12 de janeiro de 2014

Ariel Sharon, o general sem arrependimento

11 JAN 2014
Morre um dos líderes militares que colocou Israel em várias guerras contra países árabes
Entrou em coma em 2006, depois de ordenar a retirada israelense da Faixa de Gaza

Ariel Sharon, em 2005. / JIM HOLLANDER (EFE)
D.A. Jerusalem
"O que o senhor vê desde lá não é o que vejo desde aqui”. Como primeiro-ministro de Israel, entre 2001 e 2006, Ariel Sharon repetiu essa frase em numerosas ocasiões para tentar justificar algumas ações que contentavam mais a esquerda que cresceu o detestando do que os falcões que ficavam desconcertados com as últimas decisões políticas do feroz general conhecido por sua ousadia excessiva. Sharon, o líder da temida Unidade 101; Sharon, o impecável estrategista que possibilitou a tomada do Sinai; Sharon, que cruzou o canal de Suez e isolou o Terceiro Exército egípcio em 1973; Sharon, que retirou 6.900 colonos da Faixa de Gaza e acabou proclamando que o que lhe restava fazer em vida era alcançar a paz com os palestinos.
Depois de sofrer uma hemorragia cerebral em 2006, Sharon ficou num coma que o levou à morte neste sábado no rancho de sua família na localidade de Beer Sheva, no deserto do Neguev. Mesmo em seus sete anos em coma, Sharon foi uma figura detestada por boa parte da esquerda israelense e pelos palestinos, que não esqueceram, entre muitas outras coisas, que ele aprovou a construção de mais de 100 assentamentos de colonos judeus na região ocupada quando foi ministro da Moradia entre 1990 e 1992. Ainda hoje em Gaza e na Cisjordânia é uma suposição comum que foi ele, como primeiro-ministro, que ordenou o envenenamento do presidente Yasser Arafat com polônio antes de sua morte em 2004, algo que nenhuma investigação independente e exaustiva provou de forma irrefutável.
Nascido em 1928 em Kfar Malal, na Palestina sob mandato britânico, de pais bielorrussos, Sharon se uniu quando jovem à Hagana, milícia judaica criada para proteger as comunidades judaicas e que foi decisiva na independência de Israel. Nos anos 50 lhe foi confiada a liderança da Unidade 101, encarregada de retaliar localidades árabes na fronteira, sobretudo da Jordânia, depois de infiltrações e ataques de guerrilheiros palestinos. Naquelas missões, Sharon executou algo que se tornou um credo sagrado para as forças de defesa de Israel: as represálias aos ataques sofridos deviam ser enormes e contundentes para convencer os palestinos e seus aliados a não se atreverem a atacar de novo.
Sharon subiu rápido na hierarquia do Exército, com fama de audacioso e brilhante, apesar de uma contumaz rebeldia que às vezes se traduzia em desobediência. Nas sucessivas guerras de Israel desde 1956, ele fez parte e liderou as operações na península do Sinai, que ficou sob controle de Israel a partir de 1967 e durante mais de uma década. Convocado à linha de frente seis anos depois, no que israelenses temiam que seria o desastre da guerra de Yom Kipur, na qual Síria e Egito atacaram de surpresa, o general assumiu a temeridade de cruzar o Canal de Suez para isolar naquele local 8.372 soldados egípcios, facilitando novamente a vitória de Israel.
O que parecia ser uma corrida de grandes atos de guerra foi comprometido pela invasão do Líbano em 1982, executada de forma militarmente impecável, mas terrivelmente concebida. Sharon já era, então, um político de direita, ministro da Defesa no governo de Menájem Begin. Ele é acusado de ter lavado as mãos enquanto uma milícia cristã libanesa entrava nos campos de refugiados de Sabra e Chatila para executar civis palestinos. Uma comissão de investigação declarou Sharon diretamente responsável de “ignorar o perigo da vingança e o derramamento de sangue”. Deixou a pasta da Defesa, embora tenha permanecido no governo.
Sharon foi o político israelense que em 2000, como candidato a primeiro-ministro, visitou a esplanada das mesquitas em Jerusalém acendendo o pavio da segunda intifada, que levou a Israel uma onda de ataques suicidas com explosivos. Em uma década morreram 1.000 israelenses e 6.300 palestinos. E Sharon ganhou para decidir que queria fazer um acordo de paz. Por sua conta e risco ordenou a retirada de Gaza. Era um experimento que devia assentar as bases para a paz. Na Faixa de Gaza, o grupo islâmico Hamas chegou ao poder e lutou duas guerras contra Israel e outra, civil, contra as forças da Fatah, o partido que governa a Cisjordânia e que negocia com Israel.
EL PAÍS/montedo.com