22.set.2017 - PMs e jornalistas se refugiam durante tiroteio na passarela que dá acesso à Rocinha (Mauro Pimentel/AFP) |
Paula Bianchi
Do UOL
Enquanto o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e a cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro se reuniam na manhã desta quarta-feira (31) em um seminário no centro da capital fluminense batizado de "O Futuro Começa Hoje, ações da PMERJ - 2018", motoristas abandonavam seus carros e se atiravam no chão na Linha Amarela para escapar do tiroteio entre PMs e criminosos em uma operação policial na Cidade de Deus, favela da zona oeste carioca.
A ação terminou com três mortos e levou ao bloqueio da Linha Amarela durante parte do dia em mais um exemplo da rotina de violência enfrentada pelos moradores do Estado. No dia seguinte, uma equipe de policiais que patrulhavam a região foi atacada a tiros, revidou e a via voltou a ser fechada
Apontada como uma das principais ações para debelar a crise na segurança pública no Rio, a presença das Forças Armadas no Estado, no entanto, teve pouco impacto sobre os indicadores de segurança fluminenses, de acordo com levantamento feito pelo UOL com base nos dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).
As mortes violentas, por exemplo, encerraram 2017 com o maior número de casos registrados nos últimos oito anos e a apreensão de fuzis --anunciada como uma das principais metas da União--,
diminuiu em comparação com o mesmo período de 2016.
Foram 194 fuzis apreendidos no segundo semestre do ano passado contra 223 entre julho e dezembro de 2016, segundo o ISP --quando anunciou o envio de cerca de 10 mil agentes ao Estado, o próprio Jungmann afirmou que a meta era "golpear o crime organizado" e reduzir seu poder de fogo, focando em especial na apreensão de armas de grosso calibre, como fuzis.
Já o roubo de cargas caiu 5,4%, passando de 5.726 casos no segundo semestre de 2016 para 5.419 ocorrências no mesmo período de 2017. A redução desses crimes foi apresentada pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, como um dos principais avanços no combate à criminalidade.
Outros indicadores, como a apreensão de drogas e os roubos de rua, também não apresentaram melhorias, levando especialistas ouvidos pelo UOL a questionarem a efetividade de fato da presença das Forças Armadas no Estado. Foram apreendidos 12.244 kg de drogas no segundo semestre de 2016, enquanto no mesmo período do ano passado foram recolhidos 11.097 kg de entorpecentes; o
total de roubos no semestre passou de 111.717 para 119.726 casos registrados.
Resultados "nulos"
O coronel pondera que essa verba poderia ser melhor empregada em outras ações, como a renovação da frota da Polícia Militar e o pagamento de horas extras dos agentes, ou mesmo em tecnologias modernas como scanners de veículos nas vias de entrada e saída do Estado, que poderiam identificar a presença de armas e drogas.
Para a editora-executiva do Fórum de Segurança Pública, Samira Bueno, a própria opção por chamar as Forças Armadas para atuar no Estado é equivocada. "Não é o Exército que tem que estar aqui. Militares são treinados para o combate, não para fazer policiamento."
Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo |
No Rio desde julho como parte da operação "O Rio quer segurança e paz", as Forças Armadas tiveram a sua presença renovada em dezembro e irão permanecer no Estado até o fim de 2018. Nesses primeiros seis meses, segundo Jungmann, a presença dos militares no Rio custou R$ 43 milhões dos R$ 47 milhões.
Ao contrário de ações militares anteriores no Estado, como a ocupação dos complexos de favelas do Alemão e da Maré, a presença das Forças Armadas no Rio, diz a Defesa, está restrita a ações de inteligência e cerco, de acordo com a necessidade da Secretaria de Segurança.
As ações de inteligência também são questionadas pelo coronel Vicente, que diz que não há integração entre os militares e as forças de segurança fluminenses. "Inteligência é capacitação de informação. Ninguém tem mais capacidade de fazer essa captação de informação do que a polícia do Estado", afirma.
Crise
Em setembro, uma crise entre a Secretaria de Segurança e o Ministério da Defesa quase levou à retirada dos agentes do Estado. O mal-estar começou com um depoimento do secretário Roberto Sá à Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), dizendo que preferia receber recursos federais para quitar gratificações e horas extras vencidas de policiais do que gastar dinheiro com as Forças Armadas no Estado.
Pelo Twitter, a Secretaria de Segurança solicitou o patrulhamento das Forças Armadas em mais de cem pontos da região metropolitana, pedido negado pelo Ministério da Defesa.
A declaração de Sá desagradou os comandantes militares e, desde então, apesar de ambos os lados falarem em cooperação, foram poucas as operações conjuntas entre as tropas federais e as polícias Militar e Civil do Estado.
Nas últimas semanas, a Polícia Civil e a PM realizaram ao menos duas grandes operações – uma na favela do Jacarezinho, na zona norte, a fim de encontrar suspeitos de terem participado do assassinato do delegado Fábio Monteiro, e outra na favela da Rocinha, na zona sul. Nenhuma delas contou com auxílio das Forças Armadas.
Ao menos seis pessoas morreram nas ações, entre elas um tenente da Polícia Militar, de 30 anos
Expectativa salvacionista
Segundo Jungmann, há uma expectativa "salvacionista" em torno da ação dos militares no Estado que precisa ser evitada. "As forças se dispuseram a ser auxiliares e não falharam em nada. Não é uma intervenção. A liderança não é nossa. Somos auxiliares", disse em dezembro, ao anunciar a renovação da estadia das tropas no Estado.
Nesta quarta, logo após o tiroteio na Linha Amarela, ele criticou a imprensa que, segundo ele, opta pelo "masoquismo" na divulgação de informações. Para Jungmann, isso afeta a percepção de insegurança no Rio. O ministro prometeu para os próximos dias a apresentação de um plano detalhado com ações para a estabilização do Rio.
"A denúncia, que é importante, tem que ter de lado o anúncio", afirmou. "Vocês falam da Linha Amarela, que é importante, uma situação grave, lamentável, mas tem que falar também do roubo de carga... que vários indicadores estão estabilizados, se não caindo."
"Levamos dezenas de anos para construir essa tragédia [no Rio] e vocês nos cobram que isso seja revertido em sete meses... Hoje tenho a sensação de que o crime se tornou central na vida do carioca. Que ele passa a decidir a vida dele em função do evitamento do crime. É importante que você introduza uma chama, alguma expectativa, de que as coisas, ainda que parcialmente, ainda que devagar, ainda de que menos do que a gente gostaria de fazer, mas de que elas estão
mudando."
Jungmann disse ainda que as ações conjuntas com as Forças Armadas no Rio entrarão em uma nova fase que incluirá bloqueios marítimos e aéreos para evitar a chegada de drogas e armas na cidade. Essas medidas complementarão as operações conjuntas que já estão sendo realizadas há alguns meses em parceria entre o Exército e a PRF (Policia Rodoviária Federal) nas estradas.
Para a socióloga e coordenadora do Centro do Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, Julita Lemgruber, o ministro mostra-se distante da realidade ao comentar a situação do Rio.
"Me pergunto em que planeta vive o ministro Jungmann. Certamente, se ele fosse um morador das comunidades do Rio de Janeiro, onde a polícia enfrenta o varejo do tráfico cotidianamente com violência, se tivesse que deixar um carro para se proteger de um tiroteio na Linha Amarela, ele tivesse outra posição."
Após as críticas, a reportagem procurou o Ministério da Defesa, que não se manifestou.
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Segurança Pública não se manifestou até a publicação desta reportagem. O secretário Roberto Sá afirmou na quarta que o Rio passa por um momento muito delicado e que situações como a que aconteceu na Linha Amarela são uma resposta do tráfico de drogas à ação da polícia.
"É lamentável mais uma vez perceber que uma via importante como a Linha Amarela foi fechada devido a uma situação de violência. Mas isso aconteceu em razão da polícia estar ali trabalhando para tentar evitar delitos contra a nossa sociedade", disse Sá.
Escalada na violência
O Rio passa por uma escalada de violência. Em 2017, 134 policiais foram assassinados e outras 1.124 pessoas morreram em confrontos com a polícia. Desde setembro, traficantes se enfrentam pelo controle da venda de drogas na região da Rocinha, zona sul da capital fluminense. Por uma semana, quase mil homens das Forças Armadas e policiais fizeram um cerco à favela --parte do contingente de cerca de 8.500 militares que reforçam a segurança no Estado desde o fim de julho.
Em agosto, o governo do Rio decidiu reduzir em 30% o efetivo das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) como forma de aumentar o número de policiais nas ruas, movimento que foi considerado um recuo no programa implantado em 2008 para tentar retomar áreas dominadas pelo tráfico de drogas.
Pesquisa Datafolha de outubro mostra que, se pudessem, 72% dos moradores dizem que iriam embora do Rio por causa da violência. O desejo de deixar a cidade é majoritário em todas as regiões e faixas socioeconômicas --foram ouvidas 812 pessoas, e a margem de erro do levantamento é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos.
Ao longo da última década, o Estado do Rio de Janeiro recorreu formalmente à intervenção das Forças Armadas 12 vezes. Desde 2016, o reforço foi acionado em quatro momentos: durante as Olimpíadas (agosto de 2016), nas eleições (outubro de 2016), na votação do pacote de austeridade na Alerj (fevereiro de 2017) e agora, no reforço da segurança.
As GLOs (Garantia da Lei e da Ordem), como são chamadas, dão poder de polícia aos militares e foram autorizadas pela União a pedido do governo fluminense. A frequência da presença das Forças Militares, no entanto, gera dúvidas sobre a sua real eficácia.
UOL/montedo.com