Atualmente, cerca de 300 atletas de rendimento fazem parte das Forças Armadas. Eles seguem seus treinos e competições normalmente, mas têm que aprender a rotina militar
Aretha Martins - iG São Paulo
Treino de rapel, montanhismo e parede de escalada. Caminhada noturna com peso nas costas. Prova de tiro. O que isso tem a ver com o esporte brasileiro de alto rendimento? Para quem é atleta militar, muito. Em 2009, o Exército e Marinha abriram vagas e começaram um programa para contratar esportistas visando os Jogos Mundiais Militares de 2011. A ideia deu certo e o Brasil fechou a competição do Rio de Janeiro em primeiro no quadro de medalhas, com 45 ouros, 33 pratas e 36 bronzes. Pelos bons resultados, os atletas seguiram nas Forças Armadas e o programa, que ganhou força em 2010 e 2011, foi estendido até 2016. Hoje são cerca de 180 atletas na Marinha e 120 no Exército.
Os esportistas, no geral, são sargentos temporários. Para assegurar o posto, eles passam por uma reciclagem anual. E foi em um dessas reciclagens, por exemplo, que a equipe da natação teve que aprender a fazer rapel. A experiência foi divertida para uns, mas um pouco assustadora para outros.
“Com certeza descer de rapel seria uma coisa que eu não faria por livre e espontânea vontade”, confessa Sargento Poliana Okimoto, campeã mundial na maratona aquática. O iG reuniu algumas dessas histórias para mostrar como é ser um atleta militar.
Reprodução/Facebook
Poliana Okimoto durante reciclagem no Exército no final de agosto
|
“Não gosto muito de altura, mas missão dada é missão cumprida”
Antes de entrar para o Exército, os atletas passaram por um processo de seleção por edital e, depois, fizeram três semanas de treinamento na base em Agulhas Negras, em Resende (RJ). Por lá aprenderam disciplina militar, hierarquia e diversas técnicas, como sobrevivência na selva. Agora, ainda passam pela reciclagem. Em ambos os casos, a altura parece ter sido um problema.
O judoca Leandro Guilheiro também é da turma de Poliana. “Não me sinto confortável com altura desde garotinho e no Exército teve montanhismo, rapel, alpinismo com corda. Tinha um pouco do medo, mas sabia que estava em segurança. No final foi legal porque fiz os exercícios e isso me fez crescer”, afirma Guilheiro.“Eu não fico paralisada de medo, mas não gosto muito de altura e tinha que fazer a descida de rapel”, conta Poliana Okimoto. “Eu via os meninos descerem e eles iam com tanta facilidade que achei que fosse ser igual na minha hora. Eu tinha aprendido a técnica, mas eu não saia do lugar. Falava: ‘Gente, isso está com problema’. Mas o sargento que estava nos acompanhando disse que, por ser mais leve, tinha que fazer força na perna. Depois de um tempo eu consegui descer. Missão dada é missão cumprida”, lembra a nadadora.
Vida de aventureiro inclui caminhada e bolhas no pé
Os treinos têm muita ligação com a natureza. Leandro Guilheiro aprovou essa parte. “Aprendemos a mexer com bússola e a coletar informações da natureza para nos orientarmos, como entendo as estrelas. Achei muito legal isso”, fala o judoca.
Já Poliana faz suas ressalvas. “Acho que pior parte foi uma caminhada noturna com mochila nas costas. Nadador não está acostumado a fazer exercício fora d’água. A gente faz força na horizontal, mas quando é na vertical, a gente sofre. E não é frescura. Doem as costas, as pernas, dá bolha nos pés. E tinha que fazer tudo de farda, coturno. Foi bastante complicado”, confessa a campeã mundial na maratona aquática.
Até quem sabe atirar se assusta na primeira vez
Muitos atletas citam os treinos com as armas como experiência marcante no Exército. Até quem tem conhece o assunto. “No tiro, a pistola é muito diferente da que uso no pentatlo. Eu puxava o gatilho e não saia nada. Tinha que fazer mais força. De repente, pá, saiu o tiro”, fala Yane Marques, bronze nas Olimpíadas de Londres 2012.
“Confesso que a primeira vez que a gente atirou eu fiquei apreensiva principalmente por causa do barulho, que é muito alto. O recuo que a arma dá no ombro também é muito forte. Teve bastante gente que ficou chorona na hora”, revela Poliana Okimoto.
Patrocínio hoje e, quem sabe, militar de carreira depois
O compromisso de quem é das forças armadas é representar o país nos torneios. “Quando vamos para competição, eles falam que estamos em missão”, explica a judoca Sarah Menezes, que é marinheira.
Para os atletas, ser militar também significa ter uma forma de patrocínio. “Recebo soldo como 3º Sargento em torno de R$ 2500,00 por mês e ainda tem 13º, plano de saúde. Tem atleta que não tem clube e vive só com o soldo”, diz Poliana. “Eles ajudam nas viagens e querem fazer um treinamento de altitude com a equipe de natação, por exemplo. O Exército não pode bancar o meu técnico porque ele não é militar, mas só de pagar a minha passagem e hospedagem já é ótimo”, fala a nadadora.
“Além do patrocínio, tenho estrutura para treinar em qualquer lugar que estiver. Tem um centro na Urca, no Rio de Janeiro, mas posso ir para qualquer quartel, desde que eu avise e me apresente como militar”, comenta Yane Marques.
A medalhista olímpica se define como uma atleta sargento, mas não descarta a possibilidade de inverter esta ordem. “Como temporário podemos ficar oito anos e penso em, depois, fazer a prova para militar de carreira. Mas primeiro tenho que focar até as Olimpíada de 2016”, fala Yane.
Independentemente de seguir carreira ou entrar pelos programas de alto rendimento, o sentimento de patriotismo toma conta de todos. “As canções do Exército me arrepiam”, revela Yane. “Nunca tinha imaginado isso, mas hoje tenho orgulho de falar que sou militar”, completa Poliana.
iG esportes/montedo.com