11 de junho de 2017

MPF quer anular leis que autorizam Forças Armadas a vender imóveis sem licitação e questiona transações com a FHE/Poupex

MPF pede anulação de leis da ditadura que autorizam Forças Armadas a vender imóveis sem licitação
'Imagine se todos os órgãos da União começaram a alienar o patrimônio federal?', questiona procurador; Exército disse que faz remanejamentos patrimoniais e que segue a lei.
Por Roberta Steganha, G1 Campinas e região
O Ministério Público Federal (MPF), em Campinas (SP), pediu a anulação de três leis em vigor que autorizam às Forças Armadas a dispensar licitação na venda ou permuta de imóveis. Segundo o procurador da República Edilson Vitorelli, a legislação, que foi implantada durante a ditadura, é incompatível com a Constituição Federal de 1988.
"São leis que permitem que um imóvel que está com o Exército, por exemplo, se ele não tem mais o que fazer com aquele imóvel, ao invés dele transferir para outro ente da administração permitem que ele por conta própria venda esse imóvel [...] A gente não vê nenhuma razão para que ele tenha um tratamento diferente dos demais órgãos públicos. Imagine se todos os órgãos da União começaram a vender o patrimônio federal? Seria obviamente um caos gerencial", explica.
Ainda de acordo com o procurador, essas leis já serviram para embasar, ao menos, duas transações irregulares do Exército com a Fundação Habitacional do Exército (FHE). Por isso, um pedido de anulação destes dispositivos legais foi encaminhado para o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, a quem cabe avaliar se apresenta ou não o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Leis
O MPF questiona duas leis, a 5.651/70 e a 5.658/71, que dizem que a alienação de imóveis da União sob a guarda do Exército, Marinha e Aeronaútica está condicionada apenas ao aval das próprias instituições.
Além disso, contesta também a lei 6.855/1980, que criou o FHE em 1980 para a construção de moradias aos militares, e instituiu uma série de prerrogativas que privilegiam a instituição no recebimento de imóveis.
Além de permitir a doação desses bens à entidade, o dispositivo autoriza ainda que a FHE os utilize ou aliene livremente. A legislação estabelece também que os imóveis postos à venda poderão ser oferecidos prioritariamente à fundação, antes de qualquer procedimento licitatório.
"Se ele não tem mais utilidade, ele tem que cair na regra geral que a alienação é autorizada pelo poder legislativo e pelo presidente da República, que são os chefes e que são os gestores do patrimônio público federal", argumenta Vitorelli.
Segundo o MPF, as três leis contrariam a Constituição em artigos que tratam da conservação do patrimônio público, da necessidade de licitação e da preservação do meio ambiente, já que não impõe restrições para a alienação de bens situados em áreas verdes.
"Quando o Exército se comporta como se ele fosse uma pessoa diferente do governo, ele coloca em risco a própria gestão do patrimônio do governo [...] Essas normas geram uma situação de caos gerencial que é incompatível com a regra da Constituição de 1988, caos esse dado pelo fato de que um órgão público pode alienar patrimônio sem o dono saber", explica o procurador.

Fazenda Remonta
Uma das transações irregulares envolve a Fazenda Remonta, que pertence ao Exército. A área tem 1,6 milhão de metros quadrados e fica entre Campinas (SP) e Valinhos (SP).
Segundo o MPF, o Exército usou a lei 5.651/70 para, em 2004, firmar sem licitação um contrato de promessa de permuta com a FHE, que pretendia destinar o espaço para empreendimentos imobiliários.
Os lotes que seriam transferidos foram avaliados pelo próprio Exército em R$ 12,4 milhões, valor abaixo do mercado. Em troca, a Fundação assumia o compromisso de realizar obras e serviços de engenharia em instalações militares.
"O Exército achou que não tinha mais utilidade aquela parcela da fazenda e ele vendeu. Esse caso está na Justiça e foi esse o caso que inspirou essa argumentação pela inconstitucionalidade dessas leis, porque o Exército não tem personalidade jurídica diferente do governo federal", afirma o procurador.
Em 2012, o MPF ajuizou uma ação civil pública para impedir que a permuta se concretizasse. Além do subfaturamento do terreno e da falta de avaliação sobre a efetividade das contrapartidas da FHE, a Procuradoria apontou os riscos ambientais que a alienação do imóvel representava, já que ela é vizinha a uma unidade de conservação do estado.
"A área que foi vendida é uma área extremamente importante ecologicamente para a região. O foco da ação que está tramitando aqui é o risco ambiental que essa venda causou", explica Vitorelli.
Dias depois do ajuizamento da ação, a Justiça Federal acolheu os pedidos do MPF e impediu a transferência ao bloquear liminarmente as matrículas dos lotes.

Morro do Farol
O outro caso onde o MPF encontrou indícios de irregularidades ocorreu na alienação de um terreno do Exército conhecido como Morro do Farol, em Osasco (SP).
Nessa transação, um contrato de permuta viabilizou a aquisição da área pela FHE ainda em 2004 por R$ 14,9 milhões. Em 2007, um laudo independente calculou em R$ 20,2 milhões o valor do imóvel.
No ano seguinte, a FHE vendeu o espaço à Universidade Federal de São Paulo por R$ 25 milhões, uma valorização de quase 70% sobre a quantia inicial em menos de quatro anos.
"O caso de Osasco é um problema patrimonial. O Exército faz essa venda e 4 anos depois a pessoa que comprou vende por um valor 70% maior e você tem um ganho que poderia ter sido do governo federal e não foi, que acabou sendo privatizado para uma fundação que é ligada ao Exército e que apesar de ser ligada ao Exército é uma fundação privada", ressalta o procurador.
Um inquérito em andamento na Procuradoria da República em Osasco apura as circunstâncias dessa transação.

Remanejamentos
Em nota, o Exército informou que para cumprir sua missão constitucional promove remanejamentos patrimoniais que não atendam mais suas necessidades.
A instituição disse ainda que os ativos adquiridos nesses procedimentos são utilizados na racionalização de bens e na reestruturação do Exército e são previstos em lei.
O Exército afirmou também que o comandante da instituição é o agente público com competência para alienar os imóveis da União destinados ao Exército Brasileiro e tem poder decisório sem necessidade de consulta a qualquer outro órgão.
Além disso, destacou que contrato celebrado entre o Exército e a FHE pautou-se pela lisura plena.

Veja abaixo a nota do Exército na íntegra.
O Exército Brasileiro (EB), a fim de bem cumprir sua missão constitucional, promove remanejamentos patrimoniais. Nestes remanejamentos, a Instituição negocia bens imóveis cuja utilização ou exploração não atendam mais suas necessidades. Os ativos adquiridos com os citados procedimentos são utilizados na racionalização de bens e na reestruturação do Exército. Esse procedimento é previsto na Lei nº 5651/70.
O Comandante do Exército é o agente público com competência para alienar os imóveis da União destinados ao Exército Brasileiro, conforme entendimento do STJ sobre a Lei 5.651/70, que dispõe sobre a alienação de bens da União jurisdicionados ao Exército. Assim sendo, o Comandante do Exército tem poder decisório sem necessidade de consulta a qualquer outro órgão público.
O contrato celebrado entre o Exército e Fundação Habitacional do Exército (FHE) consiste na alienação, mediante permuta, celebrada nos termos da Lei 9636/98, Lei 5651/70, Lei 6855/80 e demais normas pertinentes e vigentes atualmente.
Importante atentar que foi consultada a unidade da Advocacia Geral da União (Consultoria Jurídica da União - CJU - Estado de São Paulo), atual responsável pela consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo, nos termos da LC 73/93, a qual aprovou a avença.
Nestes termos, cabe destacar que a operação realizada pautou-se pela lisura plena, não cabendo portanto qualquer ilação quanto à legalidade do ato.
Cabe a todos os brasileiros cumprirem o que determinam as leis em vigor. A discordância de seus conteúdos deve ser debatida e propostas alterações àquelas leis via Congresso Nacional.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal, após ação formalizada, julgar a constitucionalidade das leis anteriores a promulgação da Constituição Federal aprovada em 1988.
O Exército Brasileiro e seus integrantes pautam sua conduta no rígido e irrestrito cumprimento da legislação vigente, fator que garante à Instituição altos índices de credibilidade e respeito junto à população brasileira.
Cumpre destacar, ainda, que o Exército não compactua com qualquer tipo de irregularidade praticada no seu meio, repudiando veementemente fatos desabonadores da ética e da moral que devam estar presentes nos atos praticados pela Instituição e na conduta de todos os seus integrantes.

O G1 procurou também a Marinha e a Aeronaútica, mas os órgãos não se manifestaram sobre o assunto até a publicação da reportagem.
G1/montedo.com