23 de janeiro de 2016

Esperando o ano que vem: Marinha 'hiberna' por 18 meses e torce pelo fim da crise

ESPECIAL 
Até 2017! Sem dinheiro, Marinha do Brasil vai hibernar por 18 meses torcendo para que, no fim do ano que vem, as boas notícias voltem a aparecer…
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Roberto Lopes
A Marinha do Brasil entrou em estado de hibernação.
Há muito pouco a fazer para melhorar a situação operacional da Força, diante do congelamento orçamentário imposto, com intensidade devastadora, pelo chamado Ajuste Fiscal do governo.
Uma fonte da Diretoria-Geral de Material da Marinha (DGMM) relatou à coluna INSIDER que a corporação perdeu a capacidade de adquirir meios navais este ano. Mesmo para os navios de segunda mão – ou “oportunidade”, como gostam de chamar alguns chefes navais – falta um mínimo de recursos.
De acordo com um oficial da Secretaria-Geral da Marinha que esteve ligado à gestão dos recursos do Fundo Naval e à coordenação das aplicações financeiras que preservam o volume do Fundo no exterior, fornecedores insistentes – como a empresa sueca Kockums, que tenta empurrar para a Força de Minagem e Varredura, na Bahia, dois caça-minas classe Landsort usados pelo preço de um novo – precisariam respaldar suas ofertas em um plano de financiamento a perder de vista, com a primeira quitação vencendo somente na metade final do ano que vem.
Mas é preciso dizer que nem todos os problemas da Marinha se restringem à falta de dinheiro decretada pela crise econômica.
O caso EISA – Nos últimos anos a Marinha investiu alguns milhões dos seus preciosos e escassos dólares em ao menos dois programas claramente deficientes do ponto de vista técnico. E que, é forçoso admitir, passaram todo o ano de 2015 emitindo alertas de que não iam bem: o da elevação das aeronaves AF-1 (ex-A-4KU) do Esquadrão VF-1 Falcão da Força Aeronaval, ao padrão AF-1A, e o da construção, no estaleiro EISA (Estaleiro Ilha S.A.), do Rio de Janeiro, dos navios-patrulhas costeiros classe Macaé.
Segundo esta coluna apurou com exclusividade, a Marinha suspendeu, temporariamente, a entrega que a empresa alemã MTU deveria fazer de motores para dois classe Macaé que se encontram trancados dentro do estaleiro em estágio avançado de fabricação: o Maracanã, destinado ao 4º Distrito Naval, e a Mangaratiba, que ficaria no Rio mesmo, para reforçar os meios do 1º Distrito Naval.
Motivo da suspensão da entrega dos motores: a má qualidade da construção dessas embarcações.
O que não se compreende é como esse problema não foi detectado antes, gerando alguma reação importante do setor de Material da corporação.
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O EISA fechou as portas e demitiu todos os seus funcionários. Os chefes navais ainda tentaram garantir a entrega de seus patrulheiros Macaé, patrocinando um acordo operacional entre a empresa fluminense e o afamado estaleiro espanhol Navantia. Mas o arranjo não surtiu o efeito esperado.
Um ano e meio atrás, a previsão é que, neste primeiro semestre de 2016, a Marinha já estivesse operando quatro navios-patrulha classe Macaé, e na expectativa de receber o Miramar, sua quinta unidade, destinado ao 3º Distrito Naval. Mas tudo isso, agora, ficou sem prazo.
A Marinha terá, certamente, que ingressar na Justiça, para resguardar os seus direitos (e os mais de 90 milhões de Reais já pagos) no caso dos patrulheiros.

Condenado
O assunto da modernização, coordenada pela Embraer Defesa, dos caças-bombardeiros Skyhawk adquiridos à Força Aérea do Kuait no fim da década de 1990 é tão, ou mais, constrangedor que a má execução do projeto Macaé pelo EISA.
O oficial que serve na DGMM lembrou que, em meados de 2015, depois que o Comandante da Marinha, almirante Eduardo Leal Ferreira, se deslocou até o município paulista de Gavião Peixoto para receber da Embraer a primeira aeronave “modernizada”, blogueiros habituados a bajular a Força Naval previram que outras aeronaves remodeladas nesse mesmo “padrão” voariam antes do fim do ano. E relata:
“Procurei no blog deles alguma nota pedindo desculpas aos leitores, pois eles haviam garantido a entrega de mais dois A4 pela Embraer, ainda em 2015. Nós da DGMM sabíamos que o avião não estava operando. Que ele só voava. Em melhores condições que antes, mas só isso. Voava. A integração do armamento ficou deficiente. Tanto que a Embraer foi multada. A partir daí, [a Embraer] chamou os israelenses para realizar o trabalho”.
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Há outras opiniões, ainda mais drásticas.
Um comandante da Marinha amigo desta coluna e que serviu na Diretoria de Sistemas de Armas costuma qualificar a iniciativa de atualização dos Falcões como “um programa condenado”. Até porque, conforme se sabe, as aeronaves “modernizadas” permitirão o adestramento dos pilotos em defesa aérea sobre áreas marítimas, mas estão inabilitadas a cumprir missões contra alvos de superfície, por exemplo.

Estaleiros
Dois mil e dezesseis não reserva apenas agruras à Marinha, claro.
Aqui e ali acontecerão momentos de regozijo, como o que acontecerá no mês de março, com a chegada ao Rio de Janeiro do navio de desembarque multipropósito Bahia (ex-Siroco), comprado à França.
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O problema é que esse justificado orgulho não irá perdurar ao longo de toda a corrida de obstáculos em que devem se constituir os próximos 18 meses.
Por exemplo: ainda este ano o almirante Leal Ferreira precisará decidir, em conjunto com a direção da Empresa Gerenciadora de Projetos Navais (EMGEPRON), o tipo de aporte financeiro que sua Força fará ao programa trinacional (Colômbia/Brasil/Peru) de desenvolvimento de um novo tipo de navio-patrulha fluvial – se é que a EMGEPRON permanecerá nesse programa.
O estaleiro colombiano Cotecmar propõe um modelo de embarcação inspirado no navio-patrulha pesado colombiano tipo PAF III – espécie de fortaleza blindada flutuante, cujos requisitos de habitabilidade – excessivamente espartanos – fogem completamente à tradição de conforto mínimo que os chefes navais brasileiros procuram garantir às suas tripulações.
Os desvios sistemáticos de recursos na Petrobras dos últimos 13 anos, bem como o impacto das revelações da Operação Lava Jato, atiraram na incerteza as perspectivas de trabalho em mais de uma dezena de estaleiros cujos negócios estão fortemente vinculados à estatal brasileira do petróleo. E a Marinha está pegando a rebarba dessa tormenta.
Hoje, a Força Naval brasileira está em piores condições para renovar a sua frota com base em construções nacionais do que as Marinhas da Colômbia – que possui o estaleiro Cotecmar trabalhando a todo vapor –, do Peru – que investiu fortemente na qualificação do Servicio Industrial de la Marina (SIMA-Peru) – e do Chile, que tem a indústria naval Asmar (Astilleros y Maestranzas de la Armada) envolvida em ao menos três grandes projetos (um modelo de OPV derivado do Fässmer OPV 80 alemão, uma lancha de desembarque pesada e um navio quebra-gelos de 7.000 toneladas) para a sua Esquadra.
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Contraste
Um anúncio dos patrulheiros oceânicos que estão sendo construídos pela empresa estatal chilena Asmar, e o vazio existente, já há alguns meses, no estaleiro EISA, do Rio de Janeiro
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Apesar de manter o seu Centro de Projetos de Navios empenhado no programa da corveta CV 03 classe Tamandaré, a Marinha do Brasil dificilmente disporá de recursos, este ano, para fazer avançar esse projeto; e nem conta com qualquer estaleiro, em território nacional, construindo navios militares.
A Força guarda apenas uma certa competência para fazer reparos em navios da Força de Superfície, nas instalações do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
A manutenção de maior porte requerida por alguns submarinos da classe IKL-209 deverá ser feita em Kiel, na Alemanha – quando houver dinheiro para isso, é claro.

Amazônia
Os almirantes também precisarão tentar dar andamento a projetos no interior do país, marcados por necessidades urgentes e sucessivos adiamentos de cronograma.
Nessa situação está a conversão da atual Delegacia Fluvial de Porto Velho em Capitania Naval Madeira-Mamoré – uma iniciativa da área do 9º Distrito Naval (Amazônia Ocidental) que data de 2009 (!) – e a instalação das agências fluviais de Sinop, Alta Floresta e Juruena, no norte de Mato Grosso, jurisdição do 6º Distrito Naval.
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O prédio-sede da Delegacia Fluvial de Porto Velho, OM da Marinha que será transformada em Capitania Fluvial Madeira-Mamoré
Com jurisdição sobre os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre, a Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental, sediada em Manaus, registrou, em 2015, o maior número de acidentes fluviais em toda a Amazônia (entre aqueles que foram informados às autoridades, naturalmente): 38. A Delegacia Fluvial de Porto Velho (futura Capitania Madeira Mamoré) vem em seguida, com 14 ocorrências.
Então, a partir do fim de 2017, começarão (possivelmente) a surgir as boas notícias, sobre a modernização dos helicópteros Lynx na Inglaterra, a fase final dos trabalhos de reforma de alguns bimotores americanos que servirão ao transporte de carga e ao reabastecimento em voo dos caças AF-1, a entrega ao Corpo de Fuzileiros Navais dos CLANFs (veículos anfíbios) modernizados nos Estados Unidos…
É esperar para ver. Caso consigamos nos manter à tona.
PLANO BRASIL/montedo.com