22 de agosto de 2017

Esportista, chef e surfista: como viviam militares suspeitos de forjar aposentadorias por invalidez

Muletas só no serviço
ZH teve acesso à investigação principal do esquema de fraudes que pode ter gerado prejuízo superior a R$ 1,1 bilhão às Forças Armadas

Humberto Trezzi
A sargento das Forças Armadas sofreu uma queda e conseguiu se aposentar, precocemente, por invalidez. Comparecia de muletas para fazer a perícia médica na clínica do Exército situada na Avenida João Pessoa, em Porto Alegre. O que ela não sabia é que estava sendo filmada. Foi aí que policiais federais conseguiram gravar vídeos com a jovem se exercitando em academia e correndo pelas ruas, sem qualquer indisposição.
À esquerda, imagens feitas quando investigada se encaminhava para perícia médica; à direita, a militar chegando em casaFoto: Reprodução
— As muletas só eram usadas na hora da perícia — resume um delegado da Polícia Federal que atuou na Operação Reformados, desencadeada na última segunda-feira no Rio Grande do Sul. A ação desbaratou um esquema de aposentadorias fraudulentas nas Forças Armadas que pode ter gerado prejuízo de R$ 1,1 bilhão, apenas no Estado, conforme cálculo da Advocacia-Geral da União (AGU).
A Operação Reformados é uma iniciativa conjunta do Exército, Aeronáutica e Marinha, do Ministério Público Militar, da Polícia Federal e da AGU. É a primeira etapa de anos de investigações sobre militares temporários que se licenciavam para tratamento de saúde e, posteriormente, conseguiam via judicial reintegração às Forças Armadas. Sem trabalhar, já que eles alegavam problemas de saúde e conseguiam reforma (aposentadoria), com soldo vitalício. O cálculo é de que 498 pessoas tenham se beneficiado da fraude, que seria capitaneada por advogados — os nomes dos beneficiários sob suspeita não foram divulgados.
Um deles, Clodomiro Pereira Marques, com escritório em Canoas, é o principal alvo da operação e foi detido após ter prisão preventiva decretada pela Justiça Militar. Ex-oficial da Aeronáutica, ele se intitula especialista em Direito Militar e Previdenciário. Ele indicaria cinco médicos para que o cliente obtivesse laudos de doenças incapacitantes. A partir desses laudos, era construído um processo judicial que visava à reintegração do suposto doente às Forças Armadas, com aposentadoria por incapacidade para o serviço. Todos esses médicos são investigados pela PF, assim como os aposentados por eles.
Zero Hora teve acesso à parte principal da investigação iniciada dentro das Forças Armadas, com os 30 maiores suspeitos de simulação de doenças. São todos militares temporários, que foram reformados (conseguiram se aposentar, recebendo vitaliciamente). Eles tiveram aposentadoria negada em decisões administrativas dos quartéis, mas apelaram para a Justiça comum e obtiveram decisões favoráveis.
Em 18 desses casos, a alegação é de "problemas psicológicos". Dentre os transtornos alegados estão esquizofrenia, esquizofrenia paranoide e alienação mental, mas a maior parte das aposentadorias obedece à justificativa genérica "problemas psicológicos".
Conforme as investigações, esses militares eram orientados pelos médicos a simular desleixo, depressão e até tendências suicidas, na hora de realizarem a perícia marcada pelo serviço de saúde das Forças Armadas.
— Alguns deixavam barba e cabelo crescer, simulavam um ar ausente, não tomavam banho, usavam roupas puídas. Apenas na hora de realizar a perícia médica. Assim que passavam pela avaliação, voltavam para casa e retomavam vida normal — descreve um oficial das Forças Armadas que atuou na investigação.
Os suspeitos foram seguidos pelos serviços secretos do Exército, Aeronáutica e Marinha. Os resultados foram repassados à AGU e à PF, que ampliou a investigação. A suspeita é de que o esquema ocorra não apenas no Rio Grande do Sul, mas em todo o país.

Confira aqui os principais casos investigados:
O surfista – Ex-soldado da Aeronáutica, ele alegou problemas psíquicos para conseguir a aposentadoria por invalidez. Só que foi flagrado praticando surfe, dirigindo carro de luxo, sua carteira de motorista está em dia (não há menção a problemas psíquicos no exame) e fotos nas redes sociais o exibem bebendo álcool e em festas.

O esportista – Militar aposentado por problemas psiquiátricos, reside em Canoas e pratica esportes variados. Possui carteira de motorista, dirige carro e não apresenta histórico de problemas com a família ou discussões.

Gerente de restaurante – Militar aposentado por problemas psiquiátricos, é gerente e chef de um restaurante, em parceria com sua mulher. É lutador de artes marciais, possui carro e dirige – apesar dos alegados problemas psíquicos.

O médico – Suboficial da Aeronáutica, alegou problema num braço para se aposentar precocemente. Posteriormente, agregou problemas psicológicos. Após a aposentadoria, fez faculdade no Exterior e tenta validação do diploma no Brasil. Fotos nas redes sociais o mostram em festas, viagens de turismo, restaurantes, praias, sempre sorridente.

CONTRAPONTO
O que diz o advogado Clodomiro Pereira Marques:
Ele ficou em silêncio ao ser preso. O seu advogado, Nedy de Vargas Marques, disse aos policiais que precisa ler a investigação antes para depois se pronunciar. Ele não foi localizado por ZH.
ZERO HORA/montedo.com