23 de janeiro de 2016

Onda de violência faz Haiti adiar eleições presidenciais


Luis Kawaguti
Da BBC Brasil em São Paulo
Centros de votação estão sendo atacados por grupos ligados a partidos políticos
Uma onda de violência fez o governo haitiano adiar o segundo turno das eleições presidenciais, que deveria ocorrer neste domingo. Antes do anúncio dessa decisão, o general brasileiro Ajax Porto Pinheiro, comandante das forças de paz da ONU no país, havia relatado à BBC Brasil que grupos políticos organizaram uma série de ataques para tentar a evitar a realização do pleito.
"Desde terça-feira houve um aumento considerável de incidentes (de violência) no país", afirmou o general. Segundo ele, foram registrados episódios de grupos armados ligados a partidos políticos entrando em choque entre si e gangues tentando incendiar locais de votação com coquetéis molotov.
Nesta sexta-feira, ao menos dois locais de votação - entre eles uma escola - foram incendiados. Ao menos outros sete pontos de votação sofreram ataques, mas forças de segurança teriam impedido sua destruição.
Casas de autoridades eleitorais também teriam sido incendiadas. Indivíduos armados foram vistos carregando material eleitoral roubado em um vilarejo no interior do país.
Pierre-Louis Opont, presidente do órgão que supervisiona as eleições, disse à agência de notícias Associated Press que o pleito foi adiado indefinidamente porque há "muita violência pelo país".
Ele divulgou um comunicado dizendo porém que o processo eleitoral não foi cancelado, está apenas suspenso.
O país vive uma profunda crise política desde o ano passado; o principal candidato oposicionista havia retirado sua candidatura e promovia um boicote eleitoral.
Na quinta-feira, tropas brasileiras já haviam sido despachadas com urgência para a cidade de Jacmel, no sul do país, para proteger urnas eleitorais armazenadas em um aeroporto. Grupos locais ameaçavam incendiar o local para prejudicar a realização da eleição.
Além disso, a capital, Porto Príncipe, vive uma rotina praticamente diária de protestos, barricadas e choques de manifestantes com a polícia. Na tarde desta sexta-feira, a capital registra manifestações de grandes proporções.
O adiamento do pleito aprofunda ainda mais a crise política. Analistas dizem que o presidente pode ter que deixar o cargo em 7 de fevereiro, devido a uma exigência da Constituição. Um governo provisório pode ser formado para conduzir o país até a realização do pleito.
Porém, o governo não teria recursos financeiros suficientes para organizar uma nova eleição.
Crise política
A recente crise política do Haiti foi deflagrada no segundo semestre do ano passado, junto com o início do processo eleitoral.
Os primeiros distúrbios, ainda em pequena escala, começaram durante o primeiro turno das eleições parlamentares em agosto.
Em outubro, quando houve votações simultâneas para o segundo turno das eleições parlamentares e o primeiro turno da corrida presidencial, a violência cresceu.
Segundo autoridades da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah), grupos armados ligados a partidos políticos provocaram tiroteios em redutos eleitorais de seus opositores. Eles tentavam impedir que a votação ocorresse em locais estratégicos, para assim prejudicar seus oponentes.
Os grupos foram reprimidos por autoridades locais e internacionais e a votação ocorreu com elevados índices de comparecimento de eleitores às urnas, segundo autoridades da ONU.
Oficialmente, o candidato Jovenel Moïse, apoiado pelo presidente Michel Martelly, teve 32% dos votos e o oposicionista Jude Célestin, que participou do governo do ex-presidente Renè Preval, 25%.
Mas a crise política se agravou após a divulgação dos resultados.
A oposição fez denúncias de supostos casos de fraude eleitoral – como eleitores votando mais de uma vez, pagamento de propina a autoridades eleitorais e adulteração de cédulas e folhas de apuração.
Isso deu origem a uma série de manifestações de rua e a debates no Parlamento, controlado pela oposição ao presidente Martelly.
Uma comissão de apuração do governo analisou posteriormente parte das urnas e documentos eleitorais. O grupo concluiu que apenas 8% das folhas de apuração não continham erros, 30% tinham votos de pessoas que não constavam na lista de eleitores e metade tinha números de identificação de eleitores incorretos, segundo o jornal New York Times.
Contudo, essa comissão afirmou que os erros não haviam sido causados por fraudes, mas sim por falta de precisão e profissionalismo de mesários e pessoas envolvidas na organização da eleição.
A OEA (Organização dos Estados Americanos) também analisou os registros da votação e constatou irregularidades. Mesmo assim, o órgão endossou o resultado do primeiro turno.
Segundo turno
Esta é a segunda vez que o segundo turno da eleição presidencial é cancelado. Ele deveria ter ocorrido em 27 de dezembro do ano passado, mas foi adiado por causa das denúncias de fraude.
De acordo com a agência de notícias Associated Press, o Senado, aprovou nesta semana uma resolução (não vinculante) para cancelar o pleito de domingo. O presidente Martelly insisitu até esta sexta-feira que o pleito seguiria em frente.
Analistas locais dizem que se a eleição for adiada, o presidente terá que deixar o cargo em fevereiro e será substituído por um governo provisório até a realização de um novo pleito.
A missão das tropas da ONU durante as eleições é apoiar a Polícia Nacional do Haiti para garantir a segurança.
Desde o início da semana, o general Ajax Pinheiro começou a enviar tropas para proteger urnas e zonas eleitorais.
Há 1.508 locais de votação, que devem ser protegidos por 11 mil policiais e 2.370 militares da ONU.
Além da capital, as tropas da ONU estão distribuídas em 16 cidades – em seis dos nove departamentos (Estados) do Haiti. Cada uma dessas cidades do interior tem uma unidade formada por 40 combatentes (infantaria e tropas de choque), dois blindados, dois jipes e um caminhão de transporte.
Eles carregam armas de controle de multidões (gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha) para agir em caso de distúrbios urbanos. Além disso possuem armamento letal para eventuais combates contra grupos armados e têm suprimentos para resistir a nove dias, até a chegada de reforços.
Essas unidades são formadas por militares do Chile, Uruguai, Peru e Brasil.
Na região da capital, uma das áreas mais críticas, apoiar a polícia para garantir a segurança é tarefa do batalhão brasileiro, da polícia da ONU e de unidades de choque da ONU.
Além disso, há uma "Força de Reação Rápida" da ONU – 60 militares distribuídos em cinco helicópteros - que se dirigem para áreas onde a situação de segurança está mais frágil.
O general Ajax Pinheiro afirmou à BBC Brasil na noite desta sexta-feira que essas tropas permanecerão guardando urnas e cédulas até que todo o material eleitoral seja recolhido no sábado.
O Brasil lidera a missão militar no país há 11 anos e foi um dos principais responsáveis, entre 2004 e 2007, pela desarticulação dos grupos rebeldes e gangues que motivaram o estabelecimento da missão de paz há mais de uma década.
A violência atual no país ocorre em escala bem menor do que a presenciada nos anos iniciais da missão, segundo o general.
BBC/montedo.com