28 de outubro de 2013

Abin exonerou agente suspeito de repassar dados à CIA

Ocupando um cargo diplomático na Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, espião procurou por dados sigilosos do país
Presidente Dilma Rousseff espera durante uma cerimônia de boas-vindas ao presidente paraguaio Horacio Cartes no Palácio do Planalto, em Brasília
Brasil investigou e exonerou agente do serviço de espionagem dos Estados Unidos (Ueslei Marcelino/Reuters )
Enquanto a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos vigiava alvos do primeiro escalão do governo Dilma Rousseff, o Brasil investigava e exonerava um agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) suspeito de passar segredos para a Agência Central de Inteligência (CIA), segundo reportagem deste domingo do jornal O Estado de S. Paulo. O brasileiro teria sido cooptado por um americano que, sob o manto de um posto diplomático na Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, buscava dados sigilosos sobre a atuação nacional na Tríplice Fronteira e tentou rastrear informantes do governo brasileiro na região onde o país faz divisa com a Argentina e o Paraguai.
A descoberta ocorreu justamente porque, durante a operação, o diplomata americano cooptou o analista 008997 da Abin, um alto funcionário do órgão que chefiara a estratégica subunidade da agência em Foz do Iguaçu, antes de assumir, em 28 de julho de 2011, a superintendência em Manaus. O caso foi abafado na Abin, sem abertura de um processo administrativo contra o servidor, para evitar o desgaste. Do lado americano, que mantinha, naquela ocasião, o Brasil sob radar, conforme documentos de junho de 2012 divulgados por Snowden, a solução foi abreviar a missão do espião e mandá-lo para outro posto.

Contraespionagem
Foi a simples movimentação funcional do analista da Abin que alertou Brasília e desencadeou uma operação de contraespionagem autorizada pelo diretor-geral Wilson Trezza. De Manaus, pelo sistema interno da Abin, 008997 passou a acessar remotamente documentos protegidos por sigilo do escritório de Foz de Iguaçu, "que não tinha necessidade de conhecer" e aos quais não poderia ter mais acesso, segundo relato de diversas fontes da área de inteligência consultadas pelo jornal O Estado de S. Paulo nos últimos dois meses.
As provas documentais extraoficiais do comportamento inadequado do agente brasileiro, uma vez que a Abin não instrui inquéritos, foram obtidas na primeira semana de agosto de 2012, quando 008997 se encontrou para jantar com o americano, em Curitiba, no restaurante Barolo Trattoria.
No jantar, os dois falaram sobre as regiões de fronteira do Brasil, entre outros temas, e foram captados por agentes "novatos", deslocados de outras regionais, que se acomodaram ao lado da dupla de espiões. O agente brasileiro garantiu ao colega americano que não precisava se preocupar com aquele encontro e outros que viriam porque ele não era vigiado pela Abin. Eles foram filmados na ocasião.
Apesar da segurança demonstrada na conversa, ambos usaram técnicas de contrainteligência tanto na chegada quanto na saída da cantina, dando voltas no quarteirão, fazendo manobras diversionistas.
Durante o jantar, segundo informações obtidas pelo Estado, os dois marcaram o encontro seguinte para Foz do Iguaçu, dali a um mês, na primeira semana de setembro. Em Curitiba, ficou combinado que, no encontro em Foz, o brasileiro apresentaria outra pessoa que poderia "ajudar" o americano a obter mais informações. A cidade, Curitiba, escolhida por 008997 para o encontro, foi considerada "perfeita" porque o filho do brasileiro mora ali e ele teria explicação plausível para a viagem entre Manaus e Curitiba.
Só que o novo encontro marcado para início de setembro em Foz do Iguaçu não ocorreu. O brasileiro foi para o local na data e hora combinada, mas o diplomata americano não apareceu. Mais uma vez, agentes da Abin desconhecidos do alvo, acompanharam toda a espera pelo contato americano.

Operação abafa
O desencontro ocorreu porque houve uma súbita e inesperada remoção do americano. O Itamaraty confirmou ao Estado que o diplomata deixou o Brasil em 12 de agosto de 2012. Na avaliação de servidores da Abin, os americanos, de alguma forma, ficaram sabendo que seu agente tinha sido descoberto e este não poderia mais ficar no país, para evitar problemas diplomáticos. Depois do ocorrido, a Abin teria mantido contato com o governo dos Estados Unidos para pedir explicações. O diplomata americano teria dito que foi procurado pelo analista brasileiro.
Para dar um desfecho menos traumático, apesar de posições em favor da punição, o agente 008997 foi exonerado e aconselhado a se aposentar, e assim o fez em 17 de dezembro de 2012. Acabou assim, embaixo do tapete, um caso de espionagem americano dentro do território brasileiro que não obteve publicidade. (Com Estadão Conteúdo)
Veja/montedo.com

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O retrato de uma república tupiniquim: o que em qualquer país sério seria considerado 'alta traição' e renderia uma pena severa, no Brasil acaba em aposentadoria compulsória.