17 de agosto de 2016

Forças Armadas do Brasil investem R$ 43 milhões neste ano em atletas de ponta

BRUNO VILLAS BÔAS
LUIZA FRANCO
MARCO ANTÔNIO MARTINS
DO RIO
Das 11 medalhas conquistadas pelo Brasil até esta terça (16), nove vieram de atletas patrocinados pelas Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica).
Os nove medalhistas integram o programa de alto rendimento dos ministérios da Defesa e do Esporte, criado em 2008 e que apoia 670 atletas com soldo de R$ 3.200 mensais brutos, além de plano de saúde e odontológico. Somente neste ano, o programa investe R$ 43 milhões.
As exceções entre os medalhistas são o ginasta Diego Hipólito, 30, prata no solo, e o baiano Isaquias Queiroz, 22, prata na canoagem.
O programa foi criado para atrair atletas civis para reforçar os quadros das Forças Armadas durante os Jogos Militares de 2011, no Rio, e continuou neste ciclo olímpico.
Após o início do programa, o Brasil se tornou uma potência nos Jogos Militares. Em 2007, na Índia, havia ganhado três medalhas. Em 2011, liderou o quadro, com 45 medalhas de ouro.
Para receber o apoio, atletas precisam concorrer em editais públicos. Se aprovados, tornam-se militares temporários -terceiro-sargento do Exército, Marinha ou Aeronáutica. Eles passam a receber os benefícios dos militares da ativa.
Além do soldo e dos benefícios, os esportistas têm acesso a instalações militares para treinamentos, o que pode ser vantagem em algumas modalidades, como atletismo e tiro esportivo.
Segundo Felipe Wu, 24, prata na pistola de ar de 10 m nos Jogos do Rio, o apoio foi um "divisor de águas" para ele continuar praticando o tiro esportivo, modalidade que tem dificuldade para atrair patrocinadores.
Dispensado do serviço militar obrigatório, Wu tem contrato temporário como terceiro-sargento técnico desde 2013. O contrato tem prazo de um ano, mas pode ser renovado por oito consecutivos.
"Cada edital é para uma modalidade e não abre todo ano. Quando participei, só eu concorri, já que o tiro tem poucos praticantes. Outras modalidades foram mais concorridas. Eles avaliam currículo e teste prático", disse.
Para se tornar militar temporário, os atletas passam por um treinamento de 45 dias. Estudam a hierarquia militar, passam por teste físico, aprendem a marchar e a prestar continência.
Depois desse período, os atletas não vivem a rotina militar nem frequentam o quartel. São esporadicamente convocados para alguns eventos e obrigados a comparecer. A maioria nem frequenta as instalações militares.
Medalhista de prata na ginástica artística, Arthur Zanetti, 26, diz que seu clube em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, já oferece a estrutura que ele precisa para treinar, como técnico, fisioterapeuta e o restante da equipe.
"Eu simplesmente faço parte da Força Aérea Brasileira. Eles me ajudaram nesses últimos meses. Mas a minha rotina não mudou em nada. Dão apoio de grana, quando precisa de alguma coisa, para ter um bem-estar", disse o ginasta brasileiro.
"A Marinha me deu todo o suporte durante o período que estive afastado da seleção", conta o boxeador Robson Conceição, que é da Marinha e prestou continência no pódio ao receber o ouro nesta terça (18) à noite.
Conceição e Zanetti estiveram entre os seis medalhistas que fizeram o gesto na entrega de medalhas. Os atletas e a cúpula militar, contudo, dizem que não há obrigação de prestar continência.
"Não houve ordem. Foi um gesto espontâneo que foi contaminando a delegação no Pan do Canadá, em 2015. Para mim, cada gesto daquele significa uma medalha", diz o general Fernando Azevedo e Silva, comandante militar do Leste e um dos idealizadores do programa.
O técnico de Zanetti, Marcos Goto, não gostou do gesto, no entanto. Na segunda-feira (15), ele criticou a forma como as Forças Armadas incentivam o esporte.
"Pegar atleta pronto é muito fácil. Quero ver apoiar até a criança chegar lá", disse. Procurado por militares, porém, Goto voltou atrás. Ele disse que tomou conhecimento do trabalho das Forças Armadas com jovens.
Segundo o Ministério da Defesa, 21 mil crianças são atendidas em 89 cidades do Brasil no programa Forças no Esporte, que também é custeado pelas pastas de Esporte e Desenvolvimento Social. 
O programa custa R$ 25 milhões por ano, dinheiro que é usado na compra de alimentação e equipamentos. As aulas acontecem em unidades militares e são ministradas por voluntários ou membros das Forças Armadas.

MODELO
Marcus Vinícius Freire, diretor-executivo de Esportes do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e ex-jogador de vôlei, afirma que o soldo das Forças Armadas é uma das partes do modelo de financiamento dos atletas do país.
"Quando eu jogava vôlei, recebia salário do meu clube e aquilo cobria meus custos. Hoje não é assim. Os atletas recebem do clube, dos militares, e as bolsas Pódio e Olímpica [do governo federal]. E esse combinado paga seus custos", disse ele.
Com 145 atletas, as Forças Armadas têm 31% dos 465 brasileiros na Rio-2016.
É um contingente maior do que o registrado em Londres-12, quando eles representavam 20% dos 259 atletas da delegação brasileira.
O programa, aliás, está perto de atingir sua meta na Olimpíada do Rio: conquistar dez pódios, independentemente da posição.
"Esta meta era um sonho que se torna realidade. Após a Rio-2016, o foco estará nos Jogos Mundiais Militares, na China, em 2019, e na Olimpíada de 2020", disse o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que afirma que o programa será mantido no próximo ciclo olímpico.

REGRAS DO ATLETA MILITAR
- Atender às convocações feitas pelas Forças Armadas para a disputa de competições classificadas como relevantes para os militares;
- Apresentar relatórios sobre o treinamento esportivo;
- De acordo com as Forças Armadas, o atleta não é orientado a prestar continência quando estiver no pódio;
- O atleta é dispensado de exercer funções administrativas ou militares.
Colaboraram MARIANA LAJOLO e LUCAS VETTORAZZO, do Rio.
FOLHA DE SÃO PAULO/montedo.com