14 de maio de 2016

STM condena suboficial por incêndio na Base Comandante Ferraz. Ou: porque não estou surpreso?

Na última quinta-feira (12), o STM condenou o Suboficial da Marinha Luciano Gomes de Medeiros pelo incêndio ocorrido na base brasileira na Antártica, em 25 de fevereiro de 2012. Luciano, que havia sido absolvido em primeira instância, foi condenado a dois anos de detenção em regime aberto.
A decisão contrariou o voto do relator, ministro Luis Carlos Gomes Mattos, que acompanhou a sentença da CJM de Brasília e não fez qualquer mudança. A maioria seguiu o ministro revisor, José Coêlho Ferreira, que votou pela condenação. De acordo com Coêlho, minutos antes do início do incêndio, o réu foi o responsável pela transferência de combustível dos tanques de armazenamento para os tanques de serviço, cujo transbordamento causou o incêndio.

Decisão correta, perfeita, adequada? Há controvérsias.
O episódio que causou a destruição da Base Comandante Ferraz foi o desfecho trágico de uma sucessão de erros apontados pela imprensa brasileira, como o blog destacou diversas vezes.
Confiram o comentário que republiquei em 30 de março de 2014, na postagem
Como ovelha para o sacrifício: suboficial da Marinha vai a julgamento pelo incêndio na estação da Antártida.
 
Comento
Em dezembro de 2012, quando o MPM denunciou então primeiro sargento Luciano Gomes Medeiros, publiquei um longo comentário aqui no blog; leiam novamente:

Num cenário de defasagem tecnológica, estrutura obsoleta, equipamentos de segurança inadequados, combustível (etanol) não testado, entre outras deficiências, aliadas a uma festa de despedida durante a qual foram servidas bebidas alcoólicas e há suspeita de que o alarme de incêndio tenha sido desligado, convenhamos, o erro do sargento Medeiros, constatado pelo MPM,  caiu do céu para o governo e o comando da Marinha. Senão, vejamos:

- Dias após o acidente, em 12 de março, o blog publicou denúncia do jornalista Cláudio Humberto:
Incêndio na Antártida: uso de etanol nos geradores de energia pode ter causado o acidente
Cláudio Humberto 
Antártida: etanol suspeito


Ao contrário das demais bases, que optaram pelo diesel ou por energia solar ou eólica, o Brasil usava etanol, mais explosivo, nos geradores de energia da base Comandante Ferraz, sem testes para homologação técnica. Isso pode ter provocado o incêndio que matou dois militares.


A Marinha silencia
O motogerador da base Comandante Ferraz, com etanol da Petrobras, foi acionado em janeiro pelo ministro Celso Amorim (Defesa). O projeto custou R$ 2,5 milhões. A explosão com etanol em grandes motores é mais rápida. Procurada por uma semana, a Marinha silenciou.
-  O reitor da Unisinos, Marcelo Fernandes de Aquino, declarou que a estrutura da base estava obsoleta e que “O País deveria oferecer um suporte mais adequado aos seus pesquisadores”.

- Outra notícia:
Água congelada nas mangueiras dificultou combate a incêndio na Estação Comandante Ferraz
Perguntinha básica: uma estação Antártica não deveria possuir um sistema que evitasse o congelamento da água nas mangueiras? 

- Em 21 de julho, uma notícia da Agência Estado publicada aqui dizia o seguinte:


No momento em que a base brasileira na Antártida começou a ser destruída por um incêndio, na madrugada de 25 de fevereiro, funcionários militares e civis da Marinha e cientistas de universidades brasileiras participavam de uma festa chamada Baile da Terceira Idade, na qual houve consumo de bebidas alcoólicas.
Mantida em sigilo tanto pela Marinha quanto pelo grupo de 31 cientistas que estavam na base Comandante Ferraz, a realização da festa, com bebidas como cerveja e vinho, foi investigada pelo inquérito policial militar (IPM) aberto no dia do desastre para apurar causas e responsáveis.
Como o alarme não disparou quando o incêndio começou, os encarregados pelo inquérito suspeitavam que o sistema pode ter sido desligado por ordem do comando da base. O objetivo seria não atrapalhar a festa. Na pista de dança há um mecanismo que espalha fumaça de gelo seco, como em uma boate. Os sensores são sensíveis e poderiam disparar, anunciando um falso incêndio.
Os cientistas não souberam responder nos depoimentos se os sensores foram desligados ou não, já que a decisão, se tomada, seria de atribuição militar. Alguns deles alegaram que sequer sabiam da localização do dispositivo que os desativava.
O IPM foi concluído e encaminhado em 15 de maio à 11.ª Circunscrição Judiciária Militar, "classificado como sigiloso, em atendimento ao Artigo16 do Código de Processo Penal Militar", de acordo com comunicado divulgado à noite pela Marinha. As perguntas encaminhadas à Marinha pelo Estado sobre as conclusões e a realização da festa não foram respondidas.

- Em 4 de março, publiquei no blog uma apresentação em PPT com texto do Capitão Tenente FN Geordandi Alves Barreto, formatado pelo Suboficial FN Roberto Oliveira de Carvalho, sob o título: Estação Comandante Ferraz: a verdadeira história! Lá, no slide 68, lemos:

"A estação está degradada por falta de uma manutenção aceitável. Recentemente, durante uma faina de reabastecimento de combustível, três tanques desabaram de suas bases apodrecidas, o que poderia ter causado um acidente ecológico grave decorrente do derramamento de óleo. Alguns sistemas vitais se encontram comprometidos: aguada, rede de esgotos, PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIOS e transferência de energia elétrica. Os módulos estão comidos pela ferrugem; equipamentos inoperantes ou funcionando naquela velha base brasileira do jeitinho; escadas perigosamente corroídas; anteparas em péssimo estado de conservação; os forros caindo aos pedaços..."
Bem, paro por aqui. O que transcrevi acima já é mais do que suficiente para afirmar: a Base Comandante Ferraz só continuava a cumprir sua finalidade por conta da dedicação e do profissionalismo de seus integrantes, pois há muito as condições de trabalho eram deficientes!  A Marinha sabia, o Governo sabia, e ninguém fez nada!
Ao contrário, procurou-se esconder os fatos, tal qual ocultou-se por dois meses o afundamento de uma chata com 10.000 litros de combustível ocorrido próximo à base e que por pouco não causou uma grande tragédia ecológica.
A possibilidade de que o sargento Medeiros seja condenado como único culpado e que se deixe de averiguar o conjunto de fatores que levaram à tragédia deve estar sendo recebida com alívio por muita gente nas esferas do poder.
Mal comparando, é o mesmo que condenar o cabo velho que faz meia dúzia de gambiarras para que sua velha viatura possa andar e depois é punido por se envolver em acidente de trânsito.
- Como uma viatura sucateada poderia estar na rua?
- Como a Base Comandante Ferraz continuava funcionando nas condições em que se encontrava?

Montedo 'Mãe Dinah'. Só que não!
Finalizando o comentário acima, escrevi:
Pelo que se vê, para alívio de muitos, Luciano será mesmo a ovelha sacrificada, para acalmar consciências e aplacar a ira dos deuses.
Pensando bem...
Nas Forças Armadas, certas coisas são absolutamente previsíveis.

Mais
Saiba mais no arquivo do blog sobre o incêndio na Base Comandante Ferraz