quando a Etiópia entrou em guerra. Não na África, mas do outro lado do mundo, na Coreia.
Mamo Habtewold
Em 1951, o imperador etíope, Haile Selassie, decidiu enviar milhares de soldados para integrar as forças da ONU que, lideradas pelos Estados Unidos, lutavam ao lado da Coreia do Sul contra os comunistas norte-coreanos e aliada China.
Os chamados batalhões Kagnew pertenciam ao corpo dos Guarda-Costas Imperiais --a tropa de elite da Etiópia.
O capitão Mamo Habtewold, hoje com 81 anos de idade, era na época um jovem tenente do Terceiro Batalhão Kagnew.
Em entrevista à BBC, ele disse que se lembra com clareza do dia em que deixou a Etiópia para ir lutar no outro lado do mundo. O próprio imperador veio se despedir das tropas.
"Quando um batalhão partia para a Coreia, ele sempre vinha pessoalmente, fazia um discurso e dava a cada batalhão uma bandeira", contou. "Ele determinou que trouxéssemos a bandeira de volta".

INDEPENDÊNCIA
Quando a Etiópia foi invadida pela Itália, em 1935, Haile Selassie havia condenado a Liga das Nações por sua não intervenção no conflito. Anos mais tarde, como aliado fiel dos Estados Unidos, o imperador quis dar um exemplo.
"Nosso rei, Haile Selassie, era um grande defensor do princípio da segurança coletiva. E quando a ONU pediu a ele (que enviasse) tropas para a Coreia, ele aceitou sem questionar", explicou Mamo.
O próprio Mamo estava 'louco para ir', especialmente após o retorno, em 1953, do primeiro batalhão etíope enviado à Coreia.
"Todos voltaram da Coreia se gabando, então, todo mundo queria lutar".
Os etíopes lutaram como parte da 7ª Divisão dos Estados Unidos. O Exército americano havia, muito recentemente, eliminado a segregação racial entre as tropas.
Mas, para Mamo, segregação racial não era um problema: "A Etiópia tem uma história de três mil anos como país independente. Nós etíopes éramos orgulhosos e nos gabávamos de ser etíopes. Não nos importávamos com essa questão de cor. Os americanos não nos chamavam de negros porque ficaríamos com raiva". (O uso do termo negro, tradução literal de nigger, em referência à raça negra é considerado ofensivo em países de língua inglesa.)
E Mamo tem orgulho da participação da Etiópia na Guerra da Coreia.
"Éramos os melhores combatentes. Os três batalhões etíopes lutaram em 253 batalhas e nenhum soldado etíope foi feito prisioneiro na Guerra da Coreia", contou.
"Esse era o mote etíope: Nunca seja capturado no campo de batalha".
O mote dos soldados africanos seria colocado a duras provas.

CERCADOS
Em 1953, enquanto as negociações de paz se arrastavam, ambas as facções tentavam fortalecer sua posição nas negociações ao brigar pelo controle de uma área árida e montanhosa situada logo após um dos trechos ocupados pela ONU.
A 7ª Divisão americana, que incluía o batalhão Kagnew, foi encarregada de defender uma dessas montanhas, apelidada de Pork Chop Hill.
Uma noite, em maio de 1953, Mamo liderava uma pequena patrulha que desceu do topo da montanha para inspecionar as terras abaixo. Ele não suspeitava de que sua patrulha estava prestes a ser alvo de uma grande ofensiva chinesa.
"Éramos 14 etíopes e um americano na nossa patrulha. Mais tarde, foi escrito que lutamos contra 300 soldados chineses --um homem contra 20".
Quatro integrantes da patrulha foram mortos, incluindo o americano. Todos os outros foram feridos.
"Eles tentaram levar meu operador de rádio como prisioneiro, mas eu matei o soldado chinês e salvei aquele homem. Uma hora, vieram acabar conosco quando estávamos todos feridos, eu tinha uma granada e os matei. Foi muito duro".
A luta continuou, com interrupções, durante toda a noite. Isolado, com seus homens feridos, Mamo sabia que não conseguiriam aguentar por muito mais tempo.
"Fui ferido várias vezes, estava cansado, exausto, e perdi a consciência duas vezes. A coisa mais importante era encontrar um rádio para contactar a artilharia americana. Mas meus três rádios tinham sido destruídos."
"Eu dei minha pistola a um soldado para que ele me desse cobertura enquanto eu procurava por um rádio. Desmaiei de novo e tive medo de ser capturado. Queria me matar. Mas quando ordenei ao soldado que devolvesse minha pistola, ele se recusou."
"Não dê (a pistola) a ele", os outros soldados disseram.
Então, Mamo decidiu continuar a lutar.
"Procurei por uma arma de um dos homens mortos e, quando os chineses atacavam, eu atirava. Quando as coisas se aquietavam, eu procurava um rádio", contou.
Ele acabou encontrando um rádio. Chamou a artilharia americana, que pôs fim à ofensiva chinesa. Reforços foram enviados e, sob uma cobertura de fumaça, seus homens feridos foram resgatados.
De volta à base, Mamo era o único da patrulha ainda em pé.
"Todos foram para o hospital. Eu fui o único a retornar para o alojamento. É como um homem que está vivendo com sua família e, de repente, a família inteira está morta e ele retorna para uma casa vazia - foi assim que me senti. Senti tanto por eles, fiquei muito deprimido".
Por seus atos, Mamo recebeu a mais elevada honraria militar existente na Etiópia. E os americanos lhe deram uma Estrela de Prata por sua bravura em combate.
Tropas americanas durante a Guerra da Coréia
Mais de três mil etíopes lutaram na Guerra da Coreia, mais de 120 foram mortos, mais de 500 foram feridos. Os sobreviventes retornaram a Addis Abeba, capital do país, como heróis.
"Foi realmente um grande dia. Especialmente, quando voltamos da Coreia, trouxemos nossos soldados mortos. Addis Abeba estava lotada de gente. Metade chorava, metade celebrava", Mamo contou.
Depois da guerra, Mamo foi promovido a capitão. Ele foi forçado a deixar o Exército em 1960, no período que sucedeu uma tentativa de golpe por membros do corpo dos Guarda-Costas Imperiais.
Ele acabou fazendo carreira como homem de negócios e administrador.
Neste ano, o governo da Coreia do Sul anunciou que daria aposentadoria aos veteranos etíopes sobreviventes da Guerra na Coreia. Mamo ainda espera retornar à Coreia do Sul uma última vez e visitar o lugar onde se tornou um herói de guerra etíope.