12 de novembro de 2009

PODER DE POLÍCIA PARA AS FORÇAS ARMADAS (EDITORIAL ESTADÃO)

Somados os planos quinquenais e decenais anunciados pela imprensa, o Brasil teria as maiores e mais poderosas Forças Armadas do planeta.


Editorial do Estado de São Paulo favorável a Lei Complementar 97.
O anteprojeto que altera a Lei Complementar 97 - que dispõe sobre as normas de organização, preparo e emprego das Forças Armadas -, antecipado pelo Estado na sexta-feira, não dá às forças militares nenhum poder de polícia. Apenas explicita o que podem fazer, na faixa de fronteira, para a manutenção da lei e da ordem. Na verdade, pelo menos uma das atribuições que estão sendo apresentadas como novidade - poder fazer prisões em flagrante - é prerrogativa e dever de qualquer cidadão honesto, paisano, policial ou militar, que presencie um crime. Outra atribuição, a de revistar embarcações suspeitas, está consagrada nas leis do mar desde sempre.
O governo agiu com prudência ao tratar das chamadas missões subsidiárias das Forças Armadas, principalmente as relativas à manutenção da lei e da ordem. Às tarefas já consagradas não se acrescentou nenhuma e, às existentes, não se deu maior amplitude. Tinha razão o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Correa, ao advertir que seria uma temeridade conferir poder de polícia aos militares. "Não podemos confundir segurança externa com segurança interna", disse. Essa não foi uma reação corporativa, mas uma manifestação de elementar bom senso. Farta literatura demonstra que, onde quer que os militares tenham exercido poder de polícia, as consequências foram desastrosas para a democracia e para as liberdades individuais.
O que se fez foi dar aos militares respaldo legal explícito para o cumprimento dessas missões, na rotina das patrulhas nas fronteiras. Há muito os militares reclamavam a definição legal de sua competência e responsabilidade. O anteprojeto atende, de maneira razoável, à reivindicação. Assim, as missões estão claramente definidas no texto e os militares que, em consequência de ações de manutenção da lei e da ordem, forem processados, responderão à Justiça militar. Pela lei ainda vigente, os militares ficam numa espécie de limbo jurídico. Por exemplo, os soldados que atuaram no Rio, em 1994 e 1995 e foram processados na Justiça comum, ficaram sem a proteção de suas Forças e têm de pagar seus advogados. Com a mudança, ficará claro a quem caberá o controle legal dos participantes das missões complementares. Essas mudanças, sem dúvida, darão a tranquilidade necessária para que os militares exerçam as suas atividades de patrulha e fiscalização nas fronteiras. Mas não são as mais importantes do anteprojeto.
No texto, o que mais se destaca é o processo de subordinação dos militares ao que se convencionou chamar de poder civil. Os militares continuam subordinados ao presidente da República, mas agora com a intermediação do ministro da Defesa, no que se refere ao controle operacional da tropa, ao sistema de promoção de oficiais e à designação dos comandos de unidades. Trata-se de um avanço natural, no longo processo de amadurecimento e consolidação do Ministério da Defesa. Quando ele foi criado, em 1999, previa-se a sua evolução por etapas. O que não se esperava é que demorasse uma década até que o governo decidisse ser este o momento de ampliar a autoridade do ministro da Defesa, criando ao mesmo tempo o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, uma medida imprescindível para que as Forças Armadas, no futuro, possam atuar integradamente e não, como ocorre hoje, cada Força por si ou, no máximo, em exercícios combinados. Outra medida positiva do anteprojeto é a que determina que o orçamento das Forças será elaborado em conjunto com o Ministério da Defesa, que o consolidará, definindo prioridades.
Da mesma forma que o anteprojeto não atribuiu poder de polícia às Forças Armadas, ele não cuida dos mirabolantes planos de reequipamento descritos em matérias publicadas pelo Estado. São coisas distintas. O projeto deve ser apreciado logo pelo Congresso e trata da estrutura do Ministério da Defesa. Já o reequipamento está no terreno dos planos e, por mais necessário que seja, depende de disponibilidades orçamentárias que não existem a curto e a médio prazos. Afinal, não custa nada ao Tesouro o anúncio da futura compra de uma esquadra capitaneada por porta-aviões e navios-escola, ou a criação de oito brigadas. Somados os planos quinquenais e decenais anunciados pela imprensa, o Brasil teria as maiores e mais poderosas Forças Armadas do planeta.
Fonte: O Estado de São Paulo
DEFESA BRASIL