2 de dezembro de 2016

"Cachorro Louco": o melhor general de Trump

Os generais de Trump: ‘Cachorro Louco’ é o melhor deles
Futuro secretário da Defesa, o durão James Mattis poderá exercer um papel pedagógico na orientação do governo Trump
Vilma Gryzinski
“Caos”, “Cachorro Louco” e “Monge Guerreiro” – porque sempre foi casado apenas com os Fuzileiros Navais – são alguns dos apelidos do general James Mattis. Donald Trump o tirou da reserva, para a qual tinha passado com certa antecipação por discordâncias com o governo Obama, e o indicou como secretário da Defesa.
Ao contrário do que a aura de general durão pareceria indicar, Mattis pode ter uma influência calmante sobre Trump. Tipo soldado intelectual, com uma biblioteca de sete mil livro para provar, ele entende a importância do papel estabilizador dos Estados Unidos na ordem mundial, inclusive ou principalmente na Europa.
Durante a campanha, Trump reclamou dos aliados europeus e asiáticos que penduram sua conta de defesa nas costas enormes do amigão protetor. Nada muito diferente do que fazem todos os presidentes americanos, mas em termos inconvenientes e até perigosos.
Mattis, que leva sempre na bagagem as Meditações de Marco Aurélio, com os estóicos pensamentos do imperador romano, já atribuiu a bagunça no Oriente Médio à ausência de visão estratégica dos governos americanos “nos últimos vinte anos” – ou seja, o conjunto da obra de Bush filho e Barack Obama. Também considera o Irã o maior inimigo da estabilidade regional, o que evidentemente não o fez muito popular com o governo atual e o aproximou da turma de Trump.
Chefiar o Departamento de Defesa, a maior burocracia do universo, costuma ser missão para civis. Mattis precisará de uma autorização especial do Congresso porque está na reserva há menos de sete anos – uma cláusula destinada a proteger o controle das autoridades políticas sobre o estamento militar e sua eterna voracidade, não por guerras, mas por verbas.
Mattis terá que dividir espaço com outro general da reserva, Michael Flynn, o futuro assessor de Segurança Nacional, e talvez até com David Petraeus, sondado como possível secretário de Estado. Flynn é mais linha dura em relação ao islamismo e já andou falando bobagens.
Petraeus, a maior estrela dessa geração, que dividiu estratégias inteligentes com Mattis no Iraque e no Afeganistão, tem uma mancha indelével na ficha. Como diretor da CIA nomeado por Obama, envolveu-se com uma oficial de olhos azuis que estava escrevendo sua biografia e acabou por abrir o tamanho do buraco onde se enfiou. Passou a ela uma enorme quantidade de informações sigilosas e teve que renunciar. Foi condenado na justiça, com multa e sentença suspensa.
O papel pedagógico de Mattis sobre Trump pode ser facilitado pelo estilo desbocado do general, venerado pela tropa e ecoado em redes sociais e tatuagens. Sua frase mais conhecida foi inspirada em outro comandante romano histórico, Sula. “Provem que ‘não existe melhor amigo nem pior inimigo’ do que um fuzileiro naval americano”, escreveu ele em sua famosa ordem do dia antes da invasão do Iraque.
Quando a ocupação desandou, ele e Petraeus desenvolveram a estratégia de se aproximar de líderes tribais sunitas, para fazê-los mudar de lado com argumentos, dinheiro e uma linguagem que entendem bem, a do poder. Numa dessas reuniões, Mattis disse: “Não trago artilharia, venho em paz. Imploro aos senhores, com n nos olhos, que não ferrem comigo porque, daí, vou matar todo mundo”. A palavra que usou não foi exatamente ferrem.
Outra frase de Mattis que os marines amam aconteceu quando ele bateu nas quatro estrelas no ombro e falou grosso: “Isso aqui não me traz stress. Aliás, eu crio o stress”. Mas o excesso de ombros estrelados, além da imprevisibilidade de Trump, pode provocar atritos estressantes no futuro governo.
Nenhum general chega onde ele chegou sem conhecer as encrencas da burocracia e do poder. Mas Mattis certamente precisará de muito estoicismo para chefiar o Pentágono da era Trump. Escreveu seu autor predileto: “Tudo o que acontece é tão normal e já esperado como a rosa na primavera ou o fruto no verão; isto é verdade para a doença, para a morte, para a calúnia, para a intriga e para todas as outras coisas que deliciam ou incomodam os tolos”. Ainda bem Mad Dog Mattis, o Cachorro Louco dos marines, nunca larga de Marco Aurélio.
Mundialista (Veja)/montedo.com