27 de agosto de 2014

RJ: general tem programa de rádio na Maré

Radialista cuja família combateu a ditadura e oficial do Exército dividem programa em rádio da Maré
General Brito, comandante da Força de Pacificação Maré, apresenta o programa ao lado do radialista Wladimir Aguiar
General Brito, comandante da Força de Pacificação Maré, apresenta o programa ao lado do radialista Wladimir Aguiar Foto: Divulgação
Lara Mizoguchi
Na rádio, o som de Aviões do Forró e Ivete Sangalo. O locutor anuncia que, em instantes, haverá “o pronunciamento do Excelentíssimo general Brito, da Força Pacificadora da Maré”. Às 10h35m, o radialista Wladimir Aguiar, de 55 anos, cuja família combateu a ditadura e que é diretor-presidente da rádio comunitária Maré FM e coordenador e apresentador do programa “Bom dia, Maré”, introduz o convidado, que ocupa uma das cadeiras do programa todas as quartas-feiras, das 10h ao meio-dia.
O militar está lá para que os moradores da comunidade possam esclarecer dúvidas, fazer reclamações e elogios. Segundo o Exército, esta é a primeira vez que uma instituição federal tem um canal direto para ouvir a população do Complexo da Maré.
A cada transmissão, um tema diferente. Na semana passada, o assunto foram as abordagens a menores que, por recomendação do Ministério Público, devem ser filmadas.
Uma das moradoras, que preferiu não se identificar, reclamou no programa de estar voltando da igreja, às 22h, com a filha de 15 anos e uma vizinha, e cruzar com militares com o fuzil apontado para a frente. “Quero saber se é a maneira correta de andar na rua”, perguntou.
O general Brito, comandante da Força de Pacificação Maré, criticou a ação dos soldados, mas disse que “temos que sempre considerar que a nossa tropa vem recebendo tiros em algumas horas”.
Ao conversar com outro ouvinte, o militar cantou um trecho da Canção do Expedicionário.
— Com a iniciativa, o objetivo é oferecer um contato rápido, direto e dinâmico com os 140 mil moradores do Complexo, uma espécie de canal de denúncia. Sem a rádio comunitária, podemos concluir que dificilmente alcançaríamos o que buscávamos — explica o general Brito.
Sobre dividir um programa de rádio ao lado de um general, o radialista Wladimir Aguiar ressalta a importância do contato da comunidade com o Exército:
— O general é quase inacessível para o cidadão comum. É o posto mais alto do Exército, abaixo apenas do ministro. É um canal aberto com o qual pode-se falar com ele na hora.
O general também aprova a aproximação:
— A chegada da Força de Pacificação ainda é muito recente. Contudo, são claros a aproximação e o interesse da comunidade, com boas participações dos ouvintes.
Às 11h42m, o programa encerra e toca a música “Do seu lado”, na versão dos mineiros do Jota Quest.
Militares e esquerda pela comunidade
O curioso no programa, no entanto, é que a apresentação é feita por Wladimir Aguiar, de uma família de esquerda, que combateu a ditadura, e um general.
— Meu pai escondia livros de esquerda embaixo da cama. Não é a toa que meu nome é Wladimir — fala em referência a Vladimir Herzog, morto nos anos de repressão. (*)
É por isso que, ao ver um carro da Força Pacificadora em frente ao estúdio, em abril, ele se assustou.
— Pensamos logo na possibilidade de quererem averiguar algo. Quando chegamos até eles, havia um relações públicas do Exército vindo de Brasília com um ofício na mão, solicitando um espaço na rádio para divulgar o trabalho que iriam fazer na Maré — conta Wladimir.
Carlos Minc, coordenador do Fórum de Defesa das Rádios Comunitárias, se diverte com a história:
— O Wladimir Aguiar contou a história (do susto ao ver o carro) numa audiência pública e todo mundo achou graça, porque ele era da antiga esquerda e, no final, o general queria dividir um programa. (R. A.)
EXTRA/montedo.com

Nota do editor:
(*) "Não é a toa que meu nome é Wladimir — fala em referência a Vladimir Herzog, morto nos anos de repressão." 
- Manifestação explícita de ignorância (da jornalista, do radialista ou de ambos). Se o dito cujo têm 55 anos, nasceu em 1958 ou 1959, quando Herzog (1937/1975) ainda era um desconhecido estudante de filosofia.