Histórias de Quartel
Corda Tronco
Ruben Barcellos de Mello
Há um ritual na caserna: os mais modernos são escalados pra apresentar felicitações ou saudações a quem chega na Unidade. Mas as piores "missões" são as que incluem as partidas. Fui escalado, uma vez, pra uma dessas, para meu amigo Dourado:
Poucas coisas são mais doloridas do que uma despedida – achar o cargueiro pastando tranquilamente nas baias, com os arreios pendurados na barriga, talvez.
Mas servir na Cavalaria, tem suas vantagens - os cavalarianos sabem que podem encostar a cabeça num monte de alfafa e dormir como um beiçudo com cólica – em pé!
Quando o clarim tocar amanhã cedo, teus olhos vão procurar o relógio que te despertou tantas vezes, para pagar a forragem. Mas a forragem não será paga por ti - não precisas mais entrar na baia com receio de um coice, nem chamar o cavalariça que sumiu bem na hora do milho. E estas obrigações que foram o teu praguejar, meu amigo, serão tua saudade.
Quando alguém te pedir teu equipamento de volta, vão te pedir um pedaço da tua alma e vais ter que entregar.
Quando alguém te disser “boa viagem”, tu verás a estrada se estreitando e apertando teu coração. Porque tuas melhores lembranças ficarão cobertas pela poeira do tempo que nunca se repete. Vais sentir a boca seca e as mãos molhadas. Vais querer ficar um pouco mais, reter o dia, retardar a hora.
Sem tempo para ficar e sem forças pra resistir, Deus não te dará a certeza da vitória, Ele só te diz – que são horas de ir!
O dia D te encontrará mais fragilizado, porque tu já entregaste tua sela, os estribos e a barbela cheirando a Brasso. A manta de pano alvadio, entremeada de pelos, perdeu o negrume da mocidade, como teus cabelos. O nobre amigo vem quando lhe dizes “olá”, conhecendo tua voz. Tu chegas, acaricia suas ganachas, ele arregaça as ventas e vocês dois – que foram um só na hora do pega – serão saudade que não passa.
Se lembra? dizes, decorei o número do teu casco enquanto memorizavas meu cheiro e o som dos meus passos.
Eis que chega o dia de cruzar os loros e polir esporas.
É hora de limpar as ranilhas e ripar a cola. Parece que o tempo voou, maluqueceu de vez e enferrujou nossas lanças.
Chegou a hora de desamarrar a corda tronco e libertar nossos corcéis.