24 de dezembro de 2014

Missão no Haiti torna Brasil referência em treinamento de forças de paz.

País é conhecido por atuar em ambiente urbano. Cooperação internacional cresceu após a pacificação de bairros violentos no Haiti. Centro no Rio de Janeiro treina dezenas de comandantes estrangeiros por ano.
Simulador de tiro
Em dez anos de presença no Haiti, o Brasil se transformou em referência internacional no treinamento de tropas para operações de paz. O país adquiriu um conhecimento específico em missões urbanas, sendo cada vez mais requisitado por outros países.
"As visitas, cooperações internacionais e intercâmbios aumentaram muito depois da pacificação de regiões violentas no Haiti, como Cité Soleil, em 2007", diz o coronel José Ricardo Vendramin Nunes, comandante do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB).
Em 2014, o número de intercâmbios no centro passou de 13 para 17. Além disso, o CCOPAB treina dezenas de militares estrangeiros todos os anos. Em 2009, foram 72 no total. O número atingiu um pico em 2012, com 139, e em 2014 continuou alto, com 97.
O tenente-coronel Mangez veio da França para acompanhar esse trabalho. "Acho importante a experiência do Brasil em treinar grandes contingentes, como faz para a Minustah [missão de paz da ONU no Haiti]". O centro, no Rio de Janeiro, com cerca de 1,2 mil oficiais e praças, chega a preparar batalhões inteiros.
Segundo Vendramin, a maioria dos países que buscam cooperação é da América Latina, mas o CCOPAB também tem recebido visitas dos EUA, Canadá, Reino Unido, entre outros. "Eles querem saber como treinamos. Os soldados precisam saber neutralizar sem matar. Devem fazer um uso mínimo da força, com proporcionalidade", diz.
Sede do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
Simulador de tiro
Para isso, em 2011, o centro investiu cerca de 500 mil dólares num simulador de tiros. Na tela, são transmitidos vídeos gravados pelo próprio CCOPAB, muitos ambientados no Haiti, que recriam uma série de situações, como patrulha, perseguição e revista.
O sistema dispõe de nove tipos de armas, letais e não letais. Em poucos segundos, o oficial precisa decidir entre usar o spray de pimenta, bala de borracha ou um fuzil.
"São armas reais: dão rajada, fazem barulho e têm recuo. Só que foram adaptadas para o treino", explica o suboficial Alderley Pedrosa. No exercício, a reação do militar é interpretada pelo sistema, que, ao final, contabiliza os erros do aprendiz. Só depois o treinamento é levado a um campo de paintball, até chegar ao tiro real.
No total, a preparação dura seis meses. Primeiro, o treinamento é dado aos comandantes de pelotões, que repassam o conhecimento a seus subordinados. Por fim, o centro organiza um exercício com todo o batalhão, num ambiente urbano real.
Além disso, o centro também dá aulas sobre o contexto histórico e cultural dos países de destino. É o caso do Major Camilo, que participou de um treinamento antes de partir para a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil). "É muito importante se situar antes de ir para o terreno", diz.
Guerra urbana
O coronel Vendramin afirma que muitos países têm experiência em operações de paz em ambiente rural, mas as guerras estão migrando para as cidades. Em área urbana, é mais difícil diferenciar civis de combatentes.
"Dominamos o território de um grupo armado, estabelecemos pontos fortes e fazemos patrulhamentos intensivos. Pela presença forte, evitamos que aquela comunidade volte às mãos desses líderes", explica Vendramin.
Essa estratégia foi posteriormente replicada nas favelas no Rio de Janeiro, com o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e com as ocupações do Exército, em ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
"A PM visitou o Haiti para ver como se fazia, e assim surgiu o conceito de UPP. O Exército tem usado as experiências do Haiti no Complexo do Alemão e na Maré", diz o coronel.
Em outubro, o Conselho de Segurança renovou por mais um ano a missão no Haiti, mas cortou o número de militares pela metade: de 5.021 para 2.370. Com a redução, as atividades no CCOPAB tendem a diminuir. Mas Vendramin diz que o centro não corre risco de ser fechado.
"O Brasil tem um compromisso com a ONU e tem que manter uma capacidade mínima de pessoal treinado. Mesmo que a Minustah acabe, há outras missões", afirma.
DW Brasil/montedo.com