12 de janeiro de 2016

Carta aos Congressistas

Lúcio Wandeck
Senhores Congressistas: A Presidente da República enviou em 30/12/2015 Projeto de Lei ao Congresso Nacional contendo proposta de reajuste da remuneração dos militares. Pretende que a média dos reajustes (27,9%) sejam pagos em quatro parcelas. A primeira, de 5,5%, somente a partir de 1º de agosto deste ano. A última, a partir de 1º de janeiro de 2019.

Pergunta-se:
Um reajuste de 5,5% compensará a inflação de 10,53% ocorrida em 2015, à qual, forçosamente, teremos que somar a inflação superior a 5,5% que ocorrerá nos sete primeiros meses de 2016? E o que dizer sobre a inflação até o final do ano, porquanto o reajuste seguinte só ocorrerá em 1º jan 2017?

Jeitinho brasileiro!
Em vez de encarar o problema da remuneração dos seus soldados com a seriedade que seria de se esperar, resolvendo definitivamente as perdas salariais ocorridas nos últimos 21 anos, o governo apelou por dar um “jeitinho”. Foi uma tentativa desajeitada de acalmar os militares, que já vem reclamando muito da remuneração insuficiente para a satisfação de suas necessidades básicas. A família militar, que assistiu contente a queima dos fogos, caiu na realidade: o IPTU aumentou, o IPVA idem, o supermercado também, o açougue, a feira, o pão, o colégio, o material escolar, o uniforme, a passagem, o combustível, os medicamentos, o sapateiro, o quitandeiro, ah! e o cheque especial ... Para compensar esses aumentos, o governo, em média, reajustará daqui a sete meses, em R$ 195,33, o soldo dos sargentos. Pode?
O sargento das FFAA, além de disciplinado e disciplinador, hoje é, cada vez mais, à medida que os meios se sofisticam, um especialista em eletrônica e tecnologia da informação. Adquiriu grau de proficiência no emprego e manutenção de equipamentos de alta tecnologia, tais como senso res e sistemas de armas, só alcançado mediante constante aprimoramento. É um profissional de nível médio altamente qualificado.
Pode parecer brincadeira de mau gosto saber que o seu soldo será reajustado (só daqui a sete meses) em R$ 195,33.
A bem da verdade, o governo não intitulou de reajuste salarial o projeto de lei recém enviado. Se o fizesse, teria de reconhecer na exposição de motivos a existência de elevadas perdas salariais. Saiu pela tangente optando por ressaltar a necessidade de que “se mantenha um adequado grau de atratividade dessa carreira, bem como haja estimulo à permanência de profissionais qualifica dos.” Belo engodo, bela astúcia. Como se pudesse passar uma borracha no passado, fugiu pela porta dos fundos... O governo é um ente aético, já dizia Delfim Netto, em pleno vigor do regime militar, do qual era o expoente.
Em vez de se valer de dados fáticos e séries históricas de dados financeiros que respaldassem os percentuais que submeteria à aprovação do Congresso, onde obrigatoriamente ficariam realçadas as perdas salariais que dariam margem a que os parlamentares perguntassem ‘por que X e não Y’, o Governo tirou da cartola outro caminho menos espinhoso. Diz a exposição de motivos: “Nesse sentido, acordou-se que seria possível expandir a folha de pagamento dos militares das Forças Armadas em até 25,5% até 2019, tendo em vista a necessária valorização das Forças Armadas e as limitações impostas pelo cenário fiscal.”
Vale a pergunta: na expressão “acordou-se que”, quem é o agente da passiva que está escondidinho? A matéria remuneração dos militares é séria demais para que se faça uso de recursos de linguagem! Não é o agente, é a agente. In casu, é a vontade política.
Leia-se: poder discricionário, arbitrário, praticado desde antanho em todas as vezes que se vê na contingência de reajustar a remuneração dos militares. A decisão nunca é técnica. É do tipo “vamos dar um cala a boca para que se aquietem”.
E concedem-se reajustes mínimos para que sobrem verbas para compras. Valorização ou escárnio? Por que será? Por que não se levam em conta os resultados de pesquisas sobre contínuo motivacional que apontam o amparo a ser dado à família como sendo o principal atrativo para que os militares, sabedores que a qualquer momento podem ser expostos ao fogo fatal da metralha, permaneçam na carreira?

Maioridade das perdas salariais
Como é sabido, o desajuste salarial dos militares acabou de completar a maioridade porque vem desde o primeiro governo FHC: 8 anos do FHC + 8 do Lula + 5 da Dilma= 21
Já se tornou clássica a comparação entre a remuneração do piloto de ascensor vertical do Senado, do diretor da garagem, do motorista, do capitão piloto do caça Gripen, do capitão-de-fragata comandante de uma moderna fragata, e do comandante de uma unidade de carros blindados. Nem vale a pena colocar esses números aqui. Estamos submetendo essa matéria ao elevado tirocínio dos parlamentares e não aos personagens da Escolinha do Professor Raimundo.

Artifício de má índole:
A concessão do reajuste em quatro parcelas é um artifício do qual se vale o governo para se esquivar de rediscutir a matéria ano a ano como determina a Constituição (art. 37, X). Como sabe que sempre haverá carência de vontade política para rediscutir lei recente, ele parcela os reajustes em vários anos, assim garantindo-se de que não será importunado por um bom tempo. Ora, onde já se viu a Pátria se preocupar com os seus soldados!
Ademais, como a quarta parcela de 6,28% do ilusório reajuste vigorará a contar de 1º de janeiro de 2019, data da posse do Presidente eleito, o governo dirá, em 2018, que será inadequado alterar a tabela dos soldos em vigor naquele ou no ano seguinte, tarefa que deixará para o novo presidente decidir. Dirá também que, conforme preceito legal, não pode aumentar despesa com pessoal em ano eleitoral. Com isso, empurrará para 2020 o estudo sobre qualquer novo reajuste, que, se aprovado, vigorará em 2021. Isso seria muito próprio de um governo que se sentasse com os generais durante o banquete anual do engodo, tendo como piéce de résistence de uma conversa animada a desfaçatez de dizer que valorizava os seus soldados! Não podemos crer que isso venha a se passar no Brasil que desejamos.

Exposição de motivos:
Na EMI nº 00507/2015 – Ministério da Defesa / Ministério do Planejamento é informado que “Em média, o reajuste será efetivado nos seguintes percentuais: 5,5% em 2016; 6,59% em 2017; 6,72% em 2018 e 6,28% em 2019”. Porém verifica-se que isso não se aplica ao soldado-recruta / marinheiro-recruta, soldado de segunda classe, etc, que compreendem a maior parte dos efetivos militares. Para esses soldados, os percentuais de reajuste foram propostos em números muito maiores, a saber: 5,5% em 2016; 11,36% em 2017; 11,11% em 2018 e 11,95% em 2019.
A bem da clareza, cumpre ressaltar que nessa exposição de motivos o Governo acena com: “Não obstante, cumpre-nos registrar o compromisso de analisar permanentemente a política de remuneração dos integrantes das Forças Armadas, face à trajetória fiscal dos próximos dois anos, preferencialmente, com o objetivo de possibilitar que as instituições militares sejam capazes de atrair e manter em seus quadros recursos humanos essenciais ao desempenho de suas funções.
Nesse aceno há um pecado porque o compromisso de analisar permanentemente a política de remuneração não se dará face à trajetória fiscal dos próximos dois anos, nem por ela motivado, e muito menos para atrair e manter os seus quadros especializados. É meritório que permaneça latente essa motivação, porém, a bem da verdade, convém ressaltar que a revisão tem de se dar porque é mandatória (CF, art. 37, X). Até então, nos últimos 21 anos, os governos não concederam reajustes animados por motivações dessa natureza. Concederam a fórceps, após gestações que passaram de limites. O resultado é conhecido: hoje contam-se aos milhares os militares que contraíram empréstimos consignados e vivem próximos da penúria. Esforçam-se para manter a dignidade, o aluguel e o pagamento do colégio dos filhos em dia, a proteína no prato das crianças, mas está difícil.

Senhores Congressistas:
À vista do exposto, solicitamos que os senhores alterem o PL 4255/2015 ora encaminhado ao Congresso. A reposição das perdas acumuladas, da ordem de 50%, só se dará − mesmo que parcialmente − se o reajuste for concedido em, no máximo, três parcelas. A primeira, de 9%, com efeitos financeiros a contar de 1º de janeiro de 2016, a segunda, de 8%, calculados sobre a primeira, a partir de 1º de julho de 2016. E a terceira, também de 8%, calculados sobre a segunda, a partir de 1º de janeiro de 2017. Somam 27,13%, inferiores aos 27,90% que o governo prontifica-se a conceder segundo oficialmente anunciou no site do Ministério da Defesa (http://www.defesa.gov.br/noticias/17864-reajuste-salarial-dos-militares-sera-de-27-9). Os restantes 22,87% necessários para atingirmos os pretendidos 50% poderão, conforme o compromisso assumido pelo Ministério da Defesa, ser discutidos no decorrer de 2017, quando o trem da economia pode estar voltando aos trilhos.
Não desconhecemos que a Constituição reserva ao Presidente da República a prerrogativa de apresentar projetos de lei que impliquem em despesas. Não se pretende aumentá-las, apenas remanejá-las. Para tal, contamos com o irrestrito apoio dos nossos deputados e senadores que saberão como nos representar junto à Presidência da República na busca de uma solução harmoniosa que pode se dar mediante a simples substituição do ANEXO 1 apensado ao referido Projeto de Lei.
Comparem esses dados, comparem com os R$ 14 bilhões que os Ministérios da Defesa e do Planejamento estimam corresponder ao aumento das despesas de pessoal decorrentes da aprovação desse Projeto de Lei, mas, principalmente, comparem com outro número, esse sim eloquente. Refiro-me a um número que os senhores estão examinando: o do orçamento federal para o corrente ano (2016) estimado em R$ 3.050.613.438.544,00 (três trilhões, cinquenta bilhões, seiscentos e treze milhões, quatrocentos e trinta e oito mil e quinhentos e quarenta e quatro reais). Três trilhões são iguais a 3.000 bilhões. Estamos falando de apenas 14 bilhões = 0,46% dessa quantia, um troco!...
Somos sabedores, e não poderia ser diferente, que os senhores têm em elevada consideração o valor dos nossos soldados, assim como reconhecem a importância do papel moderador das Forças Armadas na atual conjuntura. Permitimo-nos encerrar esta exposição, acrescentando ao pé desta página um poema de autoria de Charles M. Province, veterano do Exército dos Estados-Unidos − relembrado, anos depois, pelo presidente Barack Obama em pronunciamento público. Estamos certos de que não há como negar o acerto dessas palavras.

Atenciosamente,
Coronel Lúcio Wandeck - Aeronáutica
É graças aos soldados, e não aos sacerdotes, que podemos ter a religião que desejamos / É graças aos soldados, e não aos jornalistas, que temos liberdade de imprensa / É graças aos soldados, e não aos poetas, que podemos falar em público / É graças aos soldados, e não aos professores, que existe liberdade de ensino / É graças aos soldados, e não aos advogados, que existe o direito a um julgamento justo /É graças aos soldados e não aos responsáveis pelos campus, que podemos protestar /É graças aos soldados, e não aos políticos, que podemos votar (...)

CÓPIA DA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS ANEXA AO PL 4255/2015
EMI nº 00507/2015 MD MP
Brasília, 30 de Dezembro de 2015.
Excelentíssima Senhora Presidenta da República,
1. Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de lei, que altera a Tabela de Soldo dos militares das Forças Armadas, constante do Anexo LXXXVII, e a Tabela do Escalonamento Vertical dos postos e graduações dos militares das Forças Armadas, constante do Anexo LXXXVIII, ambos da Lei no 11.784, de 22 de setembro de 2008, com vistas a reajustar a remuneração dos militares e pensionistas das Forças Armadas.
2. Seguindo as orientações da Presidência da República, o Ministério da Defesa tem atuado para o fortalecimento das Forças Armadas, com destaque para a realização de investimentos significativos na aquisição de equipamentos e no desenvolvimento de tecnologias. Esses investimentos buscam efetivar diretrizes previstas na Política e na Estratégia Nacionais de Defesa e geram reflexos positivos para a sociedade e para a indústria brasileira, como geração de empregos e transferência de tecnologias.
3. A política de remuneração dos militares das Forças Armadas é outro componente do processo de fortalecimento das Forças Armadas. A valorização da carreira militar, com o estabelecimento de remuneração compatível às suas funções de Estado, é necessária para que se mantenha um adequado grau de atratividade dessa carreira, bem como haja estimulo à permanência de profissionais qualificados. A atração e retenção de quadros qualificados, por sua vez, são essenciais para que as Forças Armadas possam dar continuidade à excelência no cumprimento de sua missão constitucional, bem como para a efetivação do processo de modernização em andamento.
4. Nesse sentido, acordou-se que seria possível expandir a folha de pagamento dos militares das Forças Armadas em até 25,5% até 2019, tendo em vista a necessária valorização das Forças Armadas e as limitações impostas pelo cenário fiscal.
O reajuste será praticado em quatro parcelas, entre 2016 e 2019. Ao final, a elevação estimada das despesas com pessoal alcançará o montante de R$ 14 bilhões em 2019, considerando o aumento do escalonamento vertical para determinados postos e graduações e o reajuste linear do soldo. Em média, o reajuste será efetivado nos seguintes percentuais: 5,5% em 2016; 6,59% em 2017; 6,72% em 2018 e 6,28% em 2019.
5. Não obstante, cumpre-nos registrar o compromisso de analisar permanentemente a política de remuneração dos integrantes das Forças Armadas, face à trajetória fiscal dos próximos dois anos, preferencialmente, com o objetivo de possibilitar que as instituições militares sejam capazes de atrair e manter em seus quadros recursos humanos essenciais ao desempenho de suas funções.
6. Por fim, assinala-se que as medidas apresentadas no anexo Projeto de Lei beneficiarão um público alvo de 740 mil pessoas, entre militares ativos e inativos, pensionistas e anistiados políticos militares.
Essas são, Senhora Presidenta, as razões que nos levam a propor o anexo Projeto de lei, que altera a Tabela de Soldo dos militares das Forças Armadas, constante do Anexo LXXXVII, e a Tabela do Escalonamento Vertical dos postos e graduações dos militares das Forças Armadas, constante do Anexo LXXXVIII da Lei no 11.784, de 22 de setembro de 2008.
Respeitosamente, Assinado eletronicamente por: Nivaldo Luiz Rossato e Valdir Moysés Simão.
Alerta Total/montedo.com