9 de fevereiro de 2018

Só inteligência e estratégia podem pôr fim à violência urbana no Rio

Só inteligência e estratégia podem pôr fim à violência urbana no Rio, diz especialista 
Exército na Rocinha
© Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/ Fotos Públicas
Um levantamento de uma emissora de TV revelou que, em 2017, uma pessoa foi baleada no Rio de Janeiro a cada duas horas. O mesmo levantamento apurou que 4.440 pessoas foram atendidas em hospitais públicos no ano passado por disparos de armas de fogo.
Além destas constatações, a mídia tem registrado, quase diariamente, situações de enorme tensão e muita violência na capital fluminense, nos municípios da região metropolitana, e também no interior do Estado. Tudo isso agrava a sensação daquilo que muitos convencionaram chamar de insegurança pública.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o antropólogo Robson Rodrigues, coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, afirma que todos estes fenômenos estão diretamente ligados à falta de lideranças no Estado.
Segundo Rodrigues, são vários os motivos que levaram o Rio de Janeiro à situação em que se encontra hoje.
"Não há um fator único que explique a degradação da Segurança Pública no Rio. Existe um conjunto de fatores para serem levados em consideração de modo a se entender o que está acontecendo no Estado. Os fatores vão desde a crise financeira, passam pela crise de lideranças, passam também pela crise de representatividade política, e se combinam com a perda de credibilidade diante do abandono de políticas que se mostraram eficientes na defesa da população e, portanto, na valorização da Segurança Pública. Então, juntando as crises política, moral, financeira e os equívocos administrativos recentes, nós chegamos a este lamentável cenário", avaliou.
O antropólogo ponderou que só a criminalidade ganha com o vácuo criado por esta ausência de lideranças efetivas. Como resultado, "essa percepção de que a situação da Segurança saiu do controle [das autoridades] frustra a população e aumenta a sensação de medo".
"Ora, é justamente isso que proporciona à criminalidade a certeza de que ela pode avançar e se expandir. E em que circunstâncias a criminalidade avança? Justamente nesse quadro de crise, de falta de liderança efetiva e de afirmação do poder do Estado diante do crime e das organizações criminosas. Por sinal, a criminalidade mais se fortalece e mais se organiza na medida em que o Estado demonstra maior vulnerabilidade", disse Rodrigues.

Soluções
Na opinião do especialista, as ações policiais devem ser meticulosamente preparadas, de modo a reduzir riscos para a população e para os próprios agentes públicos.
"Não adianta a polícia ir para o confronto direto com a criminalidade se antes não houver planos de inteligência e estratégia. O confronto direto só vai gerar mais instabilidade, mais insegurança e aumentará a percepção do poderio do narcotráfico. É preciso percorrer alguns caminhos até chegar aos criminosos sem aumentar os riscos para a população e para os próprios policiais que participam diretamente das operações de combate aos criminosos", afirmou.
Por outro lado, Rodrigues destacou que a população e a mídia podem participar de tal processo, procurando entender o trabalho de inteligência e estratégia da polícia.
"É isso que a população deve entender e é para isso que a mídia, parceira nestas ações de conscientização, pode contribuir. A polícia, pelas suas próprias atribuições, é instigada a combater a criminalidade mas precisa fazer com rigor, preparo, planejamento, conhecimento e elaboração de ações", completou.

'Situação na Rocinha é apavorante'
Em depoimento exclusivo à Sputnik Brasil, uma senhora que vive na comunidade da Rocinha, na zona sul do Rio, há 46 anos revela as condições de pânico em que estão os moradores daquela que é considerada a maior favela do país.
"Hoje, a situação dos moradores da Rocinha se resume a duas palavras: apavorante e atípica. Os moradores da Rocinha nunca foram acostumados a estes tiroteios e jamais viveram nesse pavor. A gente vivia numa comunidade com um estilo de vida igual ao de um bairro. Mas hoje, é um horror. A cada tiro, a cada fogo, nós nos apavoramos. Eu, graças a Deus, moro numa área mais próxima à do asfalto, em que não acontecem tantos tiroteios mas só de saber que muitas outras pessoas moram nas partes mais afetadas pela violência, isso nos deixa apavorados.
Os moradores dessas áreas mais afetadas estão tendo suas casas invadidas, perfuradas por balas e tem casas, inclusive, que se transformaram em verdadeiras peneiras. Além disso, há relatos de moradores de que policiais invadem suas casas para subir nas lajes e, de lá, ficar trocando tiros. A pessoa se sente no meio de uma guerra. Qual é o resultado de tudo isso? Um pavor generalizado, uma desvalorização total dos imóveis, uma fuga em cada vez maior número de moradores além de uma tristeza generalizada dos moradores que construíram suas casas com o maior sacrifício e se veem obrigadas a abandoná-las por causa desta situação de extrema violência.
Morando há 46 anos na Rocinha, nunca imaginei que um dia eu iria vivenciar isso na minha comunidade".

'Na Maré, nunca se sabe o que vai acontecer'
Moradora no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, uma extensa região às margens da Avenida Brasil, uma jovem de 23 anos afirma que o perigo é constante.
"Moro na Maré há 23 anos, sou nascida e criada na região, e posso dizer que hoje não se pode pensar nesta região sem levar em conta os tiroteios. Nunca se sabe o que poderá acontecer na nossa comunidade. Há momentos de paz e, de repente, ouvem-se tiroteios, inclusive nos horários em que as crianças vão e voltam das escolas. Muitas pessoas pensaram que, com a ocupação do Exército, a situação na Maré seria pacificada.
Mas não foi isso, infelizmente, o que aconteceu. Foi uma ocupação polêmica e, na verdade, ela só aconteceu em alguns pontos. Foi um período muito conturbado e, apesar da presença dos militares, aconteceram muitos tiroteios, muitas trocas de tiros e muita violência. Hoje, a Maré está assim: há momentos de tranquilidade e há momentos de enorme tensão para todos nós que vivemos aqui".
SPUTNIK Brasil/montedo.com