4 de outubro de 2013

Sara e Ítallo: a feminista e o fardado

Chico Felitti
O futuro sargento Bengaly e a ativista, que trabalha na fundação de um novo grupo
O Carnaval da Cinelândia carioca pode ser desaconselhável para uma mulher sozinha. A não ser que essa mulher seja Sara Winter, 21, ativista que trouxe para o Brasil o grupo feminista Femen e está acostumada a enfrentar policiais usando pouco mais que pintura corporal.
Estava Sara no Rio para um protesto em fevereiro deste ano. A colega ativista que havia ido com ela conheceu um estrangeiro, saiu com ele e não voltou para casa. “Estava procurando ela quando vem um cara e, achando que eu era gringa, começou a falar comigo.”
Era o carioca Ítallo Marcel Bengaly, 23. “Tava já triste, pensando em voltar para casa, mas daí vi aquela menina e me interessei”, conta ele. No meio da segunda frase, o folião pede um beijo. “Eu não te conheço, vou te dar um beijo?”, respondeu Sara. E ouviu de volta: “Então vem conhecer”.
Ela de fato foi. Depois de uma hora de conversa, tinha descoberto que ele às vezes tocava guitarra numa banda de punk, seu gênero predileto, e, que como ela, curtia mais rock do que marchinhas carnavalescas.
Na hora de ir embora, ele cobrou de novo o beijo pedido. “E eu dei.”
No dia seguinte, rumou com a colega (que reaparecera sã e salva) para um churrasco na casa de Ítallo, na zona norte do Rio. A segunda impressão não foi das melhores. “Ele me disse que eu tinha um pouco de cara de lésbica. Pensei comigo ‘Na minha cabeça lésbicas não têm cara ou jeito definido, isso é preconceito’, mas foi um dia meio estranho.”
Como naquele horário não havia mais ônibus para voltar à Lapa, onde as feministas estavam hospedadas, tiveram de improvisar um colchão no chão da sala. “No meio da noite ele veio me ver. E estamos juntos até hoje”, diz Winter.
A compreensão dele de feminismo começou a se mostrar naquele momento, diz Sara. “Geralmente, quando se tem sexo casual, o cara não liga para você. Ele não, ele perguntava se eu estava gostando o tempo todo.”
Passada a Quarta de Cinzas, a ativista tornou a São Carlos, onde morava com os pais, e passou duas semanas na cidade natal, no interior de São Paulo. “Nos falamos todos os dias por telefone. Até que eu decidi me mudar para o Rio, o que seria bom para o Femen também.”
Os ficantes moraram dois meses juntos. “No final, nem acabei indo atrás de casa, que era o plano inicial.” Depois do sexagésimo dia, ele recebeu uma resposta positiva: passara na escola de sargentos e teria de se mudar para Recife. Só tinham mais dois meses juntos, então aproveitaram esse tempo para viajar.
Sara em um dos protestos a que Ítallo assistiu (de longe)
Ele a acompanhou no programa de Luciana Gimenez e em um protesto na avenida Paulista. Ficou observando ela trabalhar ao longe. “Bom, não foi tão difícil porque a polícia não prendeu ela. Foi a primeira vez que eu vi ela mostrando os seios em público, mas é natural. Entendo o trabalho dela.”
A lua de mel acabou quando ele partiu para o Nordeste. Ficaram um mês sem se ver, com Sara sofrendo em São Paulo. Por amor e por ter se desligado do grupo feminista ucraniano. “Até que uma hora eu me perguntei: ‘O Femen acabou para mim e o que eu estou fazendo aqui?’”
A resposta veio via DDD, quando ele fez o pedido de casamento. “Eu nunca imaginei que ia ter um relacionamento monogâmico ou que ia casar. Mas na hora não pensei duas vezes, disse sim.”
E mais uma vez Sara Winter se mudou. Desta vez para Recife, onde deve ficar até janeiro esperando o noivo, que fica enquartelado durante toda a semana. Os colegas de caserna gostaram da companheira, garante Ítallo. “Eu também pensei que fosse ter grandes problemas no Exército quanto a isso. Mas só quem está lá dentro sabe o quanto a mentalidade mudou.”
Mudou a ponto de ela ter comprado os anéis de noivado, que foram entregues numa gincana. Winter fez várias pistas que espalhou pela casa. “O que você faz quando está com calor?” levava ao ventilador. “O que você faz quando se molha?” era a deixa para achar o próximo passo numa toalha. A caça ao tesouro terminava numa embalagem de paçoca dentro do boné predileto dele estava uma paçoca. Na embalagem, em vez de doce, duas alianças.
Sara e Ítallo consolidarão união estável em 31 de outubro, Dia das Bruxas. “Um pouco de ousadia e um pouco de tradicionalismo não fazem mal a ninguém”, garante ela. O casamento fica para depois que ele se formar sargento no Exército. Felicidade aos noivos. (R. A.)
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