29 de dezembro de 2014

'O Exército grita Selva!, mas na Amazônia eu digo Água!', diz almirante.

'O Exército grita Selva!, mas na Amazônia eu digo Água!', afirma Domingos Sávio A. Nogueira

Comandante do 9º Distrito Naval, o vice-almirante revela em entrevista que a Marinha irá fazer um dos mais importantes trabalhos para o desenvolvimento do Estado, o levantamento cartográfico e a sinalização do rio Madeira

GERSON SEVERO DANTAS
Comandante do 9º Distrito Naval, o vice-almirante Domingos Sávio A. Nogueira
A principal missão da Marinha Brasileira é operar/mobilizar o chamado Poder Naval contra os inimigos externos, mas na Amazônia os “homens de branco” não se limitam a esperar pela guerra e cumprem uma missão secundária importantíssima na região que concentra a maior bacia hidrográfica do planeta.
Trata-se da administração, organização e controle do transporte aquaviário, hoje considerado essencial para o desenvolvimento local. No comando do 9º Distrito Naval, que tem jurisdição sobre os Estados da Amazônia Ocidental, o vice-almirante Domingos Sávio Almeida Nogueira, um paulista que está em Manaus há pouco mais de um ano e nove meses, compara esse papel da Força Naval ao de um Departamento Estadual de Trânsito, que licencia os veículos e habilita os condutores; e também ao da Polícia Federal, pois combate o crime flagrado em nossas estradas de água, água cuja abundância encanta o comandante em sua primeira experiência Amazônia.
“O Exército grita Selva, como forma de cumprimento, mas poucos entram e vivenciam a selva. Aqui eu digo Água! porque é por ela que correm as riquezas e as pessoas dessa região”, comparou nessa entrevista na qual revelou ainda que o comando Naval e o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transporte (Dnit) estão na bica de assinar um termo de cooperação para que a Marinha faça a carta náutica e implante a sinalização na hidrovia do rio Madeira, no trecho entre Porto Velho e a foz no rio Amazonas. Confira os principais trechos.


A missão primordial da Marinha é operar o Poder Naval contra os inimigos, mas na Bacia Amazônica quais outras funções ganham relevo?
Na Amazônia não temos estradas ou ferrorivas, os rios são nossas estradas. Nesse sentido a Marinha age como um Detran dessas vias, inscrevendo e registrando as embarcações, habilitando os condutores, um serviço que está crescendo muito com a criação no ano passado do Centro de Formação de Fluviários. Este ano, por exemplo, formamos 1.873 fluviários em Manaus, pessoas que ganharam uma profissão e estão habilitadas a conduzir da canoa à embarções regionais. Nós, então, fazemos o ordenamento do tráfico fluvial e, como uma Polícia Federal, fiscalizamos tudo que diz respeito ao transporte nos rios.

Fale um pouco sobre o trabalho na hidrovia do rio Madeira?
Estamos para assinar um termo de comparação que dentro da Marinha já passou por todas as instâncias e no Dnit está sob análise dos assessores jurídicos. É um termo no valor de R$ 40 milhões para serem usados em quatro anos. Nós vamos elaborara a Carta Náutica do Madeira, num trecho de 1,076 quilômetros entre Porto Velho e a foz, no rio Amazonas, em Itacoatiara. E o que é essa carta náutica? Bem, faremos o levantamento hidrográfico para conhecer a batimetria do rio, ou seja saber a profundidade da lâmina d’água em todos os pontos do rio, mostrando o canal de navegação com um grau de 90% de confiabilidade. Isso vai garantir a segurança aos usuários do transpor fluvial pelo Madeira. Além desse levantamento hidrográfico, vamos também implementar a sinalização do rio e indicar os pontos em que deveremos intervir para melhorar a navegação, ou seja onde será preciso fazer dragagens, o que ficará ao encargo do Dnit.

Quais meios a Marinha possui para fazer este trabalho?
Temos três navios hidro-oceanográficos fluviais equipados com ecobatímetros. O mais moderno deles foi recebido agora, em Fortaleza, no último dia 17, o navio Rio Branco. Esse navio desloca até 500 toneladas e foi equipado, além do ecobatímetro normal, de monofeixe de luz, com um ecobatímetro de multifeixe, que se arrasta pelo leito do rio e produz imagens em 3D. Além de captar dados da profundidade, do relevo, ele também nos permite a obtenção de dados ambientais que serão importantes para o Censipam, o Centro de Gerenciamento do Sistema de Proteção da Amazônia (CenSipan). O navio Rio Branco, além dos equipamentos de ponta, vai navegar com uma equipe especializada formada por engenheiros e cartógrafos, comandado por um capitão de fragata. Tudo isso vai subsidiar de informações o Serviço de Sinalização Náutica do Noroeste.

Qual a importância econômica desse trabalho no rio Madeira?
Primeiro quero mostrar uma comparação. Vamos fazer todo o trabalho numa hidrovia de 1.076 quilômetros por R$ 40 milhões, em quatro anos. Para se fazer uma rodovia na Amazônia, cada quilômetro sai por R$ 1 milhão. Vejam então a vantagem de investirmos em hidrovias. Segundo, toda a riqueza que circula no Amazonas passa pelo Madeira. Por ele navega o segundo maior comboio de transporte de carga do mundo, o da Hermasa, trazendo soja até o terminal graneleiro de Itacoatiara. Esse comboio tem 270 metros de comprimento e 44 metros de boca, sendo capaz de transportar 32 mil toneladas de soja com apenas um empurrador. Para transportar tudo isso por rodovia seriam necessários mais de mil caminhões, o que elevaria o custo enormemente, além de não termos que derrubar uma única árvore para fazer estrada. Esse é um trabalho estratégico para o País.

Como está sendo essa experiência de comandar a Marinha aqui na Amazônia?
O general Villas-Boas (Eduardo, ex-Comandante Militar da Amazônia) tem uma frase exemplar: “A Amazônia está distante do brasileiro, o brasileiro não conhece como ela é e a trata como uma colônia distante”. E é verdade, eu não conhecia a Amazônia, ela tem peculiaridades, tem a água, água dá vida. É um patrimônio valioso do Brasil.

Como tem sido a atuação da Marinha no combate a crimes transnacionais na zona de fronteira, como o narcotráfico?
A lei nos garante poder de polícia na faixa de 150 quilômetros a partir da fronteira e nela temos agido no combate a esses crimes, principalmente em operações conjuntas, como recentemente na Operação Ágata 8, na Operação Parintins quando fazemos questão de estabelecer parcerias com outros órgãos de Estado.

Em números
22.807 fluviários estão habilitados pela Marinha para trabalhar nos mais diferentes tipos de embarcações na Amazônia, segundo registro na Capitania dos Portos da Amazônia Ocidental.

35.810 embarcações estão registradas na Capitania. Na avaliação do comandante Domingos Sávio estes números não refletem a realidade encontrada nos rios da Amazônia.

Perfil Domingos Sávio
Idade: 62
Nome: Domingos Sávio Almeida Nogueira
Estudos: Graduado em Guarda Marinha em 1978
Experiência: É Vice-Almirante de Esquadra da Marinha do Brasil. Foi comandante dos navios Abrolhos, Triunfo e Ceará. Foi assessor no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, diretor do Centro de Comunicação Social da Marinha , Comandante do 6º Distrito Naval , Comandante da Força de Superfície e diretor de Pessoal Militar da Marinha. Atualmente é Comandante do 9º Distrito Naval, com sede em Manaus.
acrítica/montedo.com