13 de abril de 2014

MPF investiga comandante da Marinha por suposta improbidade administrativa

MPF apura denúncia que ligaria militar à compra irregular de submarinos
O comandante da Marinha do Brasil, almirante Júlio Soares de Moura Neto:
investigado por improbidade
Luxo e viagem dão indício de improbidade. Marinha não explica

ADRIANA CRUZ E HILKA TELLES
RIo - Num inquérito civil público aberto há um ano e que estava guardado a sete chaves, o comandante da Marinha do Brasil, almirante Julio Soares de Moura Neto, é alvo de investigação da Procuradoria da República no Distrito Federal por improbidade administrativa. O Ministério Público Federal apura três denúncias feitas por um advogado, cujo nome está sendo mantido em sigilo. A principal delas, segundo o documento, é a aquisição de imóvel de luxo na Avenida Atlântica, no Leme, “que seria incompatível com sua renda e que estaria vinculada, de forma ilícita, à compra de submarinos franceses pelo Brasil”.
Na quinta-feira, o inquérito foi redistribuído e agora está nas mãos do procurador da República Anselmo Henrique Lopes, do Núcleo de Combate à Corrupção. O prazo de apuração se expira no próximo mês, mas pode ser prorrogado até maio do ano que vem.
As viagens para o exterior feitas pelo comandante da Marinha, ‘em tese, desnecessárias e em número excessivo’ —, também serão apuradas. Só em 2012 foram 64 dias fora do país. A última investigação é sobre a nomeação de um capitão-de-mar-e-guerra, que seria primo de sua mulher, para servir na Organização Marítima Internacional (IMO), sediada em Londres. Esse mesmo oficial deixou de ser promovido algumas vezes porque a Comissão de Promoção de Oficiais (CPO) o considerara inabilitado para comandar navios ou organizações militares, segundo fontes da Marinha.
Em dezembro de 2008, o Brasil anunciou a compra de submarinos franceses, mas os contratos foram assinados no primeiro semestre de 2009. Naquela ocasião, o comandante da Marinha e sua mulher, Sheila Royo Soares de Moura, residiam num modesto apartamento de fundos comprado em 1977 na Rua General Ribeiro da Costa, no Leme.
Em fevereiro de 2009, a família concretizou a primeira transação imobiliária: Sheila adquiriu em seu nome um outro apartamento no prédio onde morava, por R$ 280 mil. Em junho, o almirante e sua mulher venderam por R$ 730 mil o imóvel no qual residiam, mas continuaram no mesmo edifício da Rua General Ribeiro da Costa, no imóvel comprado.
Instauração do inquérito por improbidade administrativa contra o comandante Moura Neto
A diferença de valor entre os dois apartamentos no mesmo prédio, negociados com apenas quatro meses de intervalo, foi de R$ 450 mil. Em setembro, compraram um apartamento num prédio que é considerado um dos dez melhores edifícios do Rio de Janeiro, segundo avaliação no site ‘Skyscrapercity’. O endereço é nobre: Avenida Atlântica 270, no Leme, de frente para o mar.
O valor de compra do imóvel não reflete a realidade do mercado na época: na escritura, consta que o almirante Moura Neto adquiriu o apartamento por apenas R$ 1.180.000. Imobiliárias garantem que, na ocasião, um imóvel naquele prédio custava, no mínimo, o dobro.
A Marinha enviou nota, mas não respondeu aos questionamentos do DIA.

Imóvel na Atlântica teria sido comprado por metade do valor: R$ 1,1 milhão
Foto:  Reprodução Google Maps
Imóvel no Leme pertencia à mulher de empresário do Sul
A única pessoa que poderia explicar por que o imóvel da Avenida Atlântica foi vendido a um preço irrisório, considerando-se o mercado na época, morreu ao cair da sacada de seu apartamento em Curitiba (PR): seria a ex-proprietária, Dalete Barros dos Santos, antes conhecida como Lisa Grendene, ex-socialite e ex-esposa do magnata do ramo calçadista Alexandre Grendene Bartelle.
Conforme O DIA apurou, o apartamento no bairro do Leme, de frente para o mar, tem duas suítes, mais dois quartos, um lavabo, living, cozinha, dependências de empregada e quatro vagas para automóveis na garagem.
O edifício é revestido com granito branco e sua fachada é cercada por coqueiros, refletindo o luxo dos apartamentos que abriga. O valor do condomínio é um segredo no prédio: nenhum morador indagado quis revelar quanto desembolsa.

Pedido de arquivamento de procurador foi rejeitado
Para investigar as denúncias contra o comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto, o Ministro Público Federal (MPF) solicitou informações à Controladoria Geral da União e ao 5º Registro Geral de Imóveis do Rio de Janeiro, mas ainda não obteve respostas dos órgãos.
Antes de ir para o Núcleo de Combate à Corrupção, trabalharam no caso os procuradores da República Peterson Pereira e Luciana Loureiro Oliveira. Embora as denúncias tenham começado a ser apuradas no MPF do Rio em Janeiro em 2013, pelo fato de o almirante exercer cargo em Brasília, acabaram encaminhadas ao Distrito Federal.
Em 24 de abril de 2013, o procurador da República Helio Ferreira Heringer Júnior pediu o arquivamento do caso, sob alegação de que não havia indícios suficientes para abertura de inquérito civil público. Mas o pedido foi rejeitado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, do MPF. Em 31 de maio do ano passado, o inquérito foi instaurado, mas a chancela do órgão ocorreu no fim de outubro, quando pelo menos um autor das denúncias se identificou.
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Mar à vista
Marinha envia nota sem respostas ao DIA
A Marinha recebeu e-mail do DIA na quarta-feira, contendo 15 perguntas diretas sobre o assunto. Na sexta-feira, 48 horas depois, enviou nota sem responder a qualquer uma das indagações. Afirmou apenas que a suposta irregularidade do processo da compra do imóvel na Avenida Atlântica decorre de denúncia anônima — já se sabe que um advogado é o autor das denúncias.
Segundo a Marinha, a mesma denúncia foi enviada à Corregedoria Geral da União (CGU). E acentua que a imputação de crime de enriquecimento ilícito contra o comandante, ‘atacando diretamente a sua honra, coloca sob suspeição a honestidade e a probidade no desempenho do cargo que ocupa’.
De acordo com a nota, Moura Neto enviou relatório ao Ministério da Defesa com dados sobre a compra do apartamento na Avenida Atlântica, incluindo os recursos financeiros utilizados para a negociação.
Sobre as viagens, relatou apenas que foram para participação em seminários, conferências e reuniões com outras forças navais. Quanto ao suposto grau de parentesco do oficial Pinho com a mulher de Moura Neto, nem uma palavra foi dita. A Marinha limitou-se a dizer que sua designação para a Organização Marítima Internacional é prerrogativa do comandante.
Documento de compra e venda de apartamento na Avenida Atlântica
Indicados são mal vistos
A indicação de dois oficiais para trabalhar em postos no exterior, feita pelo comandante da Marinha do Brasil, almirante Julio Soares de Moura Neto, causou mal-estar na Força Armada. O primeiro, que é objeto de investigação do inquérito civil, é o capitão-de-mar-e-guerra Fernando Augusto Teixeira de Pinho, que seria primo da mulher do comandante. Pinho foi designado para atuar na Organização Marítima Internacional (IMO), ligada à Organização nas Nações Unidas (ONU).
Segundo fontes na Marinha, Pinho foi reprovado algumas vezes pela Comissão de Promoção de Oficiais (CPO) para comandar navios e outras organizações militares, e teria sido promovido a capitão-de-mar-e-guerra não por merecimento, mas por antiguidade. Depois que o almirante Moura Neto assumiu o comando da Marinha, Pinho foi transferido para o Estado-Maior.
O outro oficial é o capitão-de-fragata Alexandre Calmon de Britto Campos Reis. De acordo com fontes, Calmon teria deixado de fazer um curso obrigatório de carreira, mas não se sabe o motivo, e por isso não foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra. O oficial era lotado no gabinete do comandante da Marinha e pessoa muito próxima a ele, segundo informações de fontes.
Em novembro do ano passado, Calmon foi indicado para trabalhar como chefe na Junta Interamericana de Defesa, em Washington, capital dos Estados Unidos.

Mãe de militar, dona de 50% do imóvel, fez doação a filho e nora
Na escritura de compra e venda do imóvel da Avenida Atlântica, no Leme, a mãe do comandante da Marinha, Lourença Soares de Moura, aparece como a compradora de 50% do apartamento.
Os outros 50% são adquiridos por Julio Soares de Moura Neto e sua mulher, Sheila Royo Soares de Moura. No entanto, no mesmo documento, a mãe faz uma doação da parte dela para o filho e a nora, em regime de usufruto — na morte dela, os outros 50% do imóvel passam para o casal.
Mas não foi apenas Lourença quem resolveu fazer doações de bens na família. O apartamento 303, da Rua General Ribeiro da Costa 190, comprado em fevereiro de 2009, ficou na posse total da mulher do comandante da Marinha até a data de 5 de abril de 2013, quando ela doou a metade do imóvel para a cunhada, Janete Ferreira de Andrade, irmã do marido.
Coincidentemente, na véspera, o dia 4 de abril, o jornalista Cláudio Humberto publicou nota em seu site intitulada “Poder, política e bastidores”, dizendo que o comandante poderia aproveitar a aposentadoria num belíssimo apartamento, na cobiçada Avenida Atlântica, avaliado em R$ 5 milhões (valor é referente àquela ocasião).

Segundo Marinha, militar fez viagens oficiais por 64 dias em 2012
De acordo com documentos a que O DIA teve acesso, somente em 2012 o comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto, viajou por um período total de 64 dias para a Antártica, o Reino Unido, a República de Cabo Verde, o Chile, a Namíbia e Angola (duas vezes). E ainda para países México, Estados Unidos e Peru. Mas há informações de que ele também teria ido à Líbia.
Um ano antes, Moura Neto visitou duas vezes os Estados Unidos (em setembro e outubro), num total de 13 dias.
No ano passado, o militar foi à Argentina e à Holanda (12 dias). E, apenas em fevereiro e março de 2014, ele esteve na Inglaterra, na França e no Uruguai (17 dias).
O comandante da Marinha fez 16 viagens a 14 países entre setembro de 2011 e março de 2014. A única informação dada pela Marinha é que foram viagens oficiais.
O DIA/montedo.com