22 de agosto de 2013

FORÇAS ARMADAS: Depoimentos dramáticos de militares mostram as razões de frustração com a carreira

Aos leitores do blog:
Antes que algum incauto tire conclusões precipitadas, esclareço que o comentário do Tenente Coronel João Roberto Albim Gobert Damasceno foi removido pelo próprio. Confira:
"Prezado Montedo, parabéns pelo blog. Deletei meus comentários pelo simples fato de que a polarização aqui ocorrida demonstra que qualquer contraponto às reclamações, frustrações e críticas aqui expressas sob o manto do anonimato, desperta o que de pior há na natureza humana, quais sejam a raiva e as agressões gratuitas."
De minha parte, agradeço sua participação, que ajudou a enriquecer o debate. Volte sempre.
Quartel-General do Exército, em Brasília (Foto: Arquivo do Exército)
Ricardo Setti
Teve grande repercussão Post do Leitor com texto do coronel reformado do Exército Marco Antonio Esteves Balbi apontando as possíveis razões pelas quais centenas de oficiais pedem demissão das Forças Armadas anualmente: em três dias, mais de 40 mil acessos — e as visitas ao post continuam.
O post provocou também muitos comentários de militares ou ex-militares das três Armas e de diferentes graduações, explicitando, na maior parte, as razões de seu desencanto com a carreira militar.
Acho que o blog presta um serviço aos responsáveis ao registrar aqui algumas das opiniões, não raro dramáticas ou muito críticas, desses integrantes ou ex-integrantes das Forças Armadas. Opiniões como essas deveriam, no mínimo, provocar reflexões do Ministério da Defesa, dos comandantes militares e do governo.
Não identifiquei os autores por razões óbvias.
Leia também:

Confiram:
De um engenheiro militar
“Sou engenheiro militar, formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME).
Atualmente, mais de 50% da minha turma já saiu do Exército, e outros tantos estudam para concurso público. O salário, abaixo das expectativas e muito aquém daqueles percebidos por peritos da Polícia Federal, engenheiros do Senado, fiscais do dos tribunais de contas municipais, do Tribunal de Contas da União, fiscais de impostos etc, faz com que o engenheiro militar (que é um camarada inteligente) pense em sair.
Aliado a isso estão a falta de recursos para pesquisa e desenvolvimento, o sucateamento dos materiais, a burocracia exagerada (engessamento pela Lei nº 8.666, de 1993), a falta de visão de futuro por parte do alto escalão (falta de uma política de continuidade das pesquisas e do orçamento) e a estruturação da carreira.
Inconcebível [para as Forças Armadas] achar que vão conseguir permanecer com engenheiros de alto nível (formados pelo IME ou pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica, ITA) pagando 5.500 reais (líquidos) por mês, com dedicação exclusiva (sem poder trabalhar em outra coisa), sem horários (regime integral), tirando serviço de 32 horas (24h + 8h de expediente), fazendo mudança com sua família a cada 3 anos, sem incentivo para fazer um mestrado ou doutorado (mestrado bruto sobre salario – 8% e doutorado – 5%).
Nem ao menos os direitos trabalhistas concebidos pela CLT nos são aplicados (FGTS, hora extra, etc…).
Vivemos no século XXI — mas com condições de trabalho, rituais e mentalidade praticados no século XIX. A única coisa que evoluiu foi o desprestígio”.

Do militar que não identifica Arma e posto Eder
“Acredito que vai melhorar!! É notável a desvalorização social e a inferioridade salarial dos militares em relação ao funcionalismo público federal, do qual fazemos parte.
É duro saber tal realidade e conviver com ela.
Tiraram quase tudo de nós: licença-prêmio, posto acima após ida para reserva remunerada, etc etc…
Mas vai melhorar”.

Do ex-capitão do Exército Kleber
“Passei em concurso para auditor fiscal do trabalho em 2007 e deixei o Exército no posto de capitão. Meu subsídio atualmente é de 20 mil, bem superior ao de major, posto que estaria ocupando atualmente.
Deixei o Exército pensando em ganhar mais, mas depois percebi que deveria ter saído antes, mesmo que para ganhar menos”.
“Passei quase 10 anos da minha vida dentro das Forças Armadas, na maior parte do tempo, sob o julgo de pessoas despreparadas, autoritárias e sem muito comprometimento.

Do sargento da Marinha S. M.
“Não somos valorizados, somos menosprezados e desprezados, mas quando a polícia não dá conta…. ‘Chamem os militares’.
Quando há tragédias…
‘Chamem os militares’.
Epidemia de dengue e outras mais… ‘Chamem os militares’.
E por aí vai!”

Do ex-marinheiro e ex-praça do Exército Leonardo
“Depois de 3 anos ‘descascando batata no porão’ na Marinha e 5 anos e meio como’soldadinho de chumbo’ no Exército, saí para a Polícia Rodoviária Federal e pude perceber quão inútil eu era para a Nação brasileira.
Inútil não por vontade própria, mas o sistema faz todos serem inúteis. Fora a disciplina e a preparação física, nada mais se aproveita na rotina do militar. As praças trabalham para satisfazer o ego do oficialato, que na maioria das vezes, utiliza-se de regulamentos desatualizados e inconstitucionais para valer sua tirania.
Enfim, depois de 5 anos olho ora trás e vejo que, se houvesse vontade, muita coisa boa poderia ser feito para resgatar o orgulho militar, mas o que vejo é apenas que o sistema continua burro e opressor”.

Do ex-suboficial da Força Aérea Brasileira Jorge
“Deixei a FAB com 23 anos de serviço – já era suboficial – e para ganhar um pouco menos no início, mas hoje ganho quase 5 vezes mais como servidor público civil.
Não saí só por causa de salário, mas por não ver nenhuma perspectiva de futuro, a não ser marchar, marchar e marchar para um monte de inúteis ficarem olhando.
Estava me sentindo como se fosse invisível, ninguém dá valor. Não me arrependi nem um pouco, e hoje tenho certeza de que não morrerei frustrado, e tudo porque parti para uma vida diferente e muito melhor.
Também não desprezo a Força, que me deu muitas alegrias no início da carreira, deixei muitos amigos lá, mas tudo tem seu tempo.
Hoje meus filhos estão bem encaminhados, a ainda bem que não escolheram seguir esse caminho”.

Do ex-soldado do Exército Helton
“Servi como soldado em 2002 no 31º Batalhão de Infantaria Motorizada (31 BIMTz) , sediado em Campina Grande (PB), fiz concurso para a Escola de Sargento de Armas (ESA) e infelizmente não passei, mas continuo a tentar: as Forças Armadas dão estabilidade.
Sei que há muito o que melhorar e que estão perdendo muita gente inteligente , mas ainda é uma das melhores carreiras”.

Do militar que não identifica Arma e posto Eustáquio
“Não passamos 24 horas por dia à disposição de organizações militares; passamos a vida toda à disposição da Nação”.

Do militar do Exército Lamarca
“O Exército infelizmente está no gelo, vejo isso pelas escalas de serviço que são penosas e sugadas!
O recruta, o soldado antigo, o cabo, seja cabo da guarda ou motorista, as missões que nos dão e tudo isso nos impede de termos uma vida familiar nos fins de semana (…).
Tudo isso ocorre por que temos poucos homens e, com poucos homens, não tem quem colocar nas escalas de serviço para ficarem largas e assim termos folgas (…).
Se o Exercito não tem gente para fazer seus próprios serviços, imagine pra uma guerra?! Quem nos salvará?”

Do sargento do Exército O. J.
“Sou sargento do Exército e estou aguardando minha nomeação para dar baixa; não é só o salário baixo, são também a mentalidade atrasada, as constantes movimentações, as falcatruas nas licitações.
Uma coisa irracional é um sargento com mais de dez anos de serviço, experiência na Amazônia, que já serviu em mais de seis Estados da federação ser subordinado a um oficial temporário, sempre ‘filhinho de papai’, que não tem conhecimento profissional, apenas é peixe de ‘alguém’ que conseguiu colocá-lo num CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva] da vida.
É humilhante ter como superior um cara que você tem que dizer a ele o que tem que ser feito e se você não o faz sempre aparece alguém para te cobrar.
É obrigação do sargento de carreira orientar o oficial temporário para que ele não cometa erros. Só no Exército isso ocorre: o subordinado ter que ensinar ao superior a trabalhar, mesmo ganhando metade do salário. O Exército inverte a lógica, o que é simplesmente imoral”.

Do ex-oficial engenheiro da FAB Leonardo
“Eu fui oficial engenheiro da FAB por 5 anos, trabalhava com manutenção de aeronaves e dificilmente via faltar dinheiro para os reparos necessários.
No entanto, o que vi bastante (e isso foi um dos motivos principais para minha saída) foi desorganização estrutural, ineficiência administrativa, falta de competência em gestão dos oficiais superiores e dos oficiais generais, aliadas a uma boa dose de excesso de ego, que os fazia tomar todo tipo de decisões arbitrárias, sem precisar dar satisfação sobre o dinheiro público gasto de maneira ineficaz.
É certo que existe um grande problema macro, porém creio também que as FFAA já tinham que ter começado a rever seus problemas internos antes de saírem jogando toda a culpa na ‘falta de apoio’ do governo”.

Do militar do Exército Mário
“Sou militar da ativa logo passarei para a reserva, se Deus permitir. Vibro muito em ser militar do EXÉRCITO, mas hoje vejo que perdi muito tempo tendo esperança de que um dia a minha carreira iria melhorar.
O resultado é que me arrependo muito de ter ficado no Exército, com uma carreira muito frustante e miserável. Olhando para tropas de outros países, são vergonhosos os nossos equipamentos, muito ultrapassados.
Do jeito que se segue é melhor fechar as portas”.

Do militar do Exército Bernardino
“Os praças sim, especialmente os sargentos do quadro especial (Sgt QE), cabos e soldados, vivem em extrema dificuldade financeira.
Além do salário ser o menor de todos, não têm nem uma ajuda adicional, como por exemplo uma transferência de sede a cada dois ou três anos, que na minha opinião deveria ocorrer, e outras coisas mais, pois é essa turma que realmente carrega a base da Força nas costas, como por exemplo; motoristas de carreta de tanques, motoristas de viaturas de todos os tipos, mecânicos, eletricistas, cozinheiro, pedreiros, pintores e ocupantes de outras funções, além do o próprio combatente de fogo”.

Do sargento da FAB Alexandre
“Sou graduado (sargento especialista) da FAB e posso assegurar que o número de baixas entre os sargentos é muito maior que a dos oficiais, por ganharem menos ainda, terem uma escala de serviço apertada e uma pouca valorização no seu plano de carreira em relação aos oficiais e mesmo aos taifeiros, que são equiparados aos sargentos, sem nenhum concurso”.

De um sargento do Exército
“Estou na ativa e tenho a plena convicção de que as Forças Armadas estão totalmente falidas. Nós, praças, sargentos e familiares a cada dia somos mais humilhados , desvalorizados e nos sentimos envergonhados de vestir essa ilusão que se chama Forças Desarmadas.
O que ainda deixa essa farsa de pé é o inconstitucional Regulamento Disciplinar que subjuga e rebaixa profissionais (pais de família) a situações desumanas”.

Do ex-militar da Marinha “Feliz da Vida”
“Saí da Marinha em 2006, na época para ganhar metade do que ganhava na Força.
Não me arrependi em nenhum momento.
Militar não tem gestão de recursos humanos, não sabe o significado de capital humano. Lá existe a Divisão de Pessoal.
Saí como segundo-tenente intendente, 2 anos depois passei em um bom concurso e hoje ganho quase o dobro dos capitães da minha turma.
Posso pagar colégio pro meu filho e vê-lo crescer…
Jovem oficial saia das Forças Armadas e vá ser feliz!”

Da militar que não identifica Arma ou posto Maria
“A falta de materiais e seus desgastes tanto nos campos, armas e aviões/carros são conhecidos por toda família militar. Conviver com tais precariedades faz questionar que tipo de proteção podemos dar ao país!
O salário baixo pesa, o fim de semana trabalhando em prol da pátria agride, a falta de estrutura coloca em risco a própria vida, o sonho de um dia ter participado das Forças Armadas e ter orgulho em vestir a farda está acabando com uma juventude que QUERIA PROTEGER O PAÍS, queria… pq não se tem condições com o que é oferecido pelos governantes…
Os militares estão tão desprotegidos quanto o restante do povo…. a única diferença é q estão fardados!”

Do militar que não identifica Arma ou posto Flavio
“Não podemos colocar a culpa somente no governo, nós (das Forças Armadas) sabemos que nossos superiores não estão preocupados com a atual situação dos milicos, principalmente dos praças”.

Do militar que não identifica Arma ou posto Morfeu
“A situação atual dos oficiais não é nem de longe a situação lamentável e deprimente em que vivem os praças e seus familiares.
A vaidade, incompetência, falta de coragem e o egoísmo dos oficiais superiores, aliados à falta de perspectiva na carreira, são fatores que inicialmente podem explicar essa vergonhosa situação”.

Do 3º sargento do Exército Vitor
“A situação tem se agravado e não há expectativa para mudanças positivas. Hoje, o 3º Sargento no Exército Brasileiro é considerado peça de luxo, pois a procura pelo concurso (ESA) para ingresso tem diminuído a cada ano e os que estão dentro lutam incessantemente para sair. O objetivo é aprovação num concurso que até ofereça menor salário que as Forças Armadas, em algumas situações, mas que dê, na maioria das vezes, melhores expectativas que a carreira militar. As Forças Armadas são uma fortaleza em decadência no Brasil” (Vitor)

Do militar que não identifica Arma ou posto Navy Seal
“Os próprios líderes – generais, brigadeiros e almirantes — parecem não estar preocupados com a motivação da tropa… isto sem contar que os mais antigos vão para a reserva e voltam contratados para fazer muito pouco, prejudicando a renovação das lideranças dentro das Forças Armadas”.

De um capitão engenheiro militar do Exército
“Sou filho e irmão de oficiais militares do Exército, atualmente capitão engenheiro militar, com quase 17 anos de serviço, bacharel em Ciências Militares formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e engenheiro formado Instituto Militar de Engenharia (IME).
Falo 2 idiomas – inglês e alemão –, tenho 3 pós-graduações concluídas e estou finalizando uma terceira graduação em Engenharia Civil ano que vem.
Estou me despedindo em breve do Exército para investir na carreira empresarial (…) Vou correr atrás de meus sonhos e realizações profissionais.
Não cuspo na prato em que comi, agradeço muito ao Exército por tudo que tenho e aprendi nesses anos, mas o que o Exército tem a me oferecer nos meus próximos anos de serviço em termos de carreira, financeiros e profissionais não me interessam”
Ricardo Setti (Veja)/montedo.com