22 de abril de 2014

Historiador explica o que faz o número treze em imagem mostrada na Ordem do Dia do Comandante do Exército


Pintura do Coronel Estigarribia retratando o 13º Batalhão de Infantaria em ação na Campanha do Paraguai
Tela reproduzida na Ordem do Dia do Comandante do Exército  causou polêmica (reprodução - Montedo.com)

Que nos sirva de lição. Mais alguns episódios desses e nós correremos o risco de, simplesmente, não termos mais História.

A Estigmatífera Ignorância
Fabricio Gustavo Dillenburg*

No dia em que o Exército comemora seus 366 anos, na data em que a pátria deveria honrar uma de suas mais notáveis instituições, uma onda de insinuações absurdas se espalhou pelas redes sociais e através dos e-mails do país, gerando confusão, desentendimentos e maculando, de certa forma, esse momento memorável.
A desorientação pública brasileira, a respeito da história, não é novidade. Resultado de uma educação deficiente, do descaso com a memória nacional e de uma reveladora tendência esquerdista de nossas escolas e universidades, ela deriva em uma infinidade de baboseiras e mal entendidos, seguidamente fazendo com que coloquemos as mãos na cabeça e verifiquemos se, em realidade, estamos mesmo vendo o que nos é mostrado. Todavia, desta feita, houve extrapolação de todos os limites possíveis e imagináveis, pois colocações maldosas foram relacionadas ao vídeo institucional comemorativo ao dia do Exército, no qual o próprio Comandante das nossas forças terrestres, o Gen Enzo Martins Peri, apresenta-se em discurso à nação (o vídeo encontra-se disponível no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=uJrX_J7V3YY).
A polêmica manifestou-se da seguinte forma: no vídeo contendo Ordem do Dia do Gen Enzo, que possui cerca de 5min48s, há uma série de imagens históricas, exibidas enquanto o Comandante destaca alguns aspectos da importância do papel do Exército na História brasileira. Em 1min29s, entretanto, há uma imagem que gerou uma imensa controvérsia. Trata-se da pintura de uma cena de ataque, na qual, à frente das tropas, é carregada uma bandeira verde-amarela, contendo o desenho de um clarim, sob um fundo vermelho que ocupa parte do emblema, e o número 13. Imediatamente, associaram-se levianamente a imagem e o partido que está no governo, misturando indiscriminadamente política e História e gerando o caos, com discussões abertas, sem fundamentos, se erguendo pela internet e muito mal estar, em caráter particular.
Alertadas por e-mails de leitores, a Academia e o Núcleo Vae Victis imediatamente buscaram esclarecer os fatos, através da análise do que era mostrado e da leitura dos comentários, muitos bastante agressivos e de caráter malicioso. Eis que, embora não possamos levar as informações factuais à rede na mesma velocidade com que as bobagens se espalham – até porque, profissionalmente, é necessária a indispensável checagem, revisão, compreensão e descrição dos dados – em menos de 24 horas, as instituições desenvolveram uma defesa adequada à importância do fato, com vistas ao esclarecimento do público à polêmica.
Acontece que a imagem em questão é a reprodução de um quadro, obra de inquestionável valor histórico e artístico, elaborada por um Acadêmico da AHIMTB/RS, Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Pedro Paulo Cantalice Estigarríbia, Acadêmico Emérito da Federação das Academias de História Militar Terrestre do Brasil (FAHIMTB), o qual ocupava a Cadeira Especial Pintor Alecebíades Miranda Júnior. A pintura é de 2003 e retrata, de acordo com o artista, o desembarque do 13º Batalhão de Infantaria na foz do Arroio Atajo, flanqueando o Forte Itapiru, na Guerra do Paraguai. Este batalhão é um dos antecessores do atual 18º Batalhão de Infantaria Motorizado, sediado em Sapucaia do Sul, RS. Na mesma pintura aparece a Insígnia de Comando do referido Batalhão, a qual possui, exatamente, as duas faixas horizontais nas cores verde e amarelo, e a identificação da unidade em fundo vermelho com o número de ordem 13º em branco. Portanto, a imagem tem parâmetros históricos claros, bem definidos e corretos, não se referenciando, em nenhuma hipótese, a partido, governo, ou quaisquer outros aspectos que não os da História Militar.
Permanece uma dúvida, porém, relacionada ao fato de se saber se o vídeo fracionado que primeiro chegou ao nosso conhecimento (no que foi primeiramente recebido – exibido no YouTube – partes foram cortadas e o vídeo reeditado, mostrando apenas alguns comentários e a cena em questão), é a fonte primária da celeuma e se ele derivou meramente da ignorância, ou foi, quiçá, “plantado” como elemento de ataque ao Exército, seus componentes e defensores, ao artista, Cel Estigarríbia, e ao próprio Gen Enzo. Afinal, baseando-se em princípios de uma revolução cultural típica, fato visto e repetido à exaustão na História, a Esquerda infiltrou-se de forma profunda, controlando o ensino desde suas bases, manipulando a mídia, tomando o sistema editorial, ao ponto de gerar um discurso monolítico da História, verdadeiramente monopolizando sua estrutura e sua interpretação. Investido valores consideráveis para realizar propaganda e apologia às suas políticas, inclusive nas redes sociais, a Esquerda que hoje assola o Brasil não mostra escrúpulo algum em preservar a verdade – até porque ela não lhe é nem um pouco favorável. Não seria de estranhar, portanto, se o caso fosse de deturpação da informação com objetivos escusos, coisa já vista como normal pela maioria dos brasileiros, inertes em sua enervante inconsciência.
Polêmica amenizada, quero crer, pelo esclarecimento da questão, deve ser dito que ela poderia ter sido completamente evitada, se fôssemos, culturalmente, mais comprometidos. A falta de consideração para com as estruturas sociais e históricas que configuraram a nação brasileira, em notável preferência aos modismos e inserções de elementos estranhos ao nosso meio, acarretam constrangimento e deturpação com consequências funestas ao desenvolvimento de uma cultura brasileira genuína – que, de original, diga-se de passagem, já perdeu muito.
Cabem, porém, algumas considerações importantes, desta feita conectando o caso em questão e o desprezo para com a manutenção da memória militar brasileira.
Quando se buscam informações sobre a História do Exército (assim como das outras Forças), sejam elas disponibilizadas no formato impresso, tradicional, ou em plataformas digitais, quase nada se encontra. O número de obras publicadas é medíocre, quando visto sob a ótica da maior parte da grande mídia que, explicitamente, não tem qualquer interesse na história militar brasileira. Por outro lado, as publicações que existem, de caráter profissional, derivam de entidades que repousam e atuam em nichos específicos, de pouco alcance – por divulgação praticamente inexistente -, e distantes do público leigo, seja pelo jargão utilizado, seja porque não há como adquirir as obras em lojas tradicionais ou em sites de maior visibilidade, visitados na internet. Trata-se de um discurso que faço há anos, e que tenho reforçado, enfaticamente, desde minha conexão com a Academia, ciente e concordante do problema.
No campo das imagens, ocorre o mesmo. Afirmo isso de cátedra, porque cada número do informativo profissional de História Militar da AHIMTB/RS, O Tuiuti (pelo qual sou responsável pela parte gráfica), cada artigo, cada texto que exige complementação imagética calcada na história militar nacional deriva em infindáveis dores de cabeça, pela inexistência de imagens, sua parca referência (autores, em sua maioria, são desconhecidos ou sequer citados) ou pela baixa qualidade do material fornecido. Embora pareça ridículo, é infinitamente mais fácil ilustrar um trabalho sobre o Exército da Nova Zelândia ou da África do Sul, do que um que trate das nossas próprias forças terrestres. É desconfortável e vergonhosa tal afirmação, mas nada mais é do que a realidade. Exemplo conveniente é o que diz respeito à própria obra do Cel Estigarríbia, fator da polêmica, e sobre a qual a rede digital exibe quase nada. As imagens foram usadas pelo Exército, mas a instituição não possui nenhum site que as exibe, explica e, por decorrência, valoriza.
Faz-se de extrema importância, pois, em primeiro lugar, o desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente voltada para a exaltação dos temas militares, mantendo o rigor histórico, mas com uma linguagem mais acessível (e que não implique, é claro, em nenhum tipo de rebaixamento por simplificação pseudo-linguística). Em segundo, o papel preponderante do Exército (das Forças Armadas, como um todo, verdadeiramente) deve ser manifesto. Não é compreensível que as instituições de memória militar – as que ainda existem, obviamente, por pura persistência – fiquem à deriva, sem apoio mais enfático, funcionando com parcos recursos e sem estrutura adequada – inclusive digital – para manter um fluxo constante de informações e repositórios capazes de serem, facilmente, alcançados pela população.
Planificações para a execução da divulgação da História Militar em escolas, universidades e locais de acesso ao grande público têm de ser executadas com urgência, sob o risco de ficarmos, outra e outra vez, como neste caótico contexto, em situações verdadeiramente embaraçosas. E há mais, a ser considerado: como podemos solicitar que professores e alunos de Ensino Fundamental e Médio levem, aos ambientes escolares, versões corretas, diferenciadas e múltiplas da História (como deve ser, de fato, o ensino profissional da História), se não tratamos de colocar em suas mãos materiais adequados, do mesmo nível dos que insistem em caluniar e deturpar tudo que de valor construímos através da formação deste país? Sem locais de pesquisa, sem materiais de referência, sem acesso fácil, quem vai se interessar em contar a História como um todo? Os professores, sobretudo os de base, que são comumente mal pagos e, em grande parte, tendem à acomodação e relacionam-se – cada vez mais – à má formação em cursos virtuais de desempenho, no mínimo, duvidoso, com certeza, não irão.
A abordagem pela base, influenciando o gosto das crianças e dos adolescentes pela História, em trabalho realizado diretamente nas estruturas fundamentais do ensino de massa é, exatamente, o discurso preconizado pelo Núcleo Militar Vae Victis, e quero acreditar que este é, de fato, o melhor caminho, pois abre perspectivas consideráveis para os desdobramentos de maior porte e profundidade, como é o caso da produção Acadêmica da FAHIMTB. A união desses conceitos (que, internamente, denominamos no Núcleo “ações de abrangência trina”, pela influência na base, nas fases intermediárias, até atingir o âmbito profissionalizante universitário), possibilita a cobertura de todo o espectro, o que é facilitado, principalmente, quando aplicado em áreas de baixa renda, em geral abandonadas pelo poder público, e no qual é perceptível, no rosto das crianças e dos jovens, um desejo imenso de fazer parte da grandeza representada pelas nossas forças armadas. A propósito, sem precisar apelar para discursos demagógicos governistas, elas são, muitas vezes, a única opção para resgatar a dignidade de quem há muito perdeu a esperança em uma sociedade justa e respeitável. Exemplos não faltam para provar a afirmação.
Em vista disso, o modelo da cultura norte-americana, por exemplo, na qual o devido valor à memória dos combatentes se faz notável, e que recebe constantes investimentos – culturais e financeiros –tanto de parte dos civis quanto militares, deve ser referencial, rompendo com a tradicional cisão militar/civil no que concerne à importância dos estudos históricos. Já que falamos de inserções estranhas à nossa cultura, que aproveitemos, pelo menos, o que é digno de ser aproveitado.
Portanto, que fique claro: nossa missão, como historiadores e representantes acadêmicos – na qualidade de membros da instituição e, acima de tudo, de cidadãos brasileiros – é a defesa da História e da memória, individual e coletiva. Mas só conseguiremos que isso de fato se transforme em um movimento de porte com o engajamento consciente e pleno de todos os que se ligam, direta ou indiretamente, à Academia.
Não nos enganemos: em matéria de combate cultural, há toda uma estrutura muito bem montada, em plena ação, à qual não temos (ainda) recursos de oposição. Estamos anos-luz atrás do poder de manipulação dos que desejam perpetuar a situação de miséria intelectual à qual estamos submissos, inclusive porque nossa tradição e o respeito à História nos impede de executar manipulações ao bel-prazer, como acontece com boa parte dos que ostentam, hoje, o cetro do poder político brasileiro. Precisamos de mais, precisamos investir em poder humano e poder material, se quisermos opor alguma resistência a essas monstruosidades. História exige extrema dedicação, e não se faz com quimeras, mas com investimento e abnegação.
Enquanto insistirmos em meias medidas, teremos apenas meias verdades. Seremos agredidos, pisoteados e desrespeitados. Fato é que a perpetuação de discursos imbecilizantes de intelectualóides, ovacionados pela massa hipócrita e ignorante (e pelos que agem de má fé), varrem a mídia e transformam o nosso cotidiano num verdadeiro inferno, dantesco em seus absurdos. Sugiro, entre milhares de exemplos, a contemplação de uma obra de arte da estupidez humana, protagonizada por Marilena Chauí, a quem sempre desconsiderei, como pseudo-intelectual que é – embora o Estado insistisse em enviar seus livros como “referenciais” às escolas, o que faz muito sentido no âmbito em que a sociedade vem se (des)construindo (acesse o vídeo localizado no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=AN9AFyhSjN0 – e, para quem argumentar que o trecho do vídeo “está fora de contexto”, recomendo que o veja inteiro, pois está disponível. O contexto todo está lá, muito bem explicitado, pela Esquerda). Essa mulher está empregada em ambiente universitário brasileiro, portando-se de uma maneira que, em qualquer país civilizado, repercutiria gravemente, pela falta de sensatez e responsabilidade.
O ápice dessa estupidez estatizada, que grassa pela população, dar-se-á – não tenho qualquer dúvida – com a conclusão dos “trabalhos”, com a entrega à imprensa do grande e perfeito desejo partidário realizado, denominado de “Comissão da Verdade” (o que já pressupõe, a priori, que não há incertezas ou ambiguidades, mas apenas há uma “verdade”, sujeita às conclusões, tiradas – vejam bem – por uma comissão encarregada de verificar questões históricas e que, por um acaso do destino, não contém um só historiador em sua equipe, mas apenas juízes, advogados e uma psicanalista...). Onde ficaram os crimes cometidos pelos terroristas, a tortura e as mortes de brasileiros e estrangeiros, feitas de forma suja e covarde, que hoje se aninham entre os braços (e canetas) acolhedores de inúmeros mentirosos? Onde está o contexto histórico, onde está o fato de que havia uma guerra acontecendo – não num sentido figurado, mas muito real – contra golpistas e ladrões que tinham, como único objetivo, transformar o Brasil em uma segunda Cuba, outro lixo pseudo-comunista cuja maior virtude é, unicamente, a escravidão? Ah, que a memória seja resgatada enquanto temos tempo, pois ele se esgota a olhos vistos e os bons combatentes estão, todos, sob a mira dos hipócritas e demagogos...
Tudo que se passa neste país está se tornando, por demais, previsível. Pesquisa criteriosa, atenta aos fatos e aos documentos, e interpretação isenta, não podem ocorrer em uma situação na qual as cartas estão marcadas, desde o princípio. Não interessa qual seja o discurso, será dito, uma e outra vez, e mais uma vez, apenas mais do mesmo, não tenham dúvidas, com base nas cartilhas bem constituídas – e ilustradas, para que todos os iletrados fanatizados possam entender – dos interesses alheios, bem distantes do que realmente importa à nação. A Esquerda reacionária, imaculada e santificada, que vem se constituindo como um mármore precioso e intocável no Brasil, e que coloca em xeque o futuro de nossos filhos e netos, não pode mais ser vista como um mero problema. Ela é o inimigo, e como tal, deve ser combatida. Sem piedade. Os critérios de moralidade devem ser iguais, para ambos os lados, e não ficarem subordinados aos desejos de alguns analfabetos funcionais cuja única base de conhecimento científico pode ser identificada como “opinião”. Ainda por cima, “furada”. Essa obviedade da ignorância e da manipulação, que nos marca como um estigma infecto, tem que ser abandonada, de uma vez por todas.
Que nos sirva de lição. Mais alguns episódios desses e nós correremos o risco de, simplesmente, não termos mais História.

* O autor tem formação em História e é fundador e responsável pelo Núcleo de Estudos de História Militar Vae Victis. É Acadêmico da Federação das Academias de História Militar Terrestre do Brasil (FAHIMTB), ocupando a Cadeira nº 14 - Gen Francisco de Paula Cidade - e membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS). É autor da obra “Kamikaze: as Invasões Mongóis e as Origens do Vento Divino”.
VAE VICTIS/montedo.com