26 de dezembro de 2017

'Homens-foguete': Conheça a equipe que constrói os mísseis nucleares da Coreia do Norte


28.mai.2017 - O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, observa teste de um novo tipo de defesa antiaérea, em foto divulgada pela agência estatal de notícias do país
28.mai.2017 - O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, observa teste de um novo tipo de defesa antiaérea, em foto divulgada pela agência estatal de notícias do país.(KCNA-Reuters)
The NYT
Choe Sang Hun, Motoko Rich, Audrey Carlsen e Natalie Reneau
Quando o líder norte-coreano, Kim Jong-un, comemorou o lançamento de um novo e poderoso míssil, no mês passado, estava cercado por um grupo de altos cientistas e autoridades. A mídia estatal não os identificou, mas todos já foram vistos com Kim antes.
Esses homens --conhecidos por apelidos como a "dupla nuclear" e o "quarteto dos mísseis"-- construíram um míssil balístico intercontinental que parece capaz de atingir qualquer cidade nos EUA, uma façanha de física e engenharia que surpreendeu o mundo. 
Com apenas 33 anos, Kim é impiedoso na consolidação do poder e já executou dezenas de autoridades, inclusive o próprio tio. Mas ele cobre os cientistas de seu regime de adulações e incentivos, transformando-os em heróis públicos e símbolos do progresso nacional. 
"Nunca ouvimos falar que ele mate cientistas", disse Choi Hyun-kyoo, um pesquisador graduado na Coreia do Sul que dirige o NK Tech, um banco de dados de publicações científicas da Coreia do Norte. "Ele é uma pessoa que entende que tentativas e erros fazem parte da ciência." 
Analistas ainda tentam explicar como a Coreia do Norte conseguiu superar décadas de sanções internacionais e fazer tanto progresso tão rápido. Mas está claro que a nação acumulou uma base científica significativa, apesar de sua imagem de atrasada.
Cada um de seus seis testes nucleares foi mais poderoso que o anterior, reforçando a estatura de Kim em seu país e sua influência no exterior. Mas não está claro se o Norte conseguiu a tecnologia necessária para manter uma ogiva nuclear intacta quando ela faz a reentrada na atmosfera terrestre.



Adoração da ciência 
Kim elevou a ciência a um ideal na propaganda do regime e pôs à mostra seu apreço por cientistas e engenheiros em demonstrações por todo o país. Isso é muito diferente da prática de seu antecessor e pai, Kim Jong-il, que preferia enfatizar o cinema e as artes como instrumentos de propaganda. 
Quatro anos depois de subir ao poder, em 2011, Kim Jong-un abriu uma avenida de seis pistas em Pyongyang conhecida como Rua dos Futuros Cientistas, com torres de apartamentos reluzentes para cientistas, engenheiros e suas famílias.
Ele também inaugurou um amplo complexo em forma de átomo que exibe as conquistas do país em ciência nuclear. Bailes extravagantes são realizados para comemorar o progresso científico.
Não há muita dúvida do que está por trás da paixão de Kim pela ciência. Em cartazes de propaganda onipresentes, os foguetes norte-coreanos sobem ao espaço e caem sobre o Capitólio dos EUA. 
Depois de testes bem-sucedidos, os cientistas e engenheiros são homenageados com enormes manifestações nas ruas. A caminho de Pyongyang, comboios de carros oficiais passam por multidões em ovação.
"Eles já são bastante sofisticados em metalurgia, engenharia mecânica e, até certo ponto, em química", áreas ligadas às necessidades civis e militares do país, segundo Joshua Pollack, um pesquisador sênior no Instituto Middlebury de Estudos Internacionais em Monterey, na Califórnia. 
A Coreia do Norte importou trabalhos e publicações científicas do Japão durante décadas. E quando envia estudantes para o exterior ordena que eles copiem literatura científica e a levem para seu país, disse Michael Madden, que dirige o site North Korea Leadership Watch [observação da liderança da Coreia do Norte]. 
As sanções da ONU proíbem o ensino de material científico com aplicações militares a estudantes norte-coreanos. Mas a Coreia do Norte ainda envia estudantes para países como China, Índia e até Alemanha, segundo analistas e relatórios da ONU. 
A internet também foi uma mina de ouro para o Norte. Apesar de o Estado proibir o acesso do público, permite que cientistas de elite vasculhem a web por dados de fonte aberta, sob a vigilância de guardas de segurança. O Norte também construiu bibliotecas digitais de material aprovado que são acessíveis a todo o país. 
A Coreia do Norte canaliza seus principais estudantes de ciências para projetos militares. Os escolhidos para o programa nuclear e de mísseis são realocados de suas cidades e podem voltar em visitas somente com vigias do governo, segundo desertores e analistas.
Mas eles também ganham melhores rações alimentares e tem acesso ao design de armas e peças obtidos pelos espiões e hackers do país, que se concentraram nas antigas Repúblicas soviéticas.

Rostos conhecidos
Cientistas e engenheiros também gozavam de privilégios especiais sob o avô de Kim, Kim Il-sung, que lutou para reconstruir a Coreia do Norte das ruínas da guerra da Coreia. Ele acolheu os que estudaram no Japão quando a Coreia era uma colônia japonesa e mais tarde enviou centenas de estudantes à União Soviética, Alemanha Oriental e outros Estados socialistas. 
Um deles foi So Sang Guk, um cientista nuclear que surgiu como uma figura chave no programa nuclear do país, mas estaria aposentado. Desde que assumiu o poder, Kim Jong-un parece ter conduzido uma troca de gerações no topo do programa de armamentos, promovendo um grupo de cientistas e oficiais sobre os quais pouco se sabe.
Ele tende a destinar autoridades a diferentes projetos, deixando-os competir por sua atenção e favor. Mas analistas identificaram seis personagens que apareceram com frequência ao lado de Kim em momentos chaves --quatro ligados ao desenvolvimento de mísseis e dois associados a testes nucleares. 
Kim ao lado do grupo de militares conhecido como "quarteto dos mísseis": Kim Jong-sik (2º à esq.), Ri Pyong-chol (3º à esq.), Jon Il-ho (2º à dir.) e Jang Chang-ha (1º à dir.) (KCNA-Reuters)
Dois membros do "quarteto dos mísseis" são cientistas, segundo a mídia estatal. Jang Chan Ha, 53, é presidente da Academia Nacional de Ciência da Defesa, e Jon Il Ho, 61, é comumente descrito como uma "autoridade no campo da pesquisa científica". 
Ri Pyong Chol parece ser o membro mais destacado do quarteto. Um ex-oficial comandante da Força Aérea, ele serve como primeiro vice-diretor do Departamento de Indústria de Munições do Partido dos Trabalhadores, no governo. 
Kim Jong Sik, 49, começou a aparecer com Kim Jong-un em fevereiro de 2016 e tem formação em engenharia. Sua ascensão coincidiu com a aceleração dos testes de lançamento, mas ele e Ri não participaram do lançamento do mês passado.
Kim Jong Un inspeciona o programa de armas nucleares com Ri Hong Sop (conversando com Kim, à esquerda) e Hong Sung Mu (1º à dir.), conhecidos como a "dupla nuclear" (KCNA-Reuters)
Ri Hong Sop, diretor do Instituto de Armas Nucleares da Coreia do Norte, é uma importante figura do programa nuclear. Ele está na lista negra da ONU desde 2009. Hong Sung Mu, o outro membro da "dupla nuclear", é um "ex-engenheiro chefe do complexo nuclear de Yongbyon, local de nascimento do programa de armas nucleares do Norte. 
A Coreia do Norte também recrutou cientistas da antiga União Soviética, oferecendo salários de até US$ 10.000 por mês, segundo Lee Yun Keol, um desertor que dirige o Centro de Serviços de Informações Estratégicas da Coreia do Norte em Seul, na Coreia do Sul, e estudou a história do programa nuclear do Norte. 

Figura paterna
Pouco é deixado ao acaso na propaganda relacionada ao programa de armas. Até o menor detalhe pode ser carregado de importância.
"Ao lançar foguetes e tratar os cientistas como astros, Kim Jong-un dá às pessoas uma sensação de progresso", disse Lee. "Não é apenas um projeto militar, mas também um estratagema político."
A visita anual de Kim ao mausoléu de seu avô é o ritual mais importante desse regime dinástico. A proximidade do quarteto de mísseis com ele no evento em julho foi um sinal de sua posição elevada. 
Em fotos do evento, especialistas em mísseis eram vistos compartilhando cigarros com Kim após o lançamento do míssil no mês passado --um privilégio quase inimaginável em um país onde ele é retratado como uma figura divina.
Talvez a foto mais surpreendente seja a que surgiu em março, quando Kim carregou uma autoridade não identificada nas costas, comemorando o teste de um novo motor para foguete.
Militar parece tomado pela emoção ao pular nas costas de Kim Jong-un (KCNA/Uriminzokkiri)
A imagem lembrou uma antiga tradição coreana, em que jovens carregam seus pais idosos nas costas como gesto simbólico de gratidão pelas dificuldades que eles enfrentaram pelos filhos. Mas outros viram a imagem com um significado diferente, e dizem que Kim estava na verdade fazendo o papel do pai, carregando o cientista como se fosse um filho.
Em geral, Kim é apresentado na propaganda do regime como uma figura paterna -- um patriarca nacional a quem o público deve obedecer sem questionar. Isso torna ainda mais notável o simbolismo de suas interações com os cientistas e engenheiros.
Na cultura tradicional coreana, é geralmente inadequado que um filho fume na presença do pai ou mesmo de um professor. Alguém só o faria com grande relutância --e gratidão-- por insistência do mais velho. Na verdade, Kim está insistindo que esses cientistas façam uma reverência.
Mas mesmo enquanto ele homenageia esses homens e comemora suas realizações eles continuam sendo atores secundários no palco. Todo cientista na Coreia do Norte, por mais importante que seja, deve atribuir a Kim seus sucessos,assim como os atletas do país não deixam de citá-lo como inspiração para suas conquistas na Olimpíada e em outras competições.
Afinal, o verdadeiro astro do programa de armas nucleares é o próprio Kim.
KCNA via Reuters
UOL/montedo.com