A nação precisa despertar de seu sonho ingênuo de um mundo de paz e apoiar a edificação e preservação de um poder militar compatível com a estatura política do país.
Gen. Luiz Eduardo Rocha Paiva*
Grande parte da sociedade não considera necessário o atual aporte de recursos para melhorar a defesa do país. Isso não surpreende, pois só agora o Brasil deixa de ser um país periférico e projeta-se no tabuleiro do grande jogo, onde enfrentará conflitos com possibilidades de perdas e ganhos decisivos. Tal projeção é consequência do seu desenvolvimento, das riquezas disponíveis e da posição geoestratégica, fatores de poder que atraem a cobiça e rivalidade de grandes potências.
A nação não visualizou as implicações militares desse quadro e sua liderança perdeu a noção de que política exterior não é apenas diplomacia, mas também defesa. Talvez só percebam quando viermos a lamentar perdas significativas de patrimônio e autoestima, por imposições a que o país tenha de se submeter em função de sua indigência militar.
Hoje, as potências tradicionais e emergentes são Estados Unidos, União Europeia, Rússia, China, Japão, Índia e Brasil, único país cujas Forças Armadas (FA) estão na UTI e dela só sairão em longo prazo, mesmo com os investimentos anunciados. Haverá tempo para sanar essa vulnerabilidade antes de sermos obrigados a respaldar militarmente decisões de Estado? Nossas FA não têm a menor condição de resistir ou dissuadir àquelas potências, caso elas se disponham a empregar meios militares em um contencioso. Em todos os conflitos atuais, o poder militar é empregado de modo indireto ou direto se necessário.
A aplicação do poder militar não se restringe a operações bélicas, de paz e humanitárias. Seu emprego também vai além da participação no desenvolvimento, na garantia da lei e da ordem e no apoio à defesa civil. No campo internacional, FA potentes apóiam e dão relevância à política exterior por meio da cooperação, dissuasão e coação militar, trazendo importantes dividendos em termos de recursos materiais e projeção internacional.
Pela cooperação, uma potência projeta-se por meio de missões militares de ajuda e apoio, intercâmbios de ensino e pesquisa, reuniões de troca de informações para fortalecer a confiança mútua, realização de exercícios combinados, venda e manutenção de material militar, fabricação conjunta de equipamentos, financiamento e incorporação de tropa do país apoiado em suas operações internacionais, aliança militar, participação em órgãos regionais de segurança e outras iniciativas distintas. Assim, cria-se um vínculo cujo rompimento não seria interessante, sendo a cooperação um forte argumento de persuasão e convencimento em contenciosos com o país apoiado.
A indústria nacional de defesa foi uma das maiores fontes de divisas do Brasil em passado recente, com importante contribuição para o nível de emprego, a pesquisa e o desenvolvimento científico-tecnológico. Vários de seus produtos e estudos eram aproveitados em diversas áreas de atividades civis.
No caso da escalada de um conflito, com ameaça a interesses vitais ou importantes ou de graves prejuízos, uma potência pode empregar suas FA ainda de forma indireta, sem configurar um conflito armado. Nesse caso, usaria a dissuasão ou a coação pela ameaça de suspensão da cooperação ou sua transferência a um rival da nação em litígio, pelo armamentismo próprio, pela realização de exercícios na fronteira com o oponente, pelo desdobramento de forças de modo a ameaçar objetivos de valor estratégico e, em última instância, realizando ações punitivas como revide a atos lesivos contra seus direitos e interesses. O revide visa a causar um prejuízo maior que o sofrido e não a ocupação de território. A simples capacidade militar de fazê-lo é fator de dissuasão.
Na América do Sul, poderemos ter problemas com alguns vizinhos, mas não chegarão ao nível de ameaças, em virtude do poder relativo nos campos político, econômico e militar. O perigo maior vem de potências extracontinentais, que têm capacidade de tentar impor-nos condições para a exploração de recursos e ocupação de espaços, limitando-nos a soberania, ameaçando o nosso patrimônio e impedindo a projeção do país. Os vizinhos terão de entender que não podemos abdicar da condição de potência militar diante de ameaças dessa natureza. A nação precisa despertar de seu sonho ingênuo de um mundo de paz e apoiar a edificação e preservação de um poder militar compatível com a estatura política do país, sem flutuações ou retrocessos nos investimentos em defesa.
*Luiz Eduardo Rocha Paiva é General da reserva, foi comandante e é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
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