13 de setembro de 2015

Colégios militares crescem em meio a polêmica sobre ensino

Com 24 escolas, Minas é o segundo Estado do país em número de instituições, atrás só de Goiás, com 26

Luiza Muzzi
iG Minas Gerais
O relógio marca exatamente 7h15 de uma terça-feira ensolarada quando o toque ritmado da corneta rompe o silêncio no enorme pátio, anunciando a hora de começar mais uma solenidade de formatura semanal no Colégio Militar de Belo Horizonte, na Pampulha. Enfileirados, os quase 700 alunos, de 10 a 18 anos, acompanham, com corpos fixos e cabeças erguidas, o hasteamento das bandeiras e, em seguida, cantam com vozes firmes o hino do colégio. Quando o comandante toma a palavra, autorizando a tropa a “descansar” após 20 minutos de formação, o alívio é imediato. Braços e pernas relaxam, e até mesmo alguns bocejos ecoam, comprovando que, apesar de toda pompa e formalidade, alunos de colégios militares são crianças e adolescentes como quaisquer outros, imersos em um sistema de ensino que se expande a cada ano.
Estranha à primeira vista, a cena é cada vez mais comum no Estado: Minas é o segundo do país em número de escolas militares. Ainda assim, para quem está de fora, o universo envolvendo escolas administradas ou pelo Exército Brasileiro, ou pela Polícia Militar (PM) permanece polêmico. Há os que condenem a metodologia, certos de que o ensino militar doutrina e forma uma massa de seguidores acríticos. Assim como existem aqueles que aplaudem o sucesso na consolidação do respeito como valor para os jovens. Em meio às divergências, um fenômeno curioso, alheio a tudo, tem chamado a atenção: em uma sociedade que busca o conhecimento que liberta, cresce, cada vez mais, a demanda por colégios militares pelo país.
Apenas em Minas, são mais de 20 mil alunos frequentando escolas cujo uniforme remete à farda militar, divididos em 24 colégios, dois do Exército e 22 da PM – dois deles inaugurados neste ano, em Uberlândia, no Triângulo, e em Pouso Alegre, no Sul de Minas. E a intenção é continuar crescendo: Divinópolis, na região Centro-Oeste, também deverá receber em 2016 uma unidade do Colégio Tiradentes. “Não conseguimos atender 100% (dos interessados). Ainda temos uma demanda reprimida de dependentes de militares”, explica a coronel Rosângela de Souza Freitas, diretora de Educação Escolar e Assistência Social da PM.

No topo
Levantamento feito pela “Folha de S.Paulo” – não há dados nacionais consolidados – aponta que Minas só perde para Goiás na quantidade de colégios militares. Com 26 escolas, os goianos, recentemente, foram alvo de uma mistura de vaias e aplausos ao militarizarem oito instituições de ensino de sua rede estadual. Ao contrário do vizinho, porém, Minas não transformou – nem pretende mudar, segundo o governo estadual – escolas comuns em militares. Aqui, a maioria começou a ser construída há 60 anos, com o intuito de receber os próprios militares e, em seguida, os filhos de policiais, bombeiros e membros do Exército e da Aeronáutica que trabalhavam pelo Estado.
Ao longo do tempo, com o crescimento e a interiorização das próprias corporações, novas unidades foram necessárias, e a expansão acabou deixando as poucas vagas remanescentes para uso de civis, um ingresso que, seja por sorteio, seja por prova, tem se tornado cada dia mais concorrido. No Colégio Militar de Belo Horizonte, por exemplo, um candidato não dependente de militar enfrenta hoje, no concurso seletivo anual, um índice que supera os 70 candidatos/vaga.
Para a pesquisadora na área da história da docência e da infância e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cynthia Greive Veiga, o que explica tamanha atração é um misto de fatores, que vão desde a tradição familiar e a qualidade do corpo docente até os bons resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “São escolas públicas, cujo espaço não é tão degradado como o de outras. Há bons equipamentos e professores com outras condições de trabalho, e tudo isso é atrativo para a família, que quer ver o filho bem assistido na escola”, explica.
Para quem estuda, apesar do rigor de conduta, há benefícios. “É um privilégio estudar aqui. Temos um ensino diferenciado em comparação com o de outras escolas públicas”, orgulha-se Edson Marques Júnior, 18, aluno do terceiro ano do Colégio Tiradentes. Limites da educação são tênues
Leia também
COLÉGIOS MILITARES: UM SISTEMA DE ENSINO EXEMPLAR QUE INCOMODA A ESQUERDA BRASILEIRA
Arquvo do blog: Colégios Militares
Opressão que humilha e limita ou ensino do respeito que transcende?
Na educação oferecida em colégios militares, a disciplina é a palavra-chave para se alcançar o tão esperado sucesso escolar, fruto de um trabalho pautado não apenas por conteúdos, mas também por ética e valores. O problema, alertam especialistas, é que o limite entre o conjunto de princípios que educa e o que oprime é tênue, e é preciso que os pais conheçam bem a proposta de cada escola para que não tenham surpresas com relação à formação dos filhos. Cabelos soltos? Não pode. Brincos grandes e esmalte colorido nos dedos? Também não. Piercings ou tinturas exóticas? Nem pensar. Em boa parte dos colégios militares, a proibição do uso de adereços triviais, porém comuns no universo jovem, é apenas uma entre várias regras que os estudantes precisam seguir à risca. As instituições seguem a grade curricular prevista pelo Ministério da Educação – por vezes com carga horária estendida para inclusão de noções de civismo –, mas chamam a atenção pela cobrança exigente de algumas regras. Deslocar-se em filas, prestar continência e levantar-se para receber o professor em sala são alguns exemplos. Chegar atrasado sem justificativa ou mesmo usar o uniforme amarrotado podem ser motivos de advertências. Pesquisadora da história da docência, a professora Cynthia Greive explica que o problema não está na disciplina propriamente dita, mas no objetivo e no valor pedagógico das regras. “A escola quer produzir seres solidários e tolerantes ou arrogantes e autoritários?”, questiona. Segundo a professora, disciplina e hierarquia são necessárias para a criança, mas é preciso observar se as relações que envolvem tantas exigências se pautam pelo respeito ou pelo medo. “Se a formação militarizada se orienta numa perspectiva de humilhação pelo autoritarismo e discriminação, aí teremos uma juventude insegura e aflita. Mas se predominam o respeito e a tolerância e se há espaço para conversa, o uniforme em si não será problema”, pondera. 

Contraponto
Os militares responsáveis pelos colégios defendem que as normas não são tão duras a ponto de os alunos não conseguirem se adaptar e acreditam que as exigências os preparam para a vida. “Ter disciplina não é ser formatado como robô, mas ter noção de que viver em sociedade é ter regras a serem seguidas”, defende o tenente-coronel Gizie Barbosa, chefe da Supervisão Escolar do Colégio Militar do Exército. “Temos um regime disciplinar adequado à realidade dos alunos. Cobramos a realização de exercícios e o cumprimento de horários. Mas são crianças normais, barulhentas. Não é reformatório nem tem militarização”, garante. A coronel Rosângela Freitas, diretora de Educação Escolar da Polícia Militar, reforça a posição. “Queremos desconstruir a ideia de que o colégio tira a criatividade do aluno. Isso não é verdade. Baseados na hierarquia e na disciplina, buscamos resgatar valores perdidos, como o respeito ao professor, ao colega e à própria escola”, afirma. A visão é compartilhada por alunos e pais. “As pessoas falam sem conhecer. Nunca vi a disciplina do colégio como rigidez, mas como geradora da responsabilidade que vai formar o caráter dos meninos”, defende Maria do Carmo de Araújo, 54, mãe de aluna do Colégio Militar. “No começo incomoda, mas a gente se adapta. Para ter educação de qualidade, o mínimo que temos que fazer é seguir as regras”, diz a aluna Karolina Dornelas, 18, do Colégio Tiradentes. Ainda assim, algumas normas chamam a atenção. No Colégio Tiradentes, divulgar mensagens eletrônicas “com o intuito de denegrir a imagem da PM” é falta grave, e frequentar lugares “socialmente reprováveis” enquanto uniformizado é falta média. Já no colégio do Exército, o aluno que atinge a nota 9,5 em todas as disciplinas recebe até a patente de “coronel aluno”.
O Tempo/montedo.com