7 de julho de 2017

Procuram-se inimigos para o Exército Brasileiro

Forças Armadas estão se tornando uma força policial, e sem agilidade para proteger os recursos naturais do País
The Economist
Poucos lugares evidenciam tão bem o papel desempenhado atualmente pelo Exército brasileiro como Tabatinga, cidade de 62 mil habitantes situada na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Protegida pela Floresta Amazônica, a região nunca foi alvo de disputas militares e permanece em paz desde que, no século 18, os colonizadores portugueses ergueram ali um forte, hoje em ruínas. Mas o comandante local, Júlio Nagy, tem outros tipos de ameaças com que se preocupar. Em fevereiro e março, suas tropas interceptaram 3,7 toneladas de maconha. No ano passado, destruíram uma pista de pouso construída por mineradores ilegais de ouro. No interior de um pequeno zoo administrado pelo Exército, vez por outra se ouvem os gritos de araras capturadas nas mãos de traficantes.
A última vez que se teve uma grande cidade brasileira atacada foi em 1711, quando o Rio permaneceu alguns dias sob o domínio de um corsário francês. Um documento oficial do Exército afirma que, “no momento, o Brasil não tem inimigos”. Na ausência de vizinhos beligerantes ou insurreições armadas, e sem cultivar ambições no exterior, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, admite que as Forças Armadas do País “não exibem os atributos militares clássicos”.
Os estrategistas brasileiros dizem que a falta de adversários militares não é justificativa para economizar nos gastos de Defesa. Muitas vezes, falta poder de fogo às polícias estaduais para enfrentar as quadrilhas criminosas que operam em áreas de fronteira. Além disso, o Brasil quer dispor no futuro de poderio militar suficientemente dissuasório para afugentar estrangeiros que cobicem seus recursos naturais. Não é barato manter o controle sobre uma vasta área de fronteira, que se estende por diversos tipos de terreno. Apesar disso, novas ameaças exigem novas respostas. E a alta hierarquia militar diz que, nas condições atuais — com uma tropa de baixa qualificação, mal equipada, executando com frequência cada vez maior funções de policiamento de rotina — as Forças Armadas brasileiras não têm como cumprir os objetivos que lhes são atribuídos pelas autoridades civis.
Com 334 mil homens a sua disposição, o governo brasileiro precisou encontrar formas de ocupá-los. O Brasil lidera, por exemplo, a missão da ONU no Haiti, para a qual contribui com 1.277 “capacetes azuis”. Mas isso é apenas pouco mais do que o número de soldados enviados pelo vizinho Uruguai, cuja população é menor que a de nove cidades brasileiras.
Os militares têm competência legal para atuar preventiva e repressivamente numa faixa de 150 km das fronteiras terrestres. Quadrilhas internacionais há muito atuam nessas áreas: estacionado junto ao zoo de Tabatinga, há um avião cargueiro que se diz ter pertencido ao traficante Pablo Escobar.
O Exército também é responsável por operações mais especificamente voltadas para a “Garantia da Lei e da Ordem”, e com frequência se faz presente em eventos como eleições ou a Olimpíada de 2016. A questão é que os militares estão se envolvendo cada vez mais com atividades policiais de rotina. Ainda que menos de 20% dos pedidos de envios de tropas federais sejam atendidos, esse tipo de operação representa fatia crescente na carga de trabalho do Exército. No ano passado, os soldados brasileiros passaram 100 dias patrulhando as ruas de algumas cidades do País — o dobro do tempo em que haviam feito isso ao longo dos nove anos anteriores.
A maioria dos brasileiros não parece se incomodar com a tendência. Só que os militares desejam para si papel muito diverso. Versão preliminar de um documento do Exército fala muito pouco em “ameaças” específicas, mas se estende longamente sobre “capacidades” desejáveis. O Brasil precisa fundamentalmente proteger suas riquezas naturais, propõe o texto.
Reorganizar as Forças Armadas com base nessa prioridade é uma tarefa formidável. Antes de mais nada, o País terá de fortalecer sua capacidade de policiamento. Jungmann propõe a criação de uma guarda nacional permanente, com um contingente inicial de 7 mil homens. O presidente Michel Temer apoia a ideia.
Mas isso é só um primeiro passo: dois terços das forças terrestres brasileiras têm contratos de trabalho limitados a oito anos de duração, restringindo sua profissionalização. Três quartos do orçamento militar são consumidos com o pagamento de salários e aposentadorias, deixando uma quantia irrisória para equipamentos e manutenção. Nos Estados Unidos, a proporção é inversa.
Em 2015, os brasileiros abandonaram iniciativa conjunta com a Ucrânia para a construção de um veículo de lançamento de satélites. O submarino nuclear que o País começou a construir em 2012, a um custo de R$ 32 bilhões, está longe de ser concluído. O único porta-aviões de que a Marinha brasileira dispunha, que vivia no estaleiro, foi aposentado de vez em fevereiro.
Em períodos de austeridade, até operações rotineiras sofrem com a escassez de recursos. Uma unidade militar de fronteira, em Roraima, recebe suprimentos apenas uma vez por mês, enviados por um avião da FAB. Em razão disso, seu comandante, o general Gustavo Dutra, é obrigado a contar com os serviços de uma transportadora aérea privada, cuja hora de voo custa R$ 2 mil. Em janeiro, o Exército foi acionado para debelar um motim em uma penitenciária do Estado. Com as finanças estaduais em petição de miséria, o general Dutra teme que seus homens tenham de entrar em ação novamente em breve. / TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER
O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
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