14 de julho de 2014

Trabalho de marqueteiros

Clovis Purper Bandeira*
Durante alguns meses fomos submetidos a intenso e eficiente trabalho de marqueteiros, regiamente subvencionados por grandes empresas patrocinadoras, que nos convenceu de que tínhamos uma das melhores seleções de futebol jamais reunida e que a Copa realizada no Brasil, a Copa das Copas, era nossa de direito.
Massacrados diariamente por intensa campanha publicitária, vimos o campeonato mundial se transformar num oba-oba, num já ganhou, num conosco ninguém podemos, enquanto ouvíamos entrevistas com o vizinho, a professora, o amigo de infância, a periguete da vez na vida do craque e assistíamos a closes de sua unha encravada, do edema resultante da pancada que recebeu no treinamento, tudo isso transformado em problemas de importância nacional.
Assim, começou a competição e a equipe brasileira, aos trancos e barrancos, foi passando pelos primeiros adversários com crescente dificuldade, o que é até natural nesse tipo de competição eliminatória.
Até que a realidade inescapável apresentou dois problemas: a suspensão por motivos disciplinares de um dos principais defensores e a lesão grave do principal atacante e astro de nossa equipe. Isso ocorreu exatamente quando a fase de brincadeiras acabava e restavam quatro equipes disputando as semifinais.
Qualquer que fosse o adversário, seria difícil enfrentá-lo. E coube-nos enfrentar a Alemanha, finalista ou semifinalista nas quatro últimas edições da competição, com uma equipe baseada em excelentes e vitoriosas equipes germânicas, uma delas a campeã europeia deste ano, séria candidata ao título de campeã mundial.
Na hora da verdade, as deficiências da equipe, ainda mais desfalcada, ficaram evidentes e nossa seleção foi derrotada por acachapantes 7 a 1.
Agora, não há mais nada que o marketing, por mais bem remunerado que seja, possa fazer.
Diz o velho ditado, contra fatos não há argumentos.
A joia faiscante era vidro e se quebrou.
No cenário nacional algo semelhante acontece.
Há meses, ou mesmo há anos, somos bombardeados por eficiente campanha orquestrada pelos mestres da propaganda, regiamente pagos com verbas públicas para divulgar as realizações do governo, muitas vezes com informações deturpadas, meias verdades, números e dados mentirosos ou distorcidos, tudo com a finalidade de manter-nos maravilhados com o desempenho de nossos governantes e dispostos a conceder-lhes a reeleição.
Os fatos que realmente importam, a queda do desempenho econômico; a ineficiência da gestão pública; as deficiências educacionais, de criatividade e de produtividade; a baixa qualidade e remuneração dos salários pagos; a desindustrialização; a maquiagem dos números de desempregados, tirando da amostragem os trinta milhões de dependentes das bolsas-esmola, pois eles não procuram emprego, muito pelo contrário; o gigantismo da máquina estatal, totalmente aparelhada por mais de 20.000 funcionários livremente nomeados pelos políticos; a corrupção desenfreada; a impunidade dos corruptos e dos corruptores; as fraudes nas licitações e contratos, o superfaturamento nas obras públicas etc, nada disso é devidamente informado ou discutido.
Escândalos se sobrepõem a escândalos, os mais recentes apagando os da semana passada, tornando-se banais pela repetição impune.
E nós, iludidos pelo marketing governamental, apreciando as unhas encravadas, as bolsas isso e bolsas aquilo, os PAC milagrosos e mentirosos, os números multiplicados ou diminuídos quando há interesse político, as promessas de sempre – que nunca serão cumpridas.
No entanto, um dia a realidade chegará.
E, em vez de um simples resultado esportivo muito adverso, por mais doloroso que este seja para o orgulho popular, o custo social, econômico e político será grande.
Os que se locupletam nas verbas públicas não entregarão com facilidade o acesso privilegiado às tetas estatais. Haverá reação, talvez mesmo violência nas ruas, em nome da “democracia”. E mais corrupção, compra de votos, distribuição de benesses aos eleitores.
Todavia, os fatos estão aparecendo. Não há como argumentar contra eles, não podem nem mesmo ser atribuídos à “herança maldita”, pois o partido corrupto e corruptor está no poder há doze anos.
E não haverá marketing capaz de esconder os crimes – e não simplesmente malfeitos – cometidos. Teremos que encarar a vergonha de vermos expostas e discutidas nossas mazelas, e teremos de enfrentá-las e pagar o preço para resgatá-las.
Não será fácil nem indolor, mas terá que ser feito.
As miçangas são de vidro e se quebrarão.
Mas a luz da verdade nos mostrará um mundo melhor, mais humano e mais justo. Sem necessidade de marqueteiros.
* General da reserva do Exército