@RubensTeixeira
Li a matéria, baseada na opinião do colunista Cláudio Humberto, “Marinha acumula quase sete mil imóveis no país”, publicada no site de notícias do sistema Band em 11 de novembro de 2013. Fui surpreendido que o mesmo jornalista publicou no jornal O Estado, do Ceará, no dia seguinte a primeira, matéria idêntica intitulada: “‘Imobiliária Exército’ tem mais de 19 mil imóveis”. Os links das matérias estão no final deste artigo. Talvez o jornalista não perceba que seu deboche exagerado o fez perder o discernimento, para não perder a piada, e deixou de lado a análise precisa e bem fundamentada que um texto jornalístico desta envergadura exige.
Minha perplexidade não foi apenas pela intenção desproporcional de atacar os militares baseando-se em uma das piores armas que o jornalismo pode fazer: a desinformação e o terrorismo informativo. A mídia é fundamental para a democracia e útil para fazer circular informações relevantes de interesse social. Não se pode imaginar uma sociedade democrática sem mídia livre. Da mesma forma que é dado voto de confiança aos pais para cuidarem dos seus filhos e o Estado não controla diretamente a educação, só intervindo quando há excessos, a sociedade empresta uma credibilidade à mídia, mas deve reagir quando também há excessos.
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Na primeira matéria, o jornalista ressalta que em Brasília há mais marinheiros que a maioria das capitais litorâneas. O jornalista, por falta de informação ou de forma maldosa, omite que, além de ser o comando, Brasília fica no centro do país, local equidistante da rica e importante Amazônia, e das demais regiões do país, sem levar em conta que outros órgãos do governo também têm grandes efetivos lá estabelecidos, como não podia ser diferente em uma capital federal. A diferença é que os servidores civis não são mudados de sede com a mesma frequência dos militares. Ele deixou de lado, por exemplo, a análise que a Brigada de Operações Especiais, tropa de maior nível de aprestamento do Exército, fica lá por perto. Por que seria?
Por outro lado, o artigo fala dos imóveis ocupados por militares em Brasília. Como um sacerdote da nação, um militar é transferido compulsoriamente para as localidades que serve, conforme o interesse de cada Força. Deixa para trás sua cidade, tendo de adaptar-se com sua família às situações mais adversas nestas movimentações. Estes mesmos militares, por cerca de dois ou três anos, servem em Brasília, depois vão para diversas outras áreas do país, inclusive para o interior da Amazônia, cuidar das nossas riquezas, a fim de que repousemos tranquilos, enquanto emitimos nossas opiniões nos grandes centros. Se não tivessem esses PNRs (Próprios Nacionais Residenciais) das Forças Armadas, onde os militares transferidos para a capital federal morariam com suas famílias, se considerado o poder aquisitivo destes servidores?
A primeira matéria afirma ainda que “A Marinha possui atualmente sete mil residências espalhadas pelo Brasil. Nelas, famílias de militares vivem como inquilinos sem a necessidade da cobrança de aluguéis. As residências que estão por todo território nacional possuem acabamento de alto padrão”. Como tive a oportunidade de ser militar e servir na Amazônia, sei que muitos dos militares que são enviados para estas localidades não conseguem morar em PNRs, ficando por conta das circunstâncias locais. O luxo que o jornalista se referiu na matéria não vi nos PNRs que morei e nem nos que, como engenheiro do Exército, fiz manutenção. Não acredito que essa visão franciscana que o jornalista quer impor aos militares seja a que ele impõe à sua família.
A qualidade dos imóveis, os preços, o desconhecimento do local põem em risco o conforto, a segurança e o orçamento dos militares que chegam para cumprir suas missões de defesa do país em um território desconhecido. Muitas cidades, como Brasília, possuem custo de vida elevado e, infelizmente o salário dos militares não comporta pagar uma residência para alojar a sua família na cidade que, na maioria dos casos, não foi opção sua residir, mas sim do interesse do país. A ‘taxa de ocupação’ que os militares pagam serve para cuidar da manutenção dessas residências que, na verdade, são extensões das organizações militares.
Essas residências, em muitos casos, estão no interior da própria área militar. É como se um jornalista morasse, junto com sua família, dentro do complexo de instalação de seu grupo de comunicação e ainda lhe fosse cobrada uma taxa para que seu grupo administrasse a manutenção da sua residência. Como os militares devem estar sempre à disposição da Força, não ganham hora extra ou sobreaviso, o país que demanda sua disponibilidade vinte e quatro horas por dia, todos os dias da semana, e pode alocá-los em qualquer parte do país, deve oferecer minimamente condições condizentes para que ele viva com dignidade com a sua família.
O artigo declara ainda que “Há um ano, a Marinha entregou o terceiro de dez prédios em Brasília com 102 apartamentos. O aluguel mínimo na região é de R$ 1.200. Além de 396 apartamentos dos Jogos Militares, a Marinha quer mais 3.000 casas no Rio e define até o “prazo tolerável”: junho de 2016”. Quando há a referência ao valor do aluguel, a matéria deveria ter feito uma análise da capacidade do militar de pagar valor como esse para residir em uma cidade que ele é obrigado a se instalar, mesmo que sua condição econômica não lhe permita.
Convido o autor da matéria a fazer outra enfocando o custo benefício de ganhar uma casa em troca de ser transferido, várias vezes, para onde não escolheu, juntamente com suas esposas e seus filhos, com todos os transtornos psicológicos da ruptura de amizades, sacrifício dos projetos pessoais dos membros da família. Aliado a isso, abrindo mão de adquirir um imóvel próprio por conta da incerteza de se manter naquela cidade ou mesmo, ao adquirir móveis, imóveis e automóveis, muitas vezes ter de se desfazer para seguir para outro destino.
Muitas dessas cidades não têm os tais PNRs suficientes para os militares e, quando têm, não possuem o luxo do qual a matéria se refere. Até porque, são em regiões extremamente carentes de infraestrutura. Eu e meu irmão, também militar, além de outros companheiros, passamos por estas condições e posso afirmar que este jornalista foi superficial em sua análise que teve o foco infeliz ao tentar dirigir o pensamento da sociedade contra profissionais que são treinados para sacrificar-se pelo país e, com isso, garantir a democracia que dá a ele, e a todos nós, condições de emitir livremente nossas opiniões, por pior que elas sejam.
O jornalista omitiu da sociedade que o efetivo do Exército, na ativa, é mais de 200 mil militares, e da Marinha em torno de 60 mil. Esses dados dariam condições de uma análise mais sensata da ideia que quis defender. A lógica pobre e distante da realidade empregada pela tão espirituosa quanto superficial e inconsequente matéria que escapuliu do discernimento do jornalista reside no fato de que as ‘casas confortáveis’ e ‘disponíveis’ para os militares seriam, na visão trágico-cômica do jornalista nestas matérias, oásis para esses profissionais.
O autor da matéria desconsidera que as pessoas não escolhem morar em outro estado, distante do seu centro de atividades e de seus familiares e amigos apenas para morar em um “PNR” pagando menos. As mudanças repetidas, com todos os desdobramentos, e a obrigatoriedade de morar em locais que não representariam o desejo do militar e da sua família tornaria a vida desses servidores públicos inviável se tivessem que morar, por exemplo, em Brasília pagando o valor do aluguel exigido naquela localidade ganhando o salário que ganham. (R. A.)
Matérias citadas no texto:
* Oficial da reserva do Exército Brasileiro formado em infantaria pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN-1991), em engenharia de fortificação e construção (IME-1997) e mestrado em engenharia nuclear (IME-2002). É doutor em Economia (UFF), pós-graduado em auditoria e perícia contábil (UNESA), formado em Direito (UFRJ), aprovado para a OAB/RJ, professor, escritor, membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil, dos Juristas de Cristo e da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra.
Rubens Teixeira/montedo.com
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