18 de março de 2016

Ação das Licenças Especiais não gozadas: esclarecimento

MAURÍCIO MICHAELSEN
OAB/RS 53.005
Prezados leitores,
Tenho recebido muitas mensagens solicitando esclarecimentos sobre a questão das Licenças Especiais não gozadas, da propositura de ações para conversão em pecúnia e sobre as decisões judiciais.
As Licenças prêmio não gozadas tem jurisprudência a favor de conversão em pecúnia de outros militares da Brigada Militar ou servidores públicos que não gozaram o benefício até sua aposentadoria.
No tocante à Licença Especial deferida com base no art. 68 do Estatuto dos Militares, mas não gozadas pelo militar das Forças Armadas até o momento de sua passagem para a inatividade, o Exército fez incidir a regra de conversão em tempo de serviço ficto, em dobro, e não de conversão em pecúnia, por interpretação restritiva , quanto aos termos do Art. 33, caput, da MP 2.215-10/2001, in verbis:
“Art. 33. Os períodos de licença especial, adquiridos até 29 de dezembro de 2000, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de inatividade, e nessa situação para todos os efeitos legais, ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do militar.”
Destarte, nos termos da legislação de regência, a conversão dos períodos de licença especial em pecúnia somente seria admissível, em princípio, no caso de falecimento do militar.
Contudo, foge à razoabilidade jurídica que o servidor militar seja tolhido de receber a compensação pelo não exercício de um direito que incorporara ao seu patrimônio funcional e, de outra parte, permitir que tal retribuição seja paga a seus herdeiros somente no caso de seu óbito.
Ademais, também é verdade que a contagem em dobro (tempo ficto) não resultou em efeito prático algum para todos os militares que ultrapassaram mais de 30 anos de efetivo serviço, pois não houve a redução do tempo mínimo de serviço militar.
Não é outra a conclusão senão que restou caracterizado o enriquecimento sem causa da União, pois a adoção de tal inteligência, não albergada pelo artigo 33 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, prescinde de disposição legal expressa e não importa usurpação da competência do Poder Legislativo, porque resulta da aplicação do princípio que veda o enriquecimento ilícito da Administração Pública e da regra que prevê a responsabilidade civil objetiva do Estado, conforme previsão insculpida no artigo 37, § 6º, da Constituição Republicana, regrada pelo artigo 884 da Lei 10.406/2002 (Código Civil).
O Superior Tribunal de Justiça, em causas semelhantes, já tem pacificado o seguinte:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. EXPRESSA. PERÍODO NÃO GOZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE SERVIÇO. PREVISÃO LEGAL. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 
1. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença-prêmio e/ou férias não gozadas, em razão do serviço público, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração. 2. Agravo regimental não provido'. (AgRg no REsp 1360642/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 22/05/2013).


ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. INTERPRETAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. CONVERSÃO EM PECÚNIA. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. CARACTERIZAÇÃO.
1. A indigitada violação do artigo 884 do CC não é passível de ser conhecida, porquanto envolve interpretação de direito local (Lei Complementar Estadual n. 10.098/94), atraindo a incidência da Súmula 280/STF, segundo a qual por ofensa à direito local não cabe recurso extraordinário, entendido aqui em sentido amplo.
2. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença- prêmio e/ou férias não gozadas, independentemente de requerimento administrativo, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração. Precedentes.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 434.816/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 18/02/2014)

Já as primeiras causas propostas por militares do Exército no âmbito da Justiça Federal obtiveram decisão de procedência no TRF4, conforme se vê nas ementas abaixo:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MILITAR. LICENÇA-PRÊMIO NÃO-GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE.
1. O servidor militar, reformado sem ter usufruído da licença-prêmio, nem dela se valido para fins de aposentadoria, tem direito à conversão em pecúnia, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração.2. Se a legislação autoriza a conversão em pecúnia da licença não-gozada pelo servidor que vem a falecer, por idêntica razão deve-se poder pagá-la ao servidor militar vivo, quando já reformado, e sem qualquer possibilidade de gozá-la.
(APELREEX 5002752-29.2011.404.7014, Relator Nicolau Konkel Júnior, Terceira Turma, Data da Decisão 09/08/2013, D.E. 09/08/2013)

ADMINISTRATIVO. MILITAR. LICENÇA ESPECIAL NÃO-GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. 
O servidor militar reformado sem ter usufruído da licença especial (licença-prêmio) tampouco utilizado tal período para fins de inativação, tem direito à conversão em pecúnia, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração. (TRF4, AC 5001088-83.2013.404.7210, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 09/10/2014)

ADMINISTRATIVO. SERVIDORES. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. 
1) O termo inicial para contagem do prazo prescricional é a data em que o autor teve sua aposentadoria deferida. Precedentes do STJ. 2) Possibilidade de conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada e não contada em dobro para fins de aposentadoria, sob pena de configuração de indevido enriquecimento da Administração em detrimento dos interesses dos servidores. 3) Aplicam-se quanto à correção monetária e juros de mora, os índices de remuneração utilizados na remuneração das cadernetas de poupança, com o advento da Lei 11.960/2009, que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97. (TRF4, APELREEX 5002962-88.2013.404.7215, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 21/07/2014)


Todavia, a partir do julgamento da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5015528-98.2014.404.7000/PR, de Relatoria da Desembargadora Marga Inge Barth Tessler, se resolveu negar o direito pecuniário pretendido pelos militares, para assim atender os interesses financeiros da UNIÃO.

A partir daí eclodiu a mais total insegurança jurídica nas decisões judiciais, porque os demais membros do judiciário Federal passaram a copiar o entendimento para negar o direito adquirido. Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. MILITAR. LICENÇA ESPECIAL NÃO-GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. IMPOSSIBILIDADE. OPÇÃO QUE GEROU VANTAGEM AO MILITAR. INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO.
O servidor militar reformado sem ter usufruído da licença especial (licença-prêmio) tampouco utilizado tal período para fins de inativação, tem direito à conversão em pecúnia, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração. Todavia, verificando-se que o computo em dobro da licença especial não gozada beneficiou o militar, que passou a auferir adicional maior por tempo de serviço, não há que se falar em enriquecimento sem causa da Administração. Nesses casos, indevida conversão da licença prêmio em pecúnia, sob pena de gerar uma dupla vantagem ao militar que, além de ganhar o adicional por tempo de serviço por toda a sua vida, sendo inclusive repassado para eventual pensão, auferiria a pecúnia pela licença rêmio não gozada. (TRF4, AC 5015528-98.2014.404.7000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 30/04/2015)

A tese defendida pela UNIÃO, e que passou a ser abraçada sistematicamente pela Justiça Federal, é a de que "os militares se beneficiaram com o cômputo em dobro da licença especial não gozada, passando a auferir adicional por tempo de serviço de 1% (um por cento) em seu soldo, inexistindo, portanto, enriquecimento sem causa da administração".
Todavia, entendemos que não há qualquer razoabilidade ou legalidade na rasa interpretação, que visa apenas proteger os cofres da UNIÃO, pelos seguintes motivos:

1) A concessão de vantagem retroativa - adicional de tempo de serviço - pela administração militar, considerando apenas tempo ficto de serviço, não foi autorizada por LEI e é, portanto, ilegal.
As Licenças Especiais deferidas com base no art. 68 do Estatuto dos Militares – Lei 6.880/80, e que não foram gozadas pelo autor até o momento de sua passagem para a inatividade, com a alteração da Lei de Remuneração dos Militares, conforme o Art. 33, caput, da MP 2.215-10/2001, encontrou o seguinte tratamento:
“Art. 33. Os períodos de licença especial, adquiridos até 29 de dezembro de 2000, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de inatividade, e nessa situação para todos os efeitos legais, ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do militar.”
Não há qualquer norma infraconstitucional informando de que o tempo ficto deveria ser computado de forma retroativa à edição da Medida Provisória 2.215-10/2001 gerando ainda outros efeitos, tais como acréscimos nos vencimentos pelo aumento do adicional de tempo de serviço.
Se a administração militar criou interpretação diferente e extraordinária, obrigando aos servidores militares assinarem a um suposto “Termo de Opção”, e ainda fez retroagir o tempo de serviço ficto a fim de alcançar outro benefício extinto, denominado adicional de tempo de serviço, agiu de forma indevida e ilegal, pois agiu sem escoro legal.

2) O acréscimo de 1% sobre o soldo (adicional de tempo de serviço), por LE não gozada, é vantagem pecuniária muito menor que o gozo ou conversão em pecúnia da Licença Prêmio.
Ora, como é sabido, a remuneração dos militares é composta por soldo, adicionais e gratificações, conforme art. 1º da MP 2215-10/2001:
“Art. 1o A remuneração dos militares integrantes das Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica, no País, em tempo de paz, compõe-se de:
I - soldo;
II - adicionais:
a) militar;
b) de habilitação;
c) de tempo de serviço, observado o disposto no art. 30 desta Medida Provisória;
d) de compensação orgânica; e
e) de permanência;
III - gratificações:
a) de localidade especial; e
b) de representação.”

Levando-se em consideração a última remuneração do militar na ativa, para se obter o equivalente 12 remunerações integrais por 12 meses de 02 LE não gozadas, o militar teria que receber os “2%”sobre o soldo a título de acréscimo no Adicional (extinto) de Tempo de Serviço por um período equivalente a 120 anos de sua vida!
Senão, vejamos: 24% sobre o soldo por ano (em cinco anos teríamos o valor de um soldo, mas nem a metade de uma remuneração integral devida por não ter gozada a Licença Especial.

3) Não há que se falar em compensação de uma vantagem por outra por ausência de previsão legal que autorize.O Adicional de Tempo de Serviço concedido pela administração militar não é objeto da presente causa e não deve ser usado como fundamento que possa afastar um direito adquirido.
Ademais, esta matéria deveria ser objeto de investigação pelo TCU e pelo Ministério Público Federal, face a oneração dos cofres públicos pela administração militar, que fez conceder vantagem indevida sem autorização legal, considerando apenas um tempo ficto de serviço, que serviria apenas para a redução do tempo mínimo de efetivo serviço para passagem à reserva remunerada.
Não há qualquer norma ou lei que faça previsão expressa de uma ‘compensação’ de um direito por outro, e que não pode ser imposta por meio de simples interpretação pró-UNIÃO, seja administrativa, seja judicial.

E por tudo isso já foram interpostos os primeiros Recursos Especiais perante o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, estes que foram admitidos e aguardam julgamento.
Espera-se, portanto, que o STJ promova a JUSTIÇA negada pelo TRF4.
Assim, enquanto o STJ não se pronuncia sobre a questão, aconselha-se aos militares da reserva remunerada a não ingressarem com novas ações ainda, exceto se houver risco de PRESCRIÇÃO para a causa.
Já os militares que passaram a inatividade pela reforma militar, estes tem obtido solução positiva nas ações judiciais e devem ingressar com as ações judiciais.
A prescrição para ingressar com a ação se opera da seguinte forma: 5 ANOS, a contar da passagem para a reserva remunerada ou reforma.
Sugiro que - aqueles que ainda não completaram cinco anos de inatividade - aguardem o desenlace da matéria que será ainda decidida de forma definitiva pelo STJ.
Todavia, os militares que estiverem beirando à prescrição podem entrar com a ação para não perderem a oportunidade, mas cientes dos riscos de um resultado negativo para a causa, caso o STJ confirme o entendimento do TRF4.
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