2 de maio de 2018

A ponte com o Planalto: um general nos bastidores

A ponte com o Planalto
Um general nos bastidores
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Sérgio Etchegoyen, em solenidade no Palácio do Planalto (Foto: GIVALDO BARBOSAAGËNCIA GLOBO)
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Sérgio Etchegoyen,
em solenidade no Palácio do Planalto
(Foto: GIVALDO BARBOSAAGËNCIA GLOBO)
DÉBORA BERGAMASCO
No início da noite de sexta-feira 6 de abril, Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), despachava do 4º andar do Palácio do Planalto quando um auxiliar abriu a porta do gabinete e lhe passou o telefone celular. Do outro lado da linha estava Michel Temer, presidente da República, que ligava de Salvador. Temer estava com Henrique Meirelles, e este, por motivos de agenda, queria decolar da Bahia em aeronave diferente do “Aerotemer”. Etchegoyen interrompeu seus despachos, afastou-se para um canto da sala e atendeu a chamada presidencial.
“Alô? Oi, presidente. Tudo bem e o senhor? Obrigado pelo retorno. Sim, liguei. Eu só queria alertar que agora ele não é mais ministro. É... tem de ver como será feito esse retorno. Claro, claro. Exatamente, não terá mais direito, não. Sim, senhor. Claro, presidente. Outro. Obrigado.”
Etchegoyen calculou que não seria adequado o poder público fornecer um avião da Força Aérea Brasileira para Meirelles sair de Salvador, pois ele anunciara naquele mesmo dia sua saída do cargo de ministro da Fazenda para filiar-se ao MDB e talvez concorrer à Presidência da República. Para evitar qualquer insinuação de favorecimento a Meirelles ou o uso da máquina federal por um possível candidato do MDB — e criar assim mais um desgaste para o governo Temer —, o general de quatro estrelas, portador da mais alta patente do Exército, achou melhor informar o presidente sobre a restrição ao uso de um avião oficial pelo ex-ministro. “Não é papel do presidente pensar em tudo sozinho. É para isso que ele tem equipe”, disse Etchegoyen a ÉPOCA.
O chefe do GSI é o responsável por zelar pela segurança presidencial, pela área de inteligência e informá-lo sobre todas as questões com potencial de risco à instabilidade institucional do país. Mas o militar assumiu funções que vão muito além dessas questões por si só estratégicas e relevantes. Assenhorou-se também de questões do dia a dia do Palácio do Planalto, como o voo do ex-ministro da Fazenda desde Salvador, e tornou-se assim um dos mais influentes conselheiros do presidente, com direito a opiniões inclusive sobre questões políticas. Hoje, o general é convocado até para ler previamente discursos de Temer. No mês passado, aconselhou o chefe a não partir pessoalmente para o embate com o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, depois que o magistrado autorizou a quebra de sigilo bancário de Temer. Barroso é relator do caso que apura o suposto pagamento de propina em decreto relacionado ao setor portuário.
Em novembro passado, Etchegoyen opinou também sobre o programa partidário do MDB. A equipe mais próxima ao presidente Temer estava reunida para discutir o programa de propaganda do MDB que iria ao ar na televisão em meados daquele mês. Havia poucas semanas que Temer se livrara pela segunda vez de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República, graças ao apoio de 251 deputados federais. O marqueteiro Elsinho Mouco defendia a necessidade de levar à rede nacional de rádio e televisão uma resposta dura da legenda às acusações contra Temer. Dois programas com o mesmo nome — A trama — estavam prontos para que a cúpula emedebista escolhesse qual deles deveria ser exibido. Um era mais incisivo e atacava abertamente personagens do cenário nacional. O outro ganhou tons mais brandos. Os dirigentes emedebistas assistiram aos dois vídeos e se dividiram. Temer mandou chamar o general. Quis ouvir a opinião do auxiliar, que não é filiado a nenhuma sigla partidária e nunca teve nada a ver com o MDB. Ao militar, foram mostrados os dois filmes. Ele apontou sua preferência pelo mais suave. Foi a versão que prevaleceu.
A maior demonstração de influência de Etchegoyen junto ao presidente se deu na intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, decidida por Temer em fevereiro. Nos meses anteriores à decretação da intervenção, Etchegoyen passou a alertar o presidente sobre a gravidade do quadro de segurança pública no Rio. Incentivou Temer a chamar para si responsabilidades na questão. Não foi o único. Mas sua colaboração foi imprescindível, segundo assessores de Temer, inclusive para vencer as resistências do Exército ao uso de tropas militares no Rio, verbalizadas pelo comandante da força, general Eduardo Villas Bôas.
Etchegoyen ganhou posição de destaque junto a Temer, apesar de ser praticamente um novato no círculo de assessores mais próximos do presidente no Palácio do Planalto. Temer cercou-se no Planalto de pessoas que fazem parte de seu convívio há muitos anos, como o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, o jornalista Márcio Freitas, que o assessora na área de imprensa há mais de 15 anos. Etchegoyen conheceu Temer há pouco mais de dois anos, meses antes do impeachment que tirou Dilma Rousseff da cadeira presidencial. Quem fez a aproximação foi o escritor, articulista e professor universitário de filosofia Denis Rosenfield, que atuava como consultor informal de Temer quando este exercia a Vice-Presidência, com direito a visitas ao Anexo I do Palácio do Planalto. Rosenfield tem boa relação com oficiais das Forças Armadas da ativa e da reserva — especialmente os conterrâneos gaúchos Etchegoyen e Villas Bôas, o comandante do Exército.
Meses antes do afastamento de Dilma, Rosenfield ajudou a organizar jantares na casa de Villas Bôas para que Temer fosse recebido e informalmente “sabatinado” pelos militares. Etchegoyen, que era chefe do Estado-Maior do Exército, participou de todos. Já com a relação mais azeitada, chegou a vez de o próprio Etchegoyen oferecer em sua casa um encontro em torno de Temer, antes da queda de Dilma. Dali para a frente, seu nome foi uma indicação majoritária da cúpula do Exército para o Gabinete de Segurança Institucional, quando Temer decidiu recriar o ministério, que havia sido extinto por Dilma — uma forma de o presidente mostrar que os militares teriam prestígio em seu governo. Além de sua carreira militar, Etchegoyen tinha experiência em lidar com política e políticos. Representou o Brasil em missão das Nações Unidas em El Salvador, trabalhou como assessor no gabinete dos generais Zenildo de Lucena e Gleuber Vieira, ministros do Exército dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Depois, assessorou Nelson Jobim no Ministério da Defesa.
Logo no início da gestão como ministro de Temer, Etchegoyen adotou um ritual próprio da caserna que contribuiu para reforçar a ligação com o presidente. O general não dispensa o hábito de sempre estar no Palácio do Planalto antes de o presidente chegar e sair somente após a partida do superior. Como recebe todas as informações sobre a localização presidencial, assim que Temer rumava para o Palácio do Planalto, Etchegoyen o aguardava na garagem, esperando pelo desembarque do chefe. Após trocarem cordiais cumprimentos matutinos, o ministro aproveitava a viagem por quatro andares pelo elevador para passar os informes que julgava necessários. Caso o assunto tivesse de se estender, ele era convidado a entrar no gabinete presidencial. Se fosse uma questão rápida, a porta da sala de Temer era o local de despedida. Com o estreitamento da relação, hoje são raras as vezes em que Etchegoyen fica do lado de fora em reuniões importantes. Caso não seja convocado diretamente por Temer, sempre acaba tendo um assunto para despachar e é convidado a se acomodar entre os presentes.
O ex-ministro Nélson Jobim, que é amigo de Etchegoyen e conterrâneo da mesma cidade no Rio Grande do Sul, Santa Maria, diz que o general, apesar de circular com desenvoltura entre os políticos, é “rigorosamente apolítico” e é uma “figura muito preocupada com a consolidação da democracia no país”. Nesse capítulo, o general pode contar que foi preso da ditadura no Brasil. Em 1983, quando tinha 31 anos e era capitão, Etchegoyen ficou preso por oito dias por ordem do então comandante militar do Planalto, general Newton Cruz. Durante uma reunião num auditório no Palácio do Planalto, Cruz chamara de “mau-caráter” quem fosse depor no Congresso sobre militares. Era o caso do pai do hoje chefe do GSI, o general Leo Etchegoyen. O capitão se insurgiu contra o insulto, disse que não admitiria. Acabou sendo punido com a prisão, assim como seu pai, que também foi encarcerado.
ÉPOCA/montedo.com