Roberto Simon
O uso de drones voltou ao centro do debate nos EUA na semana passada, após duas ONGs e a ONU lançarem, separadamente, relatórios sobre vítimas desses bombardeios. Que os aviões não tripulados serão parte essencial dos conflitos no século 21 não há mais dúvidas. O foco da discussão, agora, é como essa inovação afeta as leis da guerra – e como as decisões tomadas pelo governo Barack Obama servirão de precedente para o direito internacional.
Analistas militares e juristas afirmam que a falta de transparência da política de drones dos EUA pode, em pouco tempo, voltar-se contra os interesses americanos. Afinal, é altamente provável que outros países – aliados ou não de Washington – comecem em breve a fazer uso dessas armas (além dos EUA, apenas Israel já realizou bombardeios com aviões-robôs). E os parâmetros com os quais eles serão avaliados terão por base a atual “doutrina Obama”.
“Estamos muito preocupados que o fracasso da Casa Branca em mostrar que esses ataques estão de acordo com a lei internacional possa criar um perigoso precedente para outros países”, disse ao Estado Letta Tayler, responsável por uma investigação da Human Rights Watch sobre a morte de civis em bombardeios de drones dos EUA no Iêmen, publicada na semana passada. Letta diz que seu relatório despertou especial interesse entre russos, chineses e iranianos. “Não acredito que isso seja mera coincidência.”
O estudo da Human Rights Watch, de 102 páginas, analisa seis ações com drones americanos contra alvos em território iemenita. A ONG conclui que os bombardeios mataram mais civis do que militantes, com profundo impacto psicológico nas comunidades locais. Um dos ataques, por exemplo, provocou 57 vítimas “colaterais”. Outro matou um clérigo muçulmano que pregava contra a Al Qaeda e um taxista que, por acaso, havia levado militantes.
A Anistia Internacional também divulgou, na semana passada, uma investigação sobre a ofensiva de drones no noroeste do Paquistão. A ONG, com sede em Londres, foi além e afirmou que “os EUA podem ter cometido crimes de guerra” em solo paquistanês.
Segundo a Anistia, as vítimas paquistanesas incluem uma avó de 68 anos que colhia vegetais para a neta e 18 trabalhadores mortos em dois ataques consecutivos – o segundo, aparentemente, com objetivo de liquidar pessoas que prestavam socorro.
Em maio, Obama prometera ampliar a transparência do programa de drones, reforçando controles do Congresso. ONGs, porém, dizem que não houve avanço desde então.
Debate. Bombardeios com drones, mesmo que causem a mortes de civis, não representam, em si, violações das leis da guer ra, afirmam juristas. A chave do debate é se o responsável pelo ataque teve a intenção deliberada de matar não combatentes.
David Michael Crane, professor de direito internacional da universidade americana de Syracuse e ex-procurador-chefe da Corte Especial da ONU para Serra Leoa, reforça que as leis do campo de batalha são as mesmas “seja para uma ação com drone ou com uma peça de artilharia velha”. “Temos de olhar para além do instrumento e responder duas questões: se houve base legal para desferir o ataque e se a operação respeitou as leis que de conflitos armados.”
Crane reconhece que os drones colocam “perguntas novas e fascinantes” para o direito internacional humanitário, como é conhecido o sistema jurídico que rege conflito armado. Por exemplo: um operador de avião não tripulado que, sentado em um escritório nos EUA, cometer um crime de guerra no Paquistão seria julgado por quem? Na opinião do jurista, pouco importa se ele está em espaço aéreo paquistanês ou a milhares de quilômetros do local do crime. As regras para uso da força são as mesmas.
O uso de drones põe os EUA diante de outros dilemas, cujas respostas também têm importantes repercussões para a lei internacional. Dizer que aviões não tripulados estão submetidos ao direito internacional humanitário, significa reconhecer que os EUA estão em meio a uma guerra global contra o terrorismo, lembra a pesquisadora da Human Rights Watch. Em outras palavras: são operações de defesa, militares, e não de segurança, de natureza policial. “A lei, fora de um contexto de guerra, é mais criteriosa”, diz Letta.
O Estado de São Paulo, via Defesa Aérea & Naval/montedo.com