13 de novembro de 2012

Intrigas, lobby e sabotagem: uma matéria da Isto É e outra nota da FAB

O assunto é do final de setembro, mas vale a publicação. Obrigado ao leitor que deu a dica.

Intrigas, lobby e sabotagem
Jogo de interesses na Polícia Federal e na FAB coloca em risco projeto de aeronave responsável pela vigilância de fronteiras, que já consumiu R$ 80 milhões

Claudio Dantas Sequeira
Chamada.jpgHá duas semanas, ISTOÉ trouxe à tona um episódio inconveniente para a cúpula da Polícia Federal. Seu avião não tripulado de última geração, comprado há dois anos para vigiar as fronteiras, sofreu uma avaria e corre o risco de não voar mais. A partir daí o órgão passou a divulgar a informação, até então mantida em sigilo, de que a aeronave estaria parada pela simples ausência de um contrato de manutenção, que não fora previsto no pacote original firmado pela gestão anterior. Admitir o erro foi a saída para não expor as fragilidades que cercam o programa, no qual já foram investidos R$ 80 milhões. Arquivos confidenciais e relatos obtidos pela reportagem indicam que o projeto de veículo aéreo não tripulado (Vant) corre riscos por causa da suposta conivência da atual cúpula da PF com interesses do comando da Aeronáutica, que estaria ligado ao lobby de uma fornecedora de Vants concorrente.
5.jpgPara entender esse imbróglio é preciso voltar a 2008, quando o governo lançou a Estratégia Nacional de Defesa. O plano previa o uso de Vants na vigilância das fronteiras da Amazônia e no combate ao narcotráfico. Criado um grupo de trabalho para estudar a aquisição do equipamento, a PF selecionou modelos de três países diferentes, EUA, Alemanha e Israel. Optou-se pela compra do Heron I, considerado o mais avançado dos Vants, da empresa IAI (Israel Aerospace Industry).

FAVORECIMENTO

3.jpg
FAVORECIMENTO
Documentos revelam que a empresa que produziu o avião 
adquirido pela FAB tinha como diretor um coronel que
seria concunhado do comandante da Aeronáutica
De outro lado, a FAB preferiu lançar um processo de compra independente e optou por uma aeronave mais barata, o Hermes-450, adquirido da Aeroeletrônica (AEL), uma subsidiária da também israelense Elbit. É nesse ponto que os problemas começam a surgir. Durante todo o processo, o comando da Aeronáutica trabalhou para minar a compra da PF. Disseminou que o Vant não poderia voar sem uma doutrina de emprego e autorização expressa da FAB. O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, foi colocado sob suspeita de ter interesses pessoais no caso. A PF produziu um relatório de inteligência, enviado ao Palácio do Planalto, acusando Saito de beneficiar escancaradamente a AEL/Elbit em contratos com a Força Aérea. O documento confidencial cita a contratação do coronel reformado Luiz Guimarães Pondé, concunhado de Saito, para o ­cargo de diretor de relações institucionais da empresa. Questionado por ISTOÉ, o brigadeiro respondeu que a aquisição se deu por “critérios técnicos” e que não houve “qualquer interferência de cunho pessoal”.
Até 2011, a FAB e a Polícia Federal estavam em lados opostos na briga dos Vants. Mas a atual cúpula da PF passou a trabalhar contra o seu próprio projeto. Era tudo o que a FAB queria. Essa mudança de postura ocorreu em razão de uma briga de poder dentro da própria polícia. Integrantes da PF que, durante o governo passado, tinham interesse em assumir o controle do programa do Vant, mas não conseguiram, passaram a boicotá-lo quando assumiram o poder a partir da nomeação do atual diretor-geral da PF, Leandro Daiello. No ano passado, esse grupo fez uma denúncia sobre supostas irregularidades no projeto ao TCU. Um dos autores da denúncia com e-mails e ofícios internos obtidos por ISTOÉ é o ex-comandante da Coordenação de Aviação Operacional da PF coronel Rubens Maleiner. Antes mesmo da conclusão da análise do tribunal, esse grupo, que hoje ascendeu ao poder na PF, resolveu parar todos os processos de aquisição do programa Vant.
IEpag54e55_Vant-2.jpgAs consequências começam a ser conhecidas agora. Deixaram de ser comprados os pacotes de manutenção e o link de satélite, sem o qual a aeronave não pode ser utilizada em sua capacidade máxima. Também foi suspensa a compra de cinco galpões em São Miguel do Iguaçu. Sem as instalações, o Vant, que estava num hangar antigo, precisou ser transferido depois que uma tempestade danificou a estrutura do local. Sem alternativa, agentes da PF tentaram colocar o avião num galpão menor. Em junho, providenciou-se uma gambiarra, com trilhos e cabos de aço. O improviso não deu certo. A ponta da asa direita da aeronave bateu no portão, o que causou avarias na fuselagem e numa lanterna. Desde então, por recomendação da IAI, o avião não pode decolar até que se faça uma avaliação de dano estrutural na asa. ISTOÉ questionou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre as denúncias e o futuro do programa, mas ele se recusou a responder.
IstoÉ/montedo.com

A nota da FAB, contestando a reportagem:

Nota Oficial - Esclarecimentos sobre reportagem da revista ISTOÉ (Ed.2238)O Comando da Aeronáutica repudia veementemente as inverdades, especulações e deturpações publicadas pela Revista ISTOÉ na reportagem "Intrigas, lobby e sabotagem", de autoria do jornalista Claudio Dantas Sequeira. A reportagem parte de informações parciais para sugerir fatos que não correspondem à realidade e assim promover um mau jornalismo, sem compromisso com a ética ou com os leitores.
A reportagem afirma que a Força Aérea Brasileira (FAB) favorece “escancaradamente” a empresa Aeroeletrônica, no entanto, deixa de informar, por exemplo, que em 2011 esta companhia perdeu o contrato para o fornecimento da aviônica do avião KC-390.
O curioso é que esta informação foi repassada ao jornalista no dia 21 de setembro, mas, lamentavelmente, o profissional preferiu ignorar a informação e oferecer ao público da revista ISTOÉ uma generalização sem embasamento.
A aquisição do Hermes 450, designados RQ-450 na FAB, aconteceu após uma análise técnica que teve como objetivo escolher um modelo que pudesse cumprir as missões atuais e também fornecesse a tecnologia necessária para que futuramente seja desenvolvido um VANT nacional. A empresa IAI também participou desse processo de seleção com um modelo diferente do Heron 1 (modelo adquirido pela Polícia Federal citado na reportagem).
Vale lembrar que os contratos da Força Aérea Brasileira são assinados a partir de critérios técnicos, logísticos, industriais e de transferência de tecnologia (offset). Também passam por fiscalização e estão, todos, à disposição dos órgãos de controle. Não há qualquer parecer negativo sobre esse processo de aquisição de VANT para a FAB, assinado em 2010 e publicado no Diário Oficial da União.
A escolha pelo Hermes 450 ocorreu devido ao entendimento de que aquela plataforma atende aos requisitos atuais da FAB. Inclusive, o modelo é empregado com sucesso por outras Forças Armadas ao redor do mundo, entre elas o exército do Reino Unido.
Cada Força Armada ou órgão de segurança pública, no entanto, tem seus próprios critérios e adquire seus produtos de acordo com suas necessidades específicas. É natural que requisitos diferentes cheguem a soluções diferentes. O mesmo ocorre, por exemplo, com a frota de helicópteros: FAB e PF operam modelos distintos por terem necessidades distintas.
Essas informações também foram repassadas previamente para o jornalista, que preferiu omití-las para o público leitor da revista ISTOÉ. O profissional preferiu dizer que o Comando da Aeronáutica "trabalhou para minar a compra da PF" de forma leviana, sem apresentar provas para uma afirmação tão grave.
Já a presença de militares da reserva em empresas que atuam na área de defesa no Brasil e no exterior é uma situação comum, até pela experiência e conhecimento que esses profissionais têm no assunto, o que não significa haver interferências de cunho pessoal.
A reportagem informa ainda que o Comando da Aeronáutica “disseminou que o Vant não poderia voar sem uma doutrina de emprego e autorização expressa da FAB”. O jornalista sugere que o objetivo seria impedir os voos de VANT da Polícia Federal quando, na realidade, o Comando da Aeronáutica, por ser responsável pela segurança do espaço aéreo brasileiro, precisou estabelecer regras para assegurar que os voos desses veículos aéreos não tripulados não oferecessem riscos aos milhões de passageiros que utilizam o transporte aéreo no país e a população das cidades sobrevoadas. Dessa forma, foi estabelecido que todos os voos de VANT precisam ocorrer em áreas previamente reservadas.
Esta regra, inclusive, não foi uma criação do Comando da Aeronáutica, e sim uma recomendação da Organização da Aviação Civil Internacional. No Brasil, ela é válida não apenas para a Polícia Federal, e sim para toda organização que opere Veículos Aéreos Não Tripulados no espaço aéreo brasileiro, inclusive os Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O documento sobre o tema é a Circular de Informação Aeronáutica (AIC-N 21), emitida pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) em 23 de setembro de 2010 e disponível no site do DECEA.
Neste caso, o jornalista poderia oferecer ao leitor da ISTOÉ as informações completas, mas preferiu não enviar uma  pergunta sobre esse tema específico e assim acabou cometendo mais um erro. O bom jornalismo ensina a questionar a instituição antes de tecer uma crítica, o que não foi feito. A informação precisa e correta, tão importante para o jornalismo de qualidade, mais uma vez foi deixada de lado.
Por fim, o Comando da Aeronáutica tem como missão a garantia da soberania e da defesa do Brasil, o que requer uma ação integrada, planejada e coordenada entre as Forças Armadas e os órgãos de segurança pública. É esse o principal interesse do Comando da Aeronáutica, que, em nenhum momento, trabalha contra ou põe em risco qualquer projeto da Polícia Federal. Ao contrário, o Comando da Aeronáutica colabora para que a Polícia Federal consiga cumprir sua missão institucional da melhor forma possível. A cooperação entre as duas instituições está acima de qualquer interesse e não será abalada por insinuações e manipulações de um falso jornalismo mais preocupado em criar polêmicas que oferecer aos leitores uma visão verdadeira dos fatos. Veja aqui matéria recente da Agência Força Aérea sobre o emprego dos VANTs da FAB na vigilância das fronteiras.
Brasília, 30 de setembro de 2012.
Brigadeiro-do-Ar Marcelo Kanitz Damasceno
Chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica
Veja abaixo a íntegra das informações passadas ao jornalista antes da publicação da reportagem: