Para membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nova composição fará tribunal brasileiro rever decisão
Supremo reafirmou em 2010 validade da lei que garantiu perdão a crimes cometidos na ditadura militar
ISABEL FLECK
ENVIADA ESPECIAL A SAN JOSÉ
O vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o brasileiro Roberto Caldas, acredita ser apenas "uma questão de tempo" até que o STF (Supremo Tribunal Federal) decida revisar a Lei da Anistia, de 1979, neste ano.
Para o magistrado, é evidente que a formação da geração de juízes que está à frente do tribunal "teve uma carência em direitos humanos" --o que justificaria a decisão dos ministros, em abril de 2010, de não revisar a lei.
Ele, contudo, destaca um "avanço significativo" desde então no entendimento, por parte do STF, do trabalho da Corte Interamericana, que condenou o Estado brasileiro, em novembro de 2010, pelo desaparecimento de 62 pessoas durante a guerrilha do Araguaia (1972-74) e questionou a aplicação da anistia a crimes "imprescritíveis".
"O Supremo é muito qualificado, porém a formação das gerações de juízes teve uma carência de direitos humanos, na qual eu me incluo", disse Caldas em entrevista à Folha, em San José.
"Agora houve um avanço significativo nesse conhecimento do próprio tratado, do papel da Corte e creio que será natural o julgamento do Supremo levar em conta a decisão [de 2010] da Corte Interamericana", completou.
O otimismo de Caldas se deve à ação ajuizada no STF pelo PSOL em maio passado, na qual o partido contesta a aplicação da Lei da Anistia a agentes públicos que cometeram graves violações de direitos humanos na ditadura.
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Para o juiz, esta é a primeira vez, em mais de quatro anos, que o STF "tem a chance de se debruçar plenamente" sobre a revisão, que abriria caminho para o cumprimento da sentença da Corte.
"A Lei da Anistia ficou desbalanceada porque se aplicou de uma maneira geral [para todos os crimes] para os agentes do Estado", disse.
A ação está sob análise do relator, Luiz Fux. Não há previsão de quando será votada.
Apesar do otimismo do magistrado, dos dez atuais ministros do STF, quatro recusaram em 2010 a revisão da Lei de Anistia (Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello), e apenas um votou a favor: Ricardo Lewandowski.
Em outubro passado, a Corte Interamericana emitiu nova resolução na qual cobra o Estado brasileiro por não cumprir a sentença de 2010 para punir os responsáveis por desaparecimentos forçados durante a Guerrilha do Araguaia. O tribunal dá um prazo até março para que o país explique o que está fazendo para aplicar a decisão.
Há uma discussão sobre se a sentença da Corte Interamericana está acima da decisão do STF de manter a anistia a agentes do Estado.
Para Caldas, é muito claro que a decisão final sobre este tema é de seu tribunal --e o Brasil, sendo signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que criou a Corte, está ciente disso.
"A Corte Interamericana é a intérprete última da Convenção Americana, que deve prevalecer em relação a todas as leis, inclusive às Constituições dos países."
Apesar de elogiar o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que pede a revogação da Lei da Anistia, ele diz que "o que importa" é a sentença da Corte, "obrigatória" para o governo. E acrescenta: "Há maturidade nas instituições militares para passar essa página da história. As Forças Armadas não podem ficar reféns de crimes graves de alguns de seus componentes".
FOLHA DE SÃO PAULO/montedo.com