11 de setembro de 2015

Ex-soldado, empreendedor conta o que aprendeu na guerra

Soldado presta homenagem para colega soldado, com capacete
Mariana Fonseca Mariana Fonseca, de EXAME.com
São Paulo - O empreendedor Jimmy Cygler, de 66 anos, é hoje presidente de uma das pequenas e médias empresas que mais crescem no Brasil, segundo estudo da Deloitte: a Proxis. Quem olha para o chamado "call center de luxo" não imagina que muitas das suas estratégias foram elaboradas em cima de uma vivência pouco usual deste empreendedor: sua experiência como soldado.
Nascido nos Estados Unidos, Cygler tinha 13 anos quando chegou sozinho a Israel. O ano era 1962 e ele havia sido enviado pelo pai, após ter passado por diversos países, incluindo o Brasil. No bolso, apenas sete dólares para fazer sua vida na terra dos judeus.
Enquanto estudava, o recém-chegado mantinha alguns pequenos negócios, especialmente na área de vendas. Por exemplo, chamava colegas para que colhessem olivas e vendia o produto para comerciantes maiores, dando uma porcentagem dos ganhos aos colhedores.
Quando fez 18 anos, Cygler assumiu outra ocupação, dessa vez em período integral. Convocado para o serviço militar obrigatório, virou recruta. Nesse mesmo ano, 1967, teve sua primeira experiência no front: a Guerra dos Seis Dias. O momento mais emocionante, para ele, foi proporcionado pela proteção da natureza. "Quando começou o bombardeio, eu estava entricheirando atrás de uma árvore. A uns dois metros, caiu uma bomba. Pensei: 'já comecei com sorte'", conta.
A segunda atuação do empreendedor no front foi chamada de "guerra da exaustão". No conflito, israelenses e egípcios estavam cada um de um lado do Canal de Suez. "Durante esses anos [de 1967 até 1973], cada exército atirava no outro, por meio de snipers [atiradores de elite]. Cada exército levantou uma muralha de areia para proteger as tropas. Mesmo assim, vez ou outra algum atirador conseguia ferir algum inimigo".
Enquanto a Guerra dos Seis Dias foi considerada uma "guerra relâmpago", o terceiro embate do qual Cygler participou foi o exato oposto: a Guerra do Yom Kipur, em 1973. Agora, ele já era um soldado de reserva e foi convocado para atuar na região do Sinai (Egito). "Os árabes surpreenderam Israel no dia sagrado dos judeus, com um troco muito bem planejado. Nos primeiros dias dessa guerra, a sensação era de que nós íamos ser extintos. Eram números muito superiores e nos pegaram totalmente de surpresa".
O empreendedor foi recrutado por 183 dias, sem nenhuma pausa de volta para casa. "Tenho foto do primeiro banho que eu tomei, de latinha, após 90 dias dentro do conflito. Só tínhamos água para beber, até que chegou um suprimento. Foi o banho mais gostoso da minha vida - e olha que eu odeio banho gelado".
O último conflito do qual Cygler participou foi a Guerra do Líbano, em 1982. "Minha participação foi pequena, pois já era relativamente velho. Eu fiquei na retaguarda, e meu filho participou também".
Jimmy Cygler, presidente da ProxisAo todo, foram 20 anos no exército, entre o período ativo e o de reserva. O empreendedor voltou ao Brasil aos 41 anos -- uma das razões para a troca do solo israelense pelo brasileiro foi justamente fugir da experiência da guerra. "Sempre odiei, mas tive de fazer porque ou se vai para o exército ou se vai para a cadeia".
Mas não há males que sejam só males, diz o empreendedor. Abaixo, veja quatro lições aprendidas no front que podem ser adotadas por qualquer empreendedor, em qualquer empreendimento:

1. Assumiu um compromisso? Cumpra milimetricamente
A primeira lição contada por Cygler se deu durante a guerra do Yom Kipur, com a missão de atacar um inimigo entrincheirado. Essa é uma situação pior do que a de um confronto direto, por exemplo. "O adversário leva uma enorme vantagem, porque você está mais exposto do que ele e, consequentemente, muito mais vulnerável", diz o empreendedor.
Então, qual foi a estratégia adotada pelo comandante das tropas? Atirar "fogo sobre as próprias forças". Ou seja: foi combinado com as tropas que haveria um bombardeio intenso durante exatos 120 segundos. Nesse tempo, o inimigo começa a ver a chuva de bombas e se protege no fundo da trincheira. Os soldados israelenses também se protegem, mas possuem uma vantagem. "Nós sabemos que o bombardeio irá parar no minuto acertado. Nosso inimigo continuará lá, porque não sabe quando vai parar. As forças israelenses levantaram no exato minuto, atacaram e conquistaram as trincheiras do inimigo".
Segundo o empreendedor, a situação fez com que ele aprendesse a levar seus compromissos extremamente a sério, especialmente em relação aos prazos. "Imagina se você levanta 15 segundos antes do tempo e leva uma série de bombas? Ou então um minuto depois do combinado, quando o inimigo já está esperando com a arma em punho?".

2. Tenha uma cultura de disciplina dentro da sua empresa
Engajamento e disciplina são palavras de ordem dentro do exército. Quando a empresa de Cygler se viu diante da crise econômica de 2008, esses ensinamentos foram fundamentais para que o negócio pudesse batalhar com gigantes. O ponto principal, segundo o empresário, é ter a discplina necessária para manter a coesão do negócio.
O empreendedor já escreveu um artigo sobre o assunto, chamado David e Golias. "São dicas muito práticas de como usar a experiência militar para implantar um sistema, e como isso funcionou. Um dos desafios engajar todos os membros da equipe", afirma.
Quatro pontos foram fundamentais para obter o comprometimento dos funcionários com as novas estratégias: engajamento intensivo dos sócios; treinamento e acompanhamento obssessivos; bonificações por resultados em grupo; e transparência total com a equipe. Com as medidas, o empreendimento ganhou eficiência nos serviços e pôde enfrentar grandes negócios.

3. Mais camaradagem e menos politicagem
Em Israel, o serviço militar obrigatório tem a duração de três anos. Quando um soldado vai para a reserva, serve de 40 a 65 dias todo ano. "Quando você vai para a reserva, reencontra-se com muita gente. Existe muita camaradagem: não há máscaras e nem jogo político".
Como essa relação impacta uma empresa? Segundo Cygler, a estratégia adotada no seu empreendimento foi ter um espírito empresarial diferente. "Todos ajudam todos e ninguém segura informação para si. Achei que era porque eu sou assim, mas vejo que isso é mais pela educação que tive. Esse espírito de companheirismo autêntico é desenvolvido ao longo de anos de serviço militar conjunto: não só quando há guerras, mas também na paz".

4. Sempre tenha um norte e uma bússola
No exército, você não vai a lugar nenhum sem um mapa, uma bússola e um norte. Em um negócio, esses três itens também são fundamentais, conta Cygler.
O mapa é, evidentemente, o mercado em que se atua. Já o norte é o objetivo do empreendimento. "Uma empresa tem que saber exatamente para onde ela vai. Caso contrário, cada um vai para um lugar e o negócio fica na mesma posição".
Mas não basta ter apenas a meta: é preciso ter uma bússola, porque é possível que a rota seja desviada diante de obstáculos. "A bússola é o conjunto de valores da empresa. O negócio não é uma chegada, mas sim o trajeto", afirma o empreendedor. Para ele, essa é a lição mais importante.
EXAME/montedo.com