12 de novembro de 2014

100 anos: participação do Brasil na 1ª Guerra trouxe ganhos modestos e baque econômico.

Submarino alemão U-93 torpedeou navios brasileiros e provocou a entrada do Brasil na 1ª Guerra   (Foto: Desconhecido / Reprodução)
Fernando Duarte
Da BBC Brasil, em Londres
A Primeira Guerra Mundial, cujo armistício foi comemorado nesta terça-feira, teve um impacto significativo no Brasil - apesar de uma participação simbólica do país no conflito, marcada por uma tragédia e uma "batalha cômica".
Para o historiador Francisco Luiz Vinhosa, um dos efeitos foi expor as fragilidades da economia brasileira, na época extremamente dependente das exportações de café.
"O principal legado da Primeira Guerra Mundial para o Brasil foi revelar nosso atraso político e econômico. O país perdeu oportunidades de usar o conflito, a começar pela decisão de escolha de lado. A Alemanha, por exemplo, ofereceria ao Brasil uma chance de escapar do imperialismo da Grã-Bretanha", afirma Vinhosa, autor de O Brasil e a Primeira Guerra Mundial, um dos mais completos estudos sobre o tema, lançado em 1990.
Neutro durante boa parte dos três primeiros anos do conflito, uma posição alinhada com a do governo dos Estados Unidos, o Brasil entrou na guerra em 1917, usando como justificativa oficial os ataques de submarinos alemães a navios mercantes brasileiros.
Em um desses episódios, o afundamento do navio Paraná, morreram três marinheiros. O incidente provocou indignação popular, levando a ataques contra empresas e estabelecimentos comerciais ligados à colônia alemã no país.
"Mas 1917 foi o ano em que os americanos também entraram na guerra e todos os países já tinham em mente uma possível divisão dos espólios do pós-guerra. O Brasil buscava um lugar de destaque no cenário internacional", completa Vinhoza.

Baque econômico
O Brasil foi o único país sul-americano a participar do conflito: declarou guerra à Alemanha em 26 de outubro de 1917, por meio do presidente Venceslau Brás.
Quando a guerra eclodiu, em 1914 - há cem anos -, o Brasil tinha sua economia predominantemente agroexportadora e focada no café. Controlava nada menos que quatro quintos da oferta mundial.
Consequentemente, o caos provocado no comércio internacional foi particularmente sentido pelo país, através de dois canais. Primeiro, a queda na demanda pela commodity; segundo, o acúmulo de toneladas e toneladas do produto em armazéns europeus como garantia de pagamentos para dívidas externas - um ponto que, por sinal, os diplomatas brasileiros levantariam durante as negociações do Tratado de Versalhes, o principal documento do pós-guerra, em 1919.
"Apenas entre 1914 e 1915 as vendas de café caíram em um terço em função do bloqueio naval estabelecido pela Grã-Bretanha para produtos de países neutros", explica o historiador canadense Rodrick Barman, especialista no Brasil dos séculos 19 e 20.
O congelamento nas concessões de crédito internacional foi outro duro golpe na economia brasileira.
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Golfinhos 'inimigos'
Do ponto de vista militar, seria difícil para o Brasil ter participado de forma graúda no conflito. Com um exército de apenas 54 mil homens e uma marinha que perdera em pujança nos anos conhecidos como a República Velha (1898-1930), o país só poderia prestar ajuda simbólica.
Sendo assim, além do envio de 20 oficiais e de uma força médica de cem homens para a Europa, o Brasil despachou missões navais para atuar sob ordens britânicas no Atlântico, para patrulhar a costa ocidental africana, o que incluía "limpar" trechos minados.
Numa delas, houve grande número de mortos - mais de 150. Só que o "inimigo" foi, na verdade, um surto gripe espanhola. A mesma doença que em 1919 mataria o então presidente eleito Rodrigues Alves.
Houve ainda o episódio da "Batalha das Toninhas", em novembro de 1918, já há dias da assinatura do cessar-fogo: o cruzador "Bahia", alertado pela possível presença dos temidos "U-Boats" (submarinos) alemães nas proximidades de Gibraltar, fez um poderoso ataque ao que acreditava ser uma embarcação inimiga. Matou um grande número de golfinhos.

Grãos argentinos
Mas se não sofreu diretamente com os horrores do conflito, em que 17 milhões de pessoas morreram e mais de 20 milhões ficaram feridas, o Brasil saiu da guerra combalido.
A queda no poder de compra e o aumento do custo de vida (os preços de varejo no Brasil registraram alta de 158% entre 1913 e 1918) aumentaram a insatisfação popular e fomentaram o fortalecimento da classe trabalhadora, incluindo o crescimento de movimentos sindicais. Já surgem as primeiras grandes greves em 1917 e 1918.
O descontentamento também teve lugar em esferas mais altas, como explica Vinhoza.
"Já em 1922 a República Velha enfrenta o primeiro episódio do Movimento Tenentista, a Revolta dos 18 do Forte (um levante de oficiais contra o então presidente, Epitácio Pessoa) e este é o mesmo ano em que é fundado o Partido Comunista Brasileiro."
Com a queda nas receitas da exportação de café, as elites agrárias perderam prestígio e legitimidade em seu controle do poder, num processo que culminaria com o golpe militar de 1930 e a instalação de Getúlio Vargas como presidente.

Mudança de órbita
Na política internacional, o conflito marcou a mudança do eixo de influência sobre o Brasil de Londres para Washington. O Brasil também participou das reuniões Versalhes e até ganhou um assento na Liga das Nações, a predecessora da ONU. Uma vitória efêmera, já que a Liga fracassaria como entidade por conta do impasse interno nos EUA que não permitiu a filiação do país.
Houve, porém, alguns ganhos econômicos: os distúrbios provocados pela guerra no mercado internacional obrigaram o Brasil a prestar mais atenção à sua indústria, com destaque para a produção de substituição de importações. Entre 1912 e 1920, o número de trabalhadores na indústria brasileira praticamente dobrou.
Mas vizinhos como a Argentina, que se manteve neutra e arrecadou uma quantidade substancial de divisas com a venda de trigo para britânicos e franceses, riram por último: o país terminou a Primeira Guerra com a dívida externa paga.
BBC Brasil/montedo.com